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Saúde

Sintomas, prevenção e tratamentos para uma vida melhor


Por falha no crânio, ele teve meningite 6 vezes em 15 anos, sem sequelas

Bárbara Therrie

Colaboração para VivaBem

31/07/2022 04h00

Desde os quatro anos de idade, o operador de produção William Gabriel Valendolf luta contra a meningite, doença que ele já teve 6 vezes em um período de 15 anos. Recentemente, o jovem de 19 anos descobriu que a recidiva poderia ser por conta de uma abertura no crânio, só que mesmo operando, ele voltou a ser diagnosticado com meningite e agora tenta uma nova cirurgia. A seguir, a mãe de Gabriel, a terapeuta Silvane Oliveira, 43, conta a história do filho:

"Era 13 de junho de 2007 quando Gabriel acordou com febre alta, vomitando, pescoço duro e reclamando de dor de cabeça. Ao chegar no hospital, o quadro foi tratado como virose, mas como ele teve uma piora rápida, o médico suspeitou que fosse meningite. No entanto, só seria possível confirmar a hipótese com o exame do líquor no dia seguinte, pois como era feriado local, o laboratório estava fechado.

Não quis esperar e solicitei uma ambulância para transferir Gabriel para o hospital de uma cidade vizinha. No caminho, começaram a aparecer manchas escuras nos braços dele que foram se espalhando pelo corpo. Perguntei para a enfermeira o que era aquilo, ela disse que era um dos sintomas da meningite. A essa altura, ele já estava bem ruim, não respondia a mais nenhum estímulo.

Chegando no hospital, Gabriel fez a coleta do líquor e 1h30 saiu o resultado confirmando que era meningite. Ele foi intubado e encaminhado para a UTI. A médica disse que devido à demora no diagnóstico e início do tratamento correto, ele teria 48 horas de vida se não reagisse ao medicamento.

Caso reagisse, ele poderia sobreviver, mas possivelmente teria sequelas. Perdi o chão, me apeguei a Deus e pedi que ele não tirasse o meu filho de mim, ele tinha apenas quatro aninhos de idade.

Os dias seguintes foram difíceis, Gabriel teve convulsões, uma após a outra, em uma delas a gente quase o perdeu. Foram 11 dias na UTI e 22 ao total no hospital. Nesse período, descobrimos que ele teve a meningite meningocócica, uma das formas mais graves da doença.

Ele estava com a vacinação do posto em dia e tomou uma dose de reforço da vacina contra meningite após receber alta do hospital.

William Gabriel Valendolf - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
William Gabriel Valendolf com a mãe
Imagem: Arquivo pessoal

Graças a Deus, Gabriel não teve nenhuma sequela, mas demorou um tempo até ele ficar bem e voltar a fazer as coisas que fazia antes da doença, como recuperar a coordenação motora, comer sozinho, desfraldar pela segunda vez. Ele voltou a falar, por exemplo, só depois de seis meses fazendo fonoaudiologia.

Nossa rotina tinha voltado ao normal, quando faltando 10 dias para completar um ano do diagnóstico, o Gabriel acordou um dia com os mesmos sintomas: febre, dores de cabeça, vômitos e pescoço duro. Eu e meu marido o levamos ao PS da nossa cidade, contei a história dele para o médico, mas ele disse que meningite só dá uma vez na vida, prescreveu uma dipirona na veia e o mandou para casa.

Ficamos preocupados e resolvemos levar Gabriel para o hospital da cidade vizinha onde ele tinha sido internado da primeira vez. O médico que o atendeu não descartou a possibilidade de ser meningite, mas como a coleta do líquor é dolorosa, ele decidiu esperar duas horas para observar como meu filho reagia. Nesse tempo, ele piorou bastante, gemia de dor e parou de falar.

Gabriel foi submetido ao exame, que confirmou ser meningite pela segunda vez, o que foi uma surpresa, porque achávamos que só se pegava a doença uma vez e, ao mesmo tempo, um desespero.

Passou um filme na minha cabeça, fiquei com medo de acontecer tudo de novo. Dessa vez, o Gabriel teve a meningite pneumocócica e ficou internado 10 dias —ele tinha 5 anos na época.

William Gabriel Valendolf teve meningite 6 vezes - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Imagem: Arquivo pessoal

Gabriel tomou mais uma dose de reforço da vacina e chegou a fazer alguns exames para tentar entender por que ele tinha contraído a doença mais uma vez, mas os médicos não descobriram nada.

Meu filho se recuperou, mas eu tive um quadro depressivo e de pânico. A todo momento, achava que ia receber uma ligação da escola e que meu chefe ia me chamar para dizer que meu filho estava mal.

Durante cinco anos, tudo correu bem, mas quando ele fez 10 anos, aconteceu o que eu temia: ele foi diagnosticado com meningite pela terceira vez —da segunda vez em diante as meningites que ele contraiu foram sempre do tipo pneumococo.

Com 10 anos, já comecei a explicar para o Gabriel que, caso ele tivesse qualquer um dos sintomas, como dor de cabeça, febre, vômito e ficasse com o pescoço duro, ele deveria avisar imediatamente o adulto mais próximo dele e dizer que já teve meningite três vezes.

Em 2017 e 2018, ele contraiu a doença pela quarta e quinta vez respectivamente. O processo era sempre o mesmo, Gabriel fazia a coleta do líquor, confirmava o diagnóstico, ficava de 7 a 10 dias em isolamento, internado, tomando medicação, e depois era liberado para casa.

Na penúltima vez, como o caso dele já era conhecido na cidade, um médico me encorajou a buscar resposta em outros lugares. Eu já tinha pesquisado na internet pessoas que haviam tido meningite mais de uma vez, mas só tinha encontrado um menino nos Estados Unidos que tinha tido cinco vezes.

Até que a mãe de um brasileiro, que já tinha tido a doença duas vezes, viu um vídeo que postei do Gabriel no Facebook falando sobre a meningite e entrou em contato para saber mais da história dele. Eu disse que nenhum médico conseguia explicar o porquê das recidivas da doença. Ela me passou o contato de uma infectologista em Curitiba e marquei uma consulta.

William Gabriel Valendolf teve meningite 6 vezes - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Gabriel em uma das vezes que teve meningite quando criança
Imagem: Arquivo pessoal

Gabriel fez vários exames, entre eles uma ressonância do cérebro, que mostrou uma fístula liquórica, uma espécie de abertura nas meninges onde ocorre o vazamento do líquido que banha o cérebro e a medula. Esse problema poderia ser provocado por algum acidente que tivesse causado traumatismo craniano —o que não é o caso do Gabriel— ou até por uma malformação dos ossos do crânio.

A médica explicou que essa falha no crânio, essa abertura na meninge deixava o Gabriel exposto às bactérias presentes na cavidade nasal ou no interior da orelha. Essas bactérias teriam um caminho mais fácil para chegar e inflamar as meninges, que são as membranas que recobrem o cérebro, processo conhecido como a meningite.

Em 2019, Gabriel fez a cirurgia para o fechamento da fístula liquórica. O médico disse que a cirurgia foi bem-sucedida, mas que ele não poderia garantir 100% que o Gabriel nunca mais teria meningite. Além da possibilidade de falha da cirurgia, seu organismo poderia ainda ter algum comprometimento do sistema imunológico que o impeça de combater infecções adequadamente.

Três anos depois, em 2022, Gabriel voltou a ter a doença pela sexta vez. O médico fez uma avaliação e indicou uma nova cirurgia. Como estamos sem plano de saúde, estamos tentando fazer o procedimento pelo SUS —a expectativa é que ele opere e não tenha mais recividas.

Há 15 anos Gabriel luta contra a doença, tem momentos em que ele fica chateado, bravo, quando criança era um pouco pior porque ele chorava por conta da coleta do líquor que é desconfortável.

William Gabriel Valendolf teve meningite 6 vezes - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Imagem: Arquivo pessoal

Hoje, aos 19 anos, ele sabe da gravidade e da seriedade da doença, mas lida de uma forma mais leve e até descontraída. Ele brinca que é hexacampeão de meningite, mas brincadeiras à parte, sabemos que há um propósito nisso tudo.

Gabriel é um guerreiro e uma inspiração para todos nós, ele nunca perdeu a alegria e a vontade de vencer mesmo com todas as dificuldades. Meu filho ter sobrevivido seis vezes a uma meningite e não ter nenhuma sequela é um milagre de Deus.

Espero que com a história dele, as pessoas possam se informar, saber que é possível ter a doença mais de uma vez, que é importante tomar as vacinas, ficar alerta aos sintomas e se cuidar."

1) É possível ter meningite mais de uma vez?
As meninges são membranas que recobrem e protegem o cérebro. A meningite é a inflamação dessas membranas e do líquido que envolve o cérebro. Na maior parte dos casos, essa inflamação é causada por uma infecção por algum microrganismo, geralmente bactérias.

As meningites são relativamente frequentes e podem ser graves, por vezes causando sequelas e até morte. Mesmo assim, ainda que possível, é raro que uma pessoa tenha meningite por várias vezes. Nesses casos, é preciso investigar as causas que podem estar relacionadas a essa meningite de repetição.

2) Quais os fatores de risco para uma pessoa ter meningite de repetição?
Nas meningites de repetição, dois cenários são os mais prováveis para se explicar o que ocorre. No primeiro, o paciente pode apresentar algum comprometimento do sistema imunológico de forma que seu organismo não seja capaz de se proteger das bactérias, facilitando o aparecimento de infecções.

No segundo, alguma alteração ou falha no crânio pode fazer com que exista uma abertura no osso que deixa as meninges continuamente expostas a bactérias da cavidade nasal ou do ouvido. Essa falha ou abertura no crânio pode ser desde uma alteração congênita (presente desde o nascimento) até uma fratura decorrente de um trauma.

3) O que é e o que causa a fístula liquórica?
As meninges funcionam como um saco que contém o cérebro e líquido, de forma que o cérebro fica boiando nesse líquido. As meninges são um saco fechado, sem qualquer vazamento. No caso de se abrir um buraco ou furo nesse saco, ocorre o vazamento desse líquido para fora do saco. Chamamos de fístula liquórica essa comunicação do espaço de dentro do saco com o de fora causando esse vazamento, geralmente para a cavidade nasal ou o interior da orelha.

Uma vez que há uma comunicação entre o compartimento intracraniano e a cavidade nasal ou da orelha por uma falha no osso do crânio, as meninges ficam expostas ao meio externo e a bactérias. Essa exposição enfraquece as meninges, o que pode causar um rompimento e abertura espontânea delas, gerando uma fístula liquórica.

4) De que forma a fístula liquórica predispõe que a pessoa tenha meningite de repetição?
A abertura das meninges cria uma porta para o interior desse saco, facilitando a entrada de bactérias. Essas bactérias causam a infecção dessas membranas e do líquido que banha o cérebro, ou seja, a meningite. Enquanto as meninges continuarem abertas, bactérias continuarão sempre entrando e causando infecções de repetição apesar do uso de antibióticos.

5) Como é feita a cirurgia para o fechamento da fístula liquórica?
A cirurgia para correção de fístula liquórica baseia-se no fechamento da abertura existente nas meninges (saco) para que as bactérias não entrem mais e na correção de eventuais falhas nos ossos do crânio para que as meninges não fiquem em contato direto com as bactérias da cavidade nasal ou do interior da orelha.

Qualquer cirurgia pode apresentar falhas e complicações, mas se os objetivos principais forem atingidos, existe uma boa chance de que o paciente não volte a ter novas meningites.

Fonte: Feres Chaddad, professor e chefe da disciplina de neurocirurgia da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo) e chefe da neurocirurgia da BP - A Beneficência Portuguesa de São Paulo.