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Inspiração pra fazer da atividade física um hábito


Família crossfiteira: Ana começou a treinar e inspirou todos, até avó de 76

Ana Miziara (à esquerda) começou a fazer CrossFit aos 15 anos. Depois, os pais e a irmã aderiram à modalidade - Arquivo pessoal
Ana Miziara (à esquerda) começou a fazer CrossFit aos 15 anos. Depois, os pais e a irmã aderiram à modalidade Imagem: Arquivo pessoal

Do VivaBem, em São Paulo

18/08/2022 04h00

"CrossFit não machuca, o que mata é o sedentarismo." A frase está em um vídeo publicado pela estudante Ana Miziara, 18, nas redes sociais. Com mais de 1,7 milhão de visualizações apenas no TikTok, o post (veja mais abaixo) mostra toda a família treinando —e as performances impressionam.

A mãe, aos 50 anos, faz levantamento terra com 120 kg; o pai está com 51 anos e levanta 117 kg no supino; e a irmã de 13 dá várias piruetas. Mas a grande surpresa, como é possível ver nos comentários do vídeo, é a avó, de 76 anos, que faz barra fixa.

Em entrevista ao VivaBem, Ana contou que o objetivo era mostrar que praticar CrossFit é possível, independentemente da idade. "Eu queria que pudessem ver os benefícios da atividade e como ela atingiu a minha família", conta.

Isso porque a jovem sempre é questionada sobre como seus pais, médicos ortopedistas, a deixam praticar o esporte —que tem fama de causar muitas lesões. Quem pergunta, obviamente, não sabe que todos da casa são "crossfiteiros". Mas o temor de se machucar, em um primeiro momento, realmente fez a família hesitar em iniciar os treinos.

"Minha mãe, Ildélia, trabalha principalmente com atletas. Ela é especializada em ombro e operou uma coach de crossfit. As duas criaram uma amizade e a treinadora disse para a minha mãe fazer uma aula, só que eu fui no lugar", lembra.

Foi amor à primeira vista, como Ana gosta de falar. No segundo ano do ensino médio e se preparando para o vestibular de medicina, a jovem decidiu que incluiria o CrossFit a qualquer custo no dia a dia, mesmo se tivesse que deixar outras atividades físicas de lado —ela já fazia parkour e aula de acrobacia em tecidos.

"Com o tempo, a minha mãe foi vendo os benefícios, porque me fez um bem-estar emocional gigantesco, minha autoestima melhorou muito, as decisões eram mais fáceis e até na escola tive melhora por conta da parte cognitiva do exercício", afirma.

Não demorou para que a mãe se rendesse e, depois, o pai, Luiz Fernando. "Ele era mais receoso, porque já tinha atendido bastante gente com lesão, mas foi conhecer o espaço, viu que tinha instrução, os profissionais sabiam o que estavam falando, não era um risco para a saúde."

Vovó crossfiteira

Zélia Marta - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Zélia Marta, 76, ao lado do personal
Imagem: Arquivo pessoal

Por fim, foi a vez da avó Zélia Marta, 76, se apaixonar pelo método. Ela fazia pilates, mas parou no início da pandemia. Em março de 2022, decidiu que era hora de retomar alguma atividade.

"Minha estava com a cabeça ruinzinha por conta do isolamento, minha tia a levou para a academia, porque falou que nos via tanto fazendo CrossFit e queria também", diz Ana.

Os treinos de Zélia são individuais, com o auxílio de um especialista durante toda a prática. Em alguns meses, ela já conseguiu realizar exercícios que via as filhas fazendo e admirava, como barra fixa e levantamentos de peso.

"Faço duas vezes na semana. Maravilhoso. Alegria e motivação para novos objetivos, e o corpo agradecendo e ajudando nas conquistas diárias", diz Zélia. "Agradeço a Deus por esta família maravilhosa que sabe cuidar da saúde. Costumo até dizer que fui eu quem pegou a genética."

Para todas as idades?

O CrossFit visa trabalhar todas as capacidades físicas do corpo humano. Isso permite que os praticantes desenvolvam funcionalidades como força, flexibilidade, agilidade, potência e coordenação, explorando o desempenho motor como um todo.

"Na musculação, geralmente você vai para a academia e faz algo localizado. O grande diferencial do CrossFit é reunir muitas variáveis em um treino. Toda a sequência em um dia só. Mas isso torna o treinamento extremo", diz André Guimarães, profissional de educação física do Huol-UFRN (Hospital Universitário Onofre Lopes da Universidade Federal do Rio Grande do Norte), vinculado à Ebserh (Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares).

Mas qualquer um pode fazer CrossFit? A resposta é sim. Se a pessoa gostar do método —o que é importante para a adesão a qualquer esporte—, não há restrição de idade, segundo Guimarães.

Como em todo tipo de treinamento, é necessário acompanhamento de um profissional de educação física e que os exercícios sejam organizados para o perfil do praticante, evitando esforços excessivos. "A grande ideia é modular as variáveis de acordo com faixa etária e intensidade do ritmo de treinamento, do iniciante até o avançado", explica.

Atenção aos exames físicos

Antes de começar os treinos, é essencial passar por uma avaliação médica, sobretudo para mapear a saúde cardiovascular. "Toda atividade física só deve ser iniciada após a análise cardiológica, principalmente o CrossFit, que demanda um esforço maior", alerta a cardiologista Rica Buchler, do Instituto Dante Pazzanese, em São Paulo.

A avaliação costuma ser via teste ergométrico, que detecta cardiopatias que podem surgir conforme a idade —como arritmias genéticas—, e o ecocardiograma, para analisar se existem alterações morfológicas no coração.

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Intensidade do exercício é sinal de atenção para a saúde cardiovascular
Imagem: iStock

A orientação é repetir os exames ao menos uma vez ao ano, ou quando mudar de modalidade de exercício.

De acordo com Buchler, o corpo dá alertas quando algo está errado durante a prática e isso é um lembrete para consultar o médico e entender o que acontece. "O mais comum e interpretado como se não fosse nada é a sensação de 'cair a pressão', que pode ser arritmia ou baixo fluxo de sangue no cérebro", diz a cardiologista. Também pode acontecer da pulsação não retomar o ritmo padrão alguns minutos após interromper a atividade física e até mesmo desmaios.

Foco e união da família

Os pais mudaram os hábitos quando Ana era criança: melhoraram a alimentação e começaram a fazer atividades físicas. Isso nunca foi imposto a ela, mas a adolescente sentiu necessidade de ajustar a rotina quando entrou no ensino médio.

"Minha infância foi um pouco complicada na escola, porque eu tinha sobrepeso e isso impossibilitava várias coisas. Meu emocional era abalado. No colegial, quis mudar. Queria praticar uma atividade, ter foco. Comecei a comer melhor e a me exercitar —e viciei. Adoro a sensação que o esporte me dá", afirma.

O gosto cresceu ainda mais quando ela conheceu o CrossFit. À época, prestando vestibular de medicina, Ana aumentou o número de treinos semanais às vésperas da prova, com receio de não conseguir dormir por ansiedade. Ouviu de algumas pessoas que deveria, na verdade, intensificar os estudos e não as atividades secundárias. Mas ela ignorou os 'conselhos' e conseguiu fazer a prova com calma, "como se estivesse indo ao shopping". Aos 15 anos, passou pela primeira vez em medicina, na segunda chamada de uma faculdade particular do interior paulista.

Além de treinar o corpo, o exercício virou um apoio para sua saúde mental. "Eu tinha muita dificuldade em manter o foco e o CrossFit foi uma forma de colocar isso na minha vida", garante.

"Quando você faz esporte, tudo o que você quer é terminar aquele movimento. Acho que, até de uma forma inconsciente, você aplica essa técnica de determinação e de foco na sua vida cotidiana, seja na parte emocional, seja nos estudos.

Os benefícios que a atividade física traz para a mente não são uma novidade. No treino, há liberação de neurotransmissores, substâncias que realizam a comunicação entre os neurônios. Entre elas estão a dopamina e a serotonina, que promovem a sensação de bem-estar, melhoram o humor e ajudam a diminuir o estresse. Por isso, pesquisas apontam que o exercício é um fator protetor contra a depressão e ansiedade, por exemplo — e a atividade física pode, inclusive, reduzir os sintomas das condições.

"Estudos mostram que há aumento da criatividade e concentração a partir do movimento humano", comenta Fábio Dominski, professor da Udesc (Universidade do Estado de Santa Catarina). "Você não pensa mais em nada por estar focado no treino. Sem dúvida, é bastante positivo e libera neurotransmissores, que podem melhorar o dia da pessoa durante e após a atividade."

Ana - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Imagem: Arquivo pessoal

Com todos praticando na família, CrossFit virou um momento de união entre Ana, os pais e a irmã, Maria Fernanda, 13, que prefere a parte de ginástica da modalidade.

Ana mora em outra cidade para cursar a faculdade, que começou neste ano. Mas costuma treinar junto dos pais e da irmã quando está na casa da família. "Minha irmã não gosta muito de fazer exercício durante o fim de semana, mas sempre que é possível tentamos e eu acho que une bastante a família."

Esse sentimento de união em torno de uma atividade física feita em grupo tem nome: afiliação. Por ser uma prática coletiva, o CrossFit tem potencial de socialização, o que pode facilitar a adesão às aulas. O sentimento é um forte motivador, porque incentiva a pessoa a acreditar que consegue concluir os exercícios, explica Dominski, também doutor em ciências do movimento humano pela Udesc.