Ela levou 15 anos para descobrir que tem doença de Crohn: 'Foi um alívio'
Com vários diagnósticos errados, a gaúcha Débora Suzane Weber, 37, demorou 15 anos para descobrir o que causava as recorrentes e persistentes dores de barriga, diarreia e vômitos. Durante a longa jornada, ela fez diversos exames, passou por vários médicos, foi encaminhada ao psiquiatra e chegou a pensar que era louca.
Aos 26, a administradora de empresas fez uma cirurgia às pressas para controlar uma obstrução intestinal, retirou 69 cm do intestino delgado, fez uma biópsia e descobriu que tinha a doença de Crohn. "Foi um alívio, ia poder me tratar". A seguir, ela conta sua história.
"Aos dois anos de idade, já apresentava sintomas gastrointestinais frequentes, tinha diarreia intercalada com ressecamento e muita dor de barriga. Cheguei a ficar internada, mas não descobriram o que eu tinha.
A partir dos 12 anos, os sintomas se acentuaram e pioraram com o surgimento de hemorroidas e fissuras. Minha mãe me levava ao hospital, passava com gastroenterologistas, proctologistas, fazia diversos exames, mas nada era detectado.
Ao longo dos anos, já ouvi de tudo o que se pode imaginar, que estava daquele jeito porque comia errado, comia muito doce, estava com verme, tinha a síndrome do intestino irritável, intolerância à lactose, ao glúten, era um quadro de intoxicação alimentar.
Aos 15 anos, fui erroneamente diagnosticada com gastrite e desde então passei a tomar remédio e a seguir uma dieta equilibrada, mas não tive melhora.
Na adolescência e na vida adulta a situação só piorou, sentia muita dor na parte superior do abdome, tinha diarreias diariamente e episódios recorrentes de vômitos. Isso afetava muito minha qualidade de vida, às vezes me isolava e me tornei seletiva em relação aos ambientes que frequentava.
Em qualquer lugar que fosse, desde um restaurante ao shopping, a primeira coisa que fazia era me informar onde era o banheiro para ter acesso a ele rapidamente.
Além disso, tinha algumas estratégias para evitar passar mal: tomava antidiarreico antes de ir para um show, viajar, pegar estrada, e deixava de comer em festas e eventos.
Já passei por várias situações desagradáveis, como não chegar a tempo no vaso sanitário e evacuar na roupa. A mais humilhante delas foi um dia que evacuei no meu carro ao pegar uma estrada completamente congestionada. Eu me senti péssima.
Além dos sintomas gastrointestinais, também sentia uma fadiga extrema, não tinha energia e disposição para quase nada. Até conseguia cumprir minhas tarefas, como limpar a casa ou fazer um trabalho da faculdade, mas era um esforço além do normal.
Era incompreendida pela minha família e muitas vezes já ouvi comentários como: 'Levanta dessa cama', 'vai fazer alguma coisa', 'vai para a academia', 'você é muito preguiçosa'.
Por mais de uma década busquei uma resposta para descobrir que doença eu tinha, mas confesso que chegou uma fase da vida que pensei que fosse louca. Minha saúde mental ficou extremamente abalada porque ninguém dava crédito ao que eu sentia e às minhas dores.
Me culpava por passar mal. Os médicos se baseavam em resultados de exames, e como nada era constatado, eles achavam que eu tinha um problema psiquiátrico.
O último gastro com quem passei me mandou para o psiquiatra, disse que eu tinha anorexia, bulimia e algum transtorno de imagem —ele achava que eu provocava vômitos para emagrecer. Não era nada disso, sentia dor, vomitava e tinha diarreia toda vez que comia, parei de comer para não passar mal.
No auge de uma das crises, cheguei a ir 15 vezes no banheiro em um dia. Emagreci 20 kg em três meses e atingi 51 kg, fiquei desnutrida.
Fui ao psiquiatra, ele me deu medicação para ansiedade e para dormir. Quatro dias depois, acordei urinando sangue e sem forças para levantar da cama. Uma tia me levou ao hospital, fiquei internada com suspeita de inflamação nos rins.
No quarto dia, meu abdome triplicou de tamanho, ficou muito inchado. Não conseguia comer e nem evacuar. Fiz uma tomografia e foi constatado que eu estava tendo uma obstrução intestinal.
Minha mãe ligou para o gastro que tinha me mandado para o psiquiatra, ele foi me ver e me operou às pressas porque disse que eu corria risco de vida. Durante a cirurgia, ele retirou 69 cm do meu intestino delgado que estava necrosado. Ele ainda retirou meu apêndice e fez uma ileostomia temporária —uma ligação entre o intestino delgado e a parede abdominal para desviar as fezes em uma bolsa coletora. Tive duas paradas respiratórias e fiquei três dias em coma na UTI.
Ao acordar, fui informada que haviam feito uma biópsia e que havia a suspeita de eu ter câncer no intestino delgado ou doença de Crohn, o primeiro tinha cura, a segunda não, apenas controle. Minha primeira reação foi de revolta e negação.
Fiquei um mês internada, passei meu aniversário de 27 anos no hospital, era muita coisa para processar. Nesse período, saiu o resultado da biópsia, o médico fechou o diagnóstico e confirmou que eu tinha doença de Crohn.
Após 15 anos em busca de uma resposta, senti alívio em saber que não estava louca. Eu realmente estava doente e ia poder me tratar. Fui encaminhada para uma gastro especialista em doença inflamatória intestinal.
Fiz uma nova cirurgia no intestino, tirei a bolsa de ileostomia e iniciei o tratamento com imunossupressor oral.
Seis meses depois, parei com o imunossupressor e passei a usar a medicação biológica, que é realizada na veia, no hospital, a cada dois meses —faço uso dela até hoje.
A doença está estável, não tenho mais dores e meu intestino funciona bem. Faço acompanhamento duas vezes por ano com gastro, e uma vez por mês com psiquiatra/psicoterapeuta. Minha qualidade de vida melhorou muito, me sinto mais produtiva e tenho mais ânimo. Sou outra pessoa."
A evolução no tratamento da DIIs
As DIIs (doenças inflamatórias intestinais) atingem mais de 5 milhões de pessoas no mundo. No Brasil, a prevalência varia de 12 a 55 indivíduos para cada 100 mil habitantes, na sua maioria homens e mulheres jovens, entre 15 e 40 anos.
A doença de Crohn pode atingir qualquer parte do trato digestório, da boca até o ânus, acometendo o intestino fino, o segmento do cólon e a região perianal. Os sintomas mais comuns são dores abdominais (cólicas), perda de peso, fadiga e períodos de diarreia, que podem conter sangue ou muco (catarro).
Segundo Rogério Saad, proctologista e presidente do Gediib (Organização Brasileira de Doença de Crohn e Colite), esses sintomas podem ser confundidos com sinais e sintomas de outras doenças e atrasar o diagnóstico. Outra característica desse quadro clínico é que ele acontece por surtos com períodos de melhora e de intensificação.
"Se os sintomas persistirem por mais de dois meses, é necessário procurar um especialista. Nestes casos, existe a possibilidade de estarmos falando de uma doença inflamatória intestinal, como é o caso da doença de Crohn e da retocolite ulcerativa", alerta Saad, que também é membro titular da Sociedade Brasileira de Coloproctologia.
Adérson Damião, gastroenterologista e professor da faculdade de medicina da USP (Universidade de São Paulo), divide a história das doenças inflamatórias intestinais em 5 eras: desespero, opções terapêuticas, medicina baseada em evidências, medicamentos biológicos e modificação da doença.
O proctologista Saad explica que a fase do desespero está relacionada à escassez de informações sobre as DIIs e às poucas opções terapêuticas que havia até então. "No começo, o uso de corticoides era uma das prerrogativas de tratamento, o que trazia pouca qualidade de vida ao paciente", comenta.
Com o tempo foram sendo estudadas outras possibilidades, dando início a uma era com novas opções de tratamento —incluindo os próprios corticoides.
Ainda de acordo com o médico, quanto mais se estudam as DIIs, mais conhecimento científico é gerado. A partir da medicina baseada em evidências —apontada como a terceira era— houve uma melhor compreensão do tratamento. No caso da doença de Crohn, notou-se que ela pode se apresentar e evoluir de maneiras distintas em cada paciente, de acordo com sua apresentação, localização, intensidade e extensão.
Atualmente, estamos na era dos biológicos, considerada a terapia mais inovadora hoje em dia. Saad explica que o primeiro medicamento descoberto e utilizado há mais de 20 anos até os dias atuais é um anticorpo monoclonal específico contra um dos elementos da cascata inflamatória, o anti-TNF.
"Isso mudou a evolução, o conhecimento e a maneira como tratamos qualquer uma das doenças inflamatórias intestinais. É sempre importante sabermos decidir qual a melhor medicação para cada fase e momento da doença", afirma o presidente do Gediib.
Saad ressalta que como a doença de Crohn não tem cura é necessário ter mecanismos e medicamentos que permitam o controle ao longo do tempo, a adesão dos pacientes aos tratamentos e a abordagem multidisciplinar (enfermagem, nutrição e psicologia/psiquiatria), para que o paciente consiga voltar a exercer suas atividades diárias com mais qualidade de vida.
A Janssen, farmacêutica da Johnson & Johnson, lançou em 2021, com o apoio científico do Gediib, um guia multidisciplinar que traz temas aos pacientes como a necessidade da rede de apoio, cuidados com a mente e emoções, dicas nutricionais, um diário para registro da rotina, evolução dos cuidados e dúvidas a serem sanadas nas consultas médicas.
O material faz parte da campanha Siga Sem Pausa e está disponível para download gratuito no site da campanha: https://www.janssen.com/brasil/blog/sigasempausa.
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