'Minha mãe falava mal do meu pai': alienação parental lesa todos envolvidos
Quando Angela* tinha 12 anos, seus pais se separaram. A notícia foi uma surpresa, porque o casal mantinha uma relação discreta, sem desentendimentos na frente da filha. Por isso, lidar com a nova realidade não foi fácil, ainda mais quando ela começou a ouvir reclamações da mãe sobre a conduta do pai. Angela ainda não entendia, mas era vítima de alienação parental.
"Meu pai saiu de casa, minha mãe assumiu tudo e acabava falando mal dele. Para mim, ele era um herói, meu tudo", conta. "Quando eles separaram, tive sofrimento muito bruto, fiz acompanhamento, não conseguia comer, entrei em depressão, porque não tinha mais o meu pai nem a figura dele que acreditava."
A alienação parental é caracterizada como qualquer conduta com a intenção de afastar o filho de um dos genitores. Ela pode começar com atitudes sutis, como comentários, omissão de eventos na escola e evitar repassar ligações telefônicas e, depois, escalar para comportamentos mais perversos, como a implementação de falsas memórias nas crianças —denúncias mentirosas de abuso sexual, por exemplo.
Mesmo sendo mentira, os danos psicológicos às crianças são sentidos como se a situação tivesse acontecido. Angela sofreu duplamente: pela separação e por se defrontar com uma nova imagem do pai. "Com 12 anos, eu ouvia que ia ver quem era o meu pai de verdade. Aquilo gerava dor", lembra.
De acordo com a psicóloga Samantha Dubugras Sá, professora da PUCRS (Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul), a alienação parental pode ser comum após a separação de casais ou até mesmo em relações estremecidas. Isso acontece, em geral, pela dificuldade em separar as frustrações conjugais da parentalidade.
"No momento em que o genitor começa a desqualificar o outro para os filhos, muitas vezes não consegue separar o que é conjugalidade de parentalidade, então utiliza frases que podem parecer sutis, mas têm impacto psicológico", explica Sá.
Campanha contra a reputação
As causas de alienação parental são individuais. Elas podem ter forte relação com o sentimento de luto ao terminar uma relação, e quando ele não é elaborado desencadeia estímulos de raiva e inveja.
Quanto maior o amor, maior é o ódio se essa relação não é trabalhada. Divórcio traz sentimentos próximos ao da morte de um ente querido e a reação dessas pessoas é agir com violência, enquanto outras deprimem. A campanha destrutiva ocorre frente à dor de não lidar com a frustração e ataca-se tudo. Um grande amor virou grande objeto de ódio. Juliana Toledo Rocha, psicóloga e professora da UFPB (Universidade Federal da Paraíba).
Personalidades com forte dependência emocional, por exemplo, também podem sofrer mais, por se sentirem abandonadas após o término. A saída, então, é usar o filho contra o outro.
"Muitas vezes, é uma forma de seguir se relacionando com o ex-cônjuge, porque mesmo por meio das brigas a pessoa acaba se fazendo presente. É uma forma de manter, claro, de maneira patológica, o vínculo com o outro", descreve Sá.
Em alguns casos, no entanto, o processo é fruto de condições psicológicas, como em pessoas com traços narcisistas. Neste caso, a situação tende a ser mais delicada, pela dificuldade em reconhecer os excessos contra a criança e o genitor alienado, além da relutância em aderir ao tratamento.
Engajamento inconsciente
Independentemente das razões que a movem, a alienação parental deixa um rastro de impactos. O alienador pode acreditar que adota os comportamentos como uma forma de proteger a criança, mas, na verdade, a priva do convívio importante com o outro cuidador.
Do outro lado, pode ser que o genitor vítima das acusações assuma comportamentos paranoicos, por duvidar se falhou e, inclusive, acreditar —mesmo que não totalmente— nas acusações. Surgem sintomas depressivos que podem progredir para ideações suicidas.
As repercussões negativas se intensificam à medida que mais pessoas se engajam no processo de alienação, geralmente sem saber que as acusações são falsas. "O alienador não comunica que tem apresentação, reunião de pais, e a escola vê um dos genitores sozinho e julga o outro como ausente. Isso pode fazer campanha maior, mesmo que inconscientemente", explica Juliana Toledo Rocha, também doutora pela UFRN (Universidade Federal do Rio Grande do Norte).
Esse engajamento alcança também os filhos, que começam a fazer parte do processo. "A criança apresenta sinais e sintomas evidentes de ojeriza ao ver o genitor afastado. Tem medo, diz que não quer ir visitar, desespera, sofre consequências e até transtorno de ansiedade", completa a psicóloga.
Por isso, as principais vítimas são as crianças, já que os impactos psicológicos podem causar cicatrizes durante toda a vida —como falta de confiança em si, levando à baixa autoestima, além de maior isolamento e sintomas depressivos.
No caso de Angela, conviver com a alienação parental fez com que ela desenvolvesse sentimentos de insegurança ao se relacionar.
Tudo o que ouvia me marcou muito. Não conseguia mais confiar em homem e isso respingou em relações posteriores, incluindo namoros abusivos que vivi. Angela
Para agradar um dos genitores, é comum também o filho fingir que não se sente confortável no convívio com o outro responsável, mentindo sobre os momentos em que estão juntos. Isso causa duplicidade de comportamento, um risco para desenvolver transtorno de múltipla personalidade no futuro.
"O genitor com qual a criança convive mais acaba tendo maiores chances da manipulação, e o filho se sente nessa fidelidade, porque criança tem tendência de dizer o que o adulto quer ouvir", indica Samantha Dubugras Sá, doutora pela PUCRS.
Como descobrir?
Segundo Rocha, como qualquer mentira, a alienação parental tem perna curta. Mas isso não quer dizer que o processo de reconhecimento seja fácil. Mesmo após adultas, algumas pessoas podem demorar anos para entender o que passaram. E isso só acontece, normalmente, ao ouvir o lado do genitor afastado ou com a ajuda de psicólogos.
Ao entender as vivências, é importante conseguir organizá-las, porque há padrão de repetir comportamentos: caso eles não sejam bem elaborados, há possibilidade dos filhos vítimas de alienação a cometê-la quando se tornarem pais. "A literatura sempre destaca isso. É um tipo de violência psicológica e há probabilidade, caso não seja trabalhada, das vítimas apresentarem transtorno de conduta ou aspectos perversos de repetir", alerta Rocha.
Foi justamente isso que Angela teve em mente quando identificou que foi vítima de alienação parental. Ela tinha se tornado mãe e precisou resgatar e organizar essas memórias para seguir em frente, inclusive superando o relacionamento com o pai, que nunca mais foi o mesmo.
Minha filha fica aflita se já vê briga e eu entendo hoje que pai e mãe são figuras principais na vida da criança. Ver essa imagem desbarrancar é muito duro. Eu não tinha culpa do casamento dos meus pais não ter dado certo, assim como eles tinham o direito de não ter dado certo também. Os pais podem ter problemas, mas não entrar na mente dos filhos, colocando feridas que são deles. Angela
Quando a alienação parental é identificada ainda na infância, é ideal que a família passe por um processo de mediação para entender o que está acontecendo. A criança pode fazer terapia e os pais também, inclusive em modelo familiar. Contudo, se a situação é mais complexa, com resistência do genitor em reconhecer os abusos, ele pode até mesmo ser afastado do convívio com o filho.
"Neste caso, é feita avaliação com todos os envolvidos. Vamos ouvir todo mundo, fazer sessões com a mãe, pai e a criança sozinha para entender quais as divergências no processo, porque isso abala a convivência e a saúde mental dos pequenos", descreve a psicóloga e perita criminal Deise Gomes.
*Nome alterado a pedido da fonte
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