Topo

Longevidade

Práticas e atitudes para uma vida longa e saudável


Centenários: quatro idosos contam como chegaram aos 100

Yasmin Ayumi/Arte UOL
Imagem: Yasmin Ayumi/Arte UOL

Janaína Silva

Colaboração para VivaBem

10/08/2022 04h00

Quando eles nasceram, a penicilina ainda não havia sido descoberta, a vacina contra a tuberculose acabara de ser testada em humanos com sucesso, a expectativa de vida no Brasil era de 35 anos e o mundo passara recentemente pela epidemia da gripe espanhola.

Estamos falando de idosos com mais de 100 anos, que, segundo o Censo do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) de 2010, somavam 24.236 pessoas no Brasil. Estes são os dados mais atuais pois, por ser uma população rarefeita, apenas os censos demográficos decenais são capazes de contabilizá-la, de acordo com o próprio IBGE.

Previsões mundiais indicam que o planeta terá 3,7 milhões de centenários em 2050. Mas qual é o segredo para uma vida tão longeva? O que a ciência já sabe? Por que há locais em que a população vive mais? VivaBem conversou com quatro pessoas que já comemoram 100 ou mais aniversários e procurou algumas respostas na ciência.

Os que atingem cem anos de maneira lúcida e saudável têm em comum a alimentação equilibrada, sem exageros; a presença da atividade física no dia a dia, durante a vida toda, como fazer jardinagem, arrumar a casa, caminhar, mantendo o corpo saudável; e a boa saúde mental, a resiliência e a vontade de viver. Simone Fiebrantz Pinto, nutricionista e presidente do Departamento de Gerontologia da SBGG (Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia)

Centenarios - Adriano -  -

Adriano Bonaldi, 101: 'Melhor coisa é não dever nada'

Lúcido e sem problemas de saúde, Adriano Bonaldi nasceu em 4 de maio de 1921 e vive em Curitiba. É casado há 68 anos com Rosita, que completou 90 anos em fevereiro. Tiveram quatro filhos —um já morreu.

Nascido na Itália, em Alta Villa Vicentina, Vicenza, veio para o Brasil após a Segunda Guerra Mundial, na qual teve o esconderijo da família bombardeado. Sua memória mais antiga é das brincadeiras de infância e de ter sido um bom aluno. Na família, pelo que Adriano se lembra, somente o avô chegou perto dos 100 anos.

Desenhista formado pelo Instituto Técnico em Verona, após a aposentadoria passou a dedicar-se ao jardim de sua casa. Fez natação e gostava de andar de bicicleta. Aprecia música clássica e costumava dar aulas de violino.

Acorda cedo e come no café da manhã sanduíche, ovo cozido e frutas. Tem o hábito de caminhar em volta da casa, regar o jardim e podar as plantas. Depois, é a vez de os canários terem os cuidados do centenário, que gosta de receber a visita frequente de netos e familiares. A neta Maria Cecilia, que Adriano chama carinhosamente de Cicci, é uma das mais próximas e com quem tem uma relação muito especial.

Ao longo do dia, tira alguns cochilos e mantém o hábito de tomar uma gemada com licor de Marsala, todo fim de tarde.

Adriano Bonaldi tem acompanhamento multidisciplinar de profissionais, como geriatra, fisioterapeuta, nutricionista e enfermeira. Otimista, diz que a melhor coisa é não dever —favor, dinheiro, perdão— nada a ninguém.

Assim, você pode deitar a cabeça tranquilamente no travesseiro.

Centenário sim, mas não tão bem assim

No Brasil, um estudo realizado pelo médico geriatra Paulo de Oliveira Duarte, responsável pelo Ambulatório de Super-idosos (Longevos) do Hospital das Clínicas da FMRP-USP (Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo), avaliou 33 centenários na cidade de Ribeirão Preto (SP) e constatou que 85% estavam em risco nutricional, sendo 33,3% em desnutrição instalada.

A pesquisa, que estudou 33 idosos e foi publicada em 2015, ainda mostrou que:

  • 27 eram mulheres (81,8%)
  • 12 (36,4%) tinham a capacidade cognitiva preservada
  • 12 (36,4%) eram analfabetos
  • 14 (42,4%) estudaram de 1 a 4 anos
  • 14 (60,9%) demonstraram autopercepção de saúde satisfatória
  • maioria era viúva e não houve um casal que fosse centenário
  • em relação à visão e à audição, apenas 16,7% e 9,4%, respectivamente, tinham os sentidos preservados
  • 7 (21,2%) eram acamados
  • nos testes físicos, 15 (45,5%) não conseguiram ficar 10 segundos na posição vertical, com um pé ao lado do outro, e 24 (72,7%) não foram capazes de levantar cinco vezes da cadeira sem utilizar os braços para dar impulso
  • apenas 4 (12,1%) desenvolveram velocidade de marcha satisfatória: 4 metros em até 6,2 segundos.

Os dados demonstram que o envelhecimento ativo ainda não é uma realidade no nosso país, o que é preocupante, já que os centenários e nonagenários são os grupos de idosos que mais crescem, com alta prevalência de múltiplas morbidades.

Segundo Duarte, pesquisas que comparam centenários nascidos a cada década demonstram que há uma melhora da cognição e funcionalidade. "Existem avanços sobre como as pessoas irão envelhecer. Afinal, é uma escolha individual e que se dá de acordo com o estilo de vida."

É, ainda, a concretização dos avanços na área da saúde, como o desenvolvimento de remédios, melhorias no diagnóstico precoce de doenças e a adoção de medidas de saúde pública, como vacinação e saneamento básico.

Envelhecer de forma saudável é a vida sendo exercida de forma plena, em que os sonhos ainda podem ser concretizados com mais tempo para se dedicar a eles. É uma conquista para se fazer bom uso. Paulo de Oliveira Duarte, geriatra

Centenarios - Anita -  -

Anita Sister, 102: ela gosta de novidades

Anita Sister nasceu na Rússia em 16 de agosto de 1919 e está prestes a completar 103 anos. Atende ao telefonema da reportagem simpaticamente e conversa como se já fosse uma antiga amiga. Assim, também, é como ela relembra ter sido recebida no Brasil, quando tinha apenas 8 anos.

Adorei o país, fiz muitas amiguinhas logo que cheguei.

Ela descreve com detalhes cada etapa de sua vida. Tinha dois tios que já estavam em São Paulo, seu pai escreveu a eles e veio na sequência. Depois, foi a vez dela, do irmão e da mãe. Viveram no Brás e ela menciona que o pai colaborou na construção da primeira sinagoga do bairro.

De família judia, estudou em escola judaica, mas fala orgulhosa que teve muitos amigos, independentemente de crenças. "Fui tão grata aos meus tios que acabei casando com um primo, Jaime Sister." Tiveram cinco filhos e, hoje, contabiliza 14 netos e 20 bisnetos.

Lê o jornal todos os dias, nas primeiras horas da manhã, faz passatempos e assiste à TV. Em nossa conversa, resgata os tempos de menina e diz que manteve o espírito curioso e a vontade de aprender. "Recordo-me do meu pai lendo, ele era muito culto." Da mãe, seguiu o exemplo de procurar com regularidade novidades e manter-se atualizada.

Anita não anda há alguns anos, mas uma das netas diz que ninguém sabe explicar bem o que aconteceu. Após dois anos de isolamento e quatro doses da vacina contra a covid, a centenária está saindo novamente, aos poucos, para rever os familiares.

Conta que um bisneto de 3 anos pediu, na última vez em que se falaram, biscoitinhos que ela ainda faz questão de preparar. Em relação à alimentação, sempre comeu de tudo, sem exageros.

O que influencia mais para ser um idoso saudável?

Segundo a OMS (Organização Mundial da Saúde), o envelhecimento saudável é o processo de promoção e manutenção da capacidade funcional, que possibilita o bem-estar na velhice. A capacidade funcional consiste em ter os atributos que permitam que todas as pessoas sejam e façam o que é importante para elas, como mobilidade, memória, linguagem etc.

  • GENÉTICA

Análises realizadas fora do país não trazem respostas definitivas sobre os fatores e genes que estariam relacionados à longevidade. Sabe-se que a genética tem parcela importante e chega a corresponder a 30%.

Publicada em 2021, a pesquisa "Assinaturas de proteínas de centenários e seus descendentes" sugere que os centenários envelhecem mais lentamente do que outros humanos e aponta que aspectos biológicos podem regular o envelhecimento e a longevidade.

  • HÁBITOS

Os 70% restantes dependem da forma como vivemos, dos hábitos, do ambiente e de como se enxerga a vida. Curiosidade em aprender coisas novas e o não sedentarismo seriam fatores adicionais.

"Não existe envelhecimento saudável sem exercício físico. A prática regular faz com que os marcadores inflamatórios diminuam bastante", cita o geriatra Duarte.

O acesso ao sistema de saúde, público ou particular, e a alimentação equilibrada são condições identificadas entre os centenários. Um estudo da Escola de Medicina de Boston, nos EUA, acompanhou centenários de oito cidades e aponta como algo comum entre os longevos é que poucos são obesos. O tabagismo não é frequente —inclusive, no levantamento feito em Ribeirão Preto, 85% dos centenários nunca fumaram.

  • ESTUDO

A rede de apoio —familiar ou não— e a escolaridade também afetam positivamente a qualidade de vida da população idosa. De acordo com estudo divulgado em janeiro de 2022, por pesquisadores da FMUSP (Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo), o tempo de escolaridade ajuda a mitigar os efeitos das lesões cerebrais na diminuição de habilidades cognitivas, incluindo memória, atenção, função executiva e linguagem, no envelhecimento.

  • SAÚDE MENTAL

Além disso, observa-se a forma como encaram a vida e lidam com o estresse. São resilientes e mantêm propósitos de vida. Na opinião do geriatra, essas peculiaridades levam a saírem da zona de conforto.

Já em relação ao otimismo, não há estudos que comprovem que essa característica faça aumentar a sobrevida. Contudo, 58% não relataram sintomas de depressão entre os que foram avaliados em Ribeirão Preto.

Centenarios - Edu -  -

Edu Gomide, 100: 'Faço tudo mesmo'

Ele dirige, faz mercado, é muito comunicativo e gosta de andar bem arrumado. Edu Gomide se mantém ativo, física e mentalmente. Em suas palavras, não gosta de se sentir imprestável.

Lavo roupa, estendo no varal e também passo. Arrumo a casa e lavo louça. Faço tudo mesmo, gosto e me sinto bem.

Tendo completado 100 anos, segundo consta na certidão de nascimento, no dia 21 de março, ele menciona que tem 103 ou 104 anos, pois o pai só o registrou ao matriculá-lo na escola.

Lúcido e com muitas histórias de quem cresceu com a metrópole paulista, Gomide nasceu em Rincão, município situado na Região Intermediária de Araraquara, no interior de São Paulo, morou em Araraquara e veio ainda criança para a capital. O pai trabalhava na Companhia Paulista de Estrada de Ferro; sua mãe morreu de forma prematura e ele conviveu com suas três irmãs, uma mais velha e duas mais novas, do segundo casamento do pai.

Cursou contabilidade e estava no terceiro ano de direito, na Faculdade de Direito do Largo de São Francisco, quando seu pai morreu e teve de assumir as responsabilidades da casa, por ser o filho (homem) mais velho.

Casou-se jovem e teve três filhos. Sua esposa morreu há 9 meses, com pouco mais de 90 anos, depois de 70 ao lado de Edu.

Sem doenças crônicas, o centenário diz que come de tudo, a hora que for, de feijoada a sopa. Dorme apenas 4 horas por noite: deita-se às 2h e levanta-se às 6h, com regularidade. Mas, durante o dia, confessa tirar um cochilo ou outro. Gosta de assistir a jogos de futebol e passear pelo bairro da Lapa.

Relembra a capital paulista sem ruas asfaltadas e sem a existência de grandes construções; cita que viu o Edifício Martinelli —o primeiro arranha-céu da cidade de São Paulo— ser construído. Aposentou-se aos 48 anos e trabalhou até os 81 anos sendo empreendedor.

Hoje, gosta de dirigir e renovou sozinho sua CNH (Carteira Nacional de Habilitação), recentemente. O filho caçula, Marcelo Gomide, relata que estavam esperando o aparelho de audição ficar pronto para levá-lo para renovar a habilitação, mas ele não esperou e só avisou quando tinha feito o processo sozinho.

Por que eles vivem mais por lá

As zonas azuis —ou blue zones— compreendem cinco regiões do mundo em que as pessoas vivem mais e com mais saúde, ultrapassando os 100 anos. O projeto com o mesmo nome visa divulgar as práticas e incentivar o estilo de vida saudável pelo planeta.

Identificadas pelos pesquisadores Gianni Pes e Michel Poulain e pelo jornalista Dan Buettner, essas regiões concentram 9 características e hábitos em comum (veja quais são mais abaixo).

Centenarios - Mapa -  -

Centenarios - Alcides -  -

Alcides Frederico Tanck, 100: vida sem extravagâncias

Saudável e lúcido, Alcides Frederico Tanck, 100, tem apresentado algumas dores articulares e perda gradativa da visão e da sensibilidade ou coordenação motora fina das mãos.

Nascido em Limeira, no interior paulista, em 27 de dezembro de 1921, foi trabalhador rural por longos anos. Depois, durante 28 anos, foi servidor público municipal, atuando como auxiliar geral, encanador no departamento de água e esgoto e jardineiro —função que teve até se aposentar.

Viúvo, foi casado por 46 anos e teve 12 filhos. Com boa memória —sempre comenta sobre seu histórico de vida, seus trabalhos, os bailes e festas de que participava quando moço e seu relacionamento com a esposa antes do casamento—, é inspiração para os familiares que o auxiliam nas tarefas cotidianas, visando a sua independência e bem-estar, com total respeito às opiniões, desejos e vontades.

Aos 12 anos, após cair de uma árvore, teve perda auditiva devido a um ferimento na cabeça. Na época, os pais não recorreram ao tratamento médico hospitalar e isso o fez abandonar os estudos por se sentir excluído pela professora e pela turma. Porém, segundo os familiares, Alcides conhece bem os conceitos da matemática e tem boa compreensão de conhecimentos gerais.

Dorme bem, faz as refeições regularmente e, durante a tarde, tem o hábito de beber sucos e comer frutas e iogurtes. À noite, toma sopa.

No dia a dia, gosta de assistir na TV a programas humorísticos, futebol e programas religiosos. Participa de festas e eventos em família, como aniversários, datas comemorativas e confraternizações, onde adora jogar truco, dominó e bingo.

Quando mais novo, gostava de fazer viagens a cidades históricas em Minas Gerais, cidades religiosas como Aparecida (SP) e ir pescar em Mato Grosso, com um dos filhos.

Sem parentes que viveram tanto quanto Alcides, os filhos associam a longevidade ao estilo de vida sem extravagâncias, como bebidas, tabagismo, doces ou sedentarismo. Teve sempre uma alimentação natural e saudável. Quando jovem, andava de bicicleta e, a vida inteira, caminhou. Além disso, tem uma visão favorável diante das dificuldades da vida, mantendo sempre a esperança de que o melhor irá acontecer.

Fonte adicional: Márcia Sena, fundadora e CEO da Senior Concierge e especialista em qualidade de vida na terceira idade.

Errata: este conteúdo foi atualizado
Diferentemente do que afirmava a primeira versão desta reportagem, Rincão é um município localizado na Região Intermediária de Araraquara, e não um distrito de São Carlos. O texto foi corrigido.