Ex-tetraplégico: doença que causa tumores o paralisou, mas ele se recuperou
Para Paulo Cavalcante, consultor de tecnologia e inovação em Fortaleza, andar tornou-se muito mais do que apenas um ato corriqueiro. Paciente de neurofibromatose, uma doença genética rara que causa tumores relacionados aos nervos, ele teve a vida drasticamente alterada pelos efeitos da síndrome, que gradativamente evoluiu a ponto de tirar o movimento de seus braços e pernas.
O consultor começou a sentir os efeitos da neurofibromatose aos 19 anos, quando foi ao médico ao perceber um inchaço doloroso em seu pescoço que pressionava a carótida. Foi durante esse episódio que Paulo descobriu que sofria de uma doença rara, após o raio-X mostrar um tumor de 15 centímetros que pesava cerca de 1 kg. Entretanto, o exame mostrou algo mais: diferentes massas tumorais pelo seu corpo.
O resultado acendeu um alerta na equipe médica, que chegou ao diagnóstico de NF1 (neurofibromatose tipo 1). O que se seguiu foi uma série de cirurgias de alto risco para a remoção dos tumores, até que, após quase 10 anos da primeira operação, Paulo notou uma grande fraqueza muscular durante um treino na academia. A partir desse ponto, a deterioração de sua mobilidade aconteceu rapidamente, e as muletas e cadeira de roda as quais recorria não conseguiam mais ajudar.
"O pior de tudo é se ver perdendo o controle da própria vida. Não ser mais capaz de coisas que antes eram simples, como dirigir ou ir ao banheiro sozinho. É extremamente difícil se tornar dependente de outras pessoas e abrir mão da sua privacidade", conta Paulo.
Porém, as limitações sofridas pelo consultor técnico não o impediram de buscar tratamentos alternativos que pudessem, ao menos, diminuir a gravidade do seu quadro. No caso dele, os tumores classificados como plexiformes (massas internas) estavam presentes no corpo da medula espinhal, próximo a separação entre o pescoço e o torso, e não poderiam ser operados devido à localização de altíssimo risco. O tratamento medicamentoso era a única alternativa viável.
Ele iniciou o tratamento com a droga selumetinibe, atualmente o único medicamento indicado para a doença no mundo, mas sem registro na Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) e ainda indisponível no Brasil, seja através do SUS (Sistema Único de Saúde) ou de farmácias particulares.
Para obtê-lo, Paulo contou com o auxílio de uma equipe de advogados voluntários, já que o custo do tratamento importado pode ultrapassar os R$ 100 mil mensais, de acordo com a Amanf (Associação Mineira de Apoio às Pessoas com Neurofibromatoses).
Hoje, pouco mais de dois anos após iniciar o tratamento, ele já recuperou grande parte dos movimentos nos membros superiores e, há cerca de cinco meses, conseguiu dar os primeiros passos sozinho: "É fantástica essa trajetória, agora dou valor a coisas que antes eram corriqueiras. Quando meus dedos reagiram ao tratamento e consegui mexer em meu celular novamente, foi libertador ter mais uma vez o controle de minhas mensagens e de minha conta no banco. Meu sonho era voltar a andar e, quando o dedão do meu pé se moveu, fiquei encarando-o por alguns minutos, entendendo que poderia recuperar muito mais", relata.
Com seu caso raro de complicações e recuperação, hoje ele se dedica a divulgar informações sobre a doença. Os frutos de seu trabalho já se refletem em diversas famílias que descobriram a enfermidade através de suas redes sociais.
Ele também participa na formulação de políticas públicas dentro da Câmara Legislativa de Fortaleza e estuda a construção de uma associação nacional para disseminar informação e apoio aos que têm neurofibromatose.
O que é a neurofibromatose?
As neurofibromatoses são doenças genéticas que se manifestam com sinais neurológicos e cutâneos e atingem cerca de 80 mil brasileiros. Ela é rara e ocasiona tumores, geralmente benignos, em regiões ligadas ao sistema nervoso.
Atualmente, é dividida em três tipos: a NF1 (neurofibromatose tipo 1), NF2 (neurofibromatose tipo 2) e a Schwannomatose, sendo a NF1 a mais comum.
Apesar de normalmente serem benignos, os tumores causados pela doença podem causar uma série de sintomas graves, dependendo do tamanho e da localização. No caso de Paulo, a presença dessas massas na base de sua medula espinhal impediram o funcionamento correto do sistema nervoso, ocasionando a paralisia mencionada.
Mesmo que o caso dele seja altamente incomum, os tumores muitas vezes são assintomáticos, fazendo com que a doença seja diagnosticada tardiamente, quando as complicações começam a aparecer.
Os primeiros sinais identificáveis de neurofibromatose são as "manchas café com leite" na pele, ou seja, marcas planas mais escuras que a cor da pele da pessoa. Também ocorrem sardas na axila e em regiões de dobra, além de nódulos de lisch (pequenos nódulos presentes na íris do olho).
A doença pode apresentar tumores 100% imperceptíveis a olho nu, como também possui variantes em que o volume das massas é perceptível na pele, causando desconforto físico e estético. O diagnóstico ainda é difícil pelo fato de ter poucos sintomas iniciais.
Para Victor Hugo Fonseca, oncologista do Hospital A.C. Camargo (SP), a falta de informações sobre a doença é um agravante importante e impede a rápida identificação tanto pelos pacientes quanto pela equipe médica, apesar de tratar-se da doença genética que mais predispõe ao câncer.
O melhor processo é se atentar aos sinais citados e buscar o encaminhamento com os médicos adequados. O diagnóstico final só pode ser obtido com o sequenciamento genético do paciente para averiguar se há mutação nos genes responsáveis.
Quais as causas e o tratamento
A doença é adquirida através da mutação dos genes NF1, mas apesar da herança genética ser um fator importante, aproximadamente 50% dos casos registrados ocorrem sem histórico familiar.
Atualmente, a neurofibromatose não tem cura, e seu tratamento deve ser o acompanhamento interdisciplinar entre especialidades médicas como neurologista, geneticista e oncologista, para identificar o andamento da doença e se há a necessidade da aplicação de medicamentos ou procedimentos cirúrgicos para remoção de nódulos perigosos.
O medicamento mais bem testado para a enfermidade é o selumetinibe, entretanto, o remédio de alto custo, além de indisponível na rede pública e privada brasileira, traz consigo fortes efeitos colaterais por agir de maneira similar a um tratamento quimioterápico, sendo necessário o acompanhamento médico constante com a realização de exames regulares.
Fontes: Victor Hugo Fonseca, médico oncologista e vice-líder do Centro de Tumores do Aparelho Digestivo Alto do Hospital A.C. Camargo (SP); Samir Magalhães, médico neurologista e chefe da Divisão Médica no Hospital Universitário Walter Cantídio (CE); e Luiz Oswaldo Carneiro, médico do esporte especialista em neurofibromatose, diretor do Centro de Referência em Neurofibromatose de Belo Horizonte e diretor médico da Amanf (Associação Mineira de Apoio às Pessoas com Neurofibromatoses).
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