Ela tratou a doença 'errada' por 25 anos até descobrir o que tinha
Aos 18 anos, quando ainda estava na faculdade, a aposentada Márcia Duarte começou a sentir dores nas costas e um incômodo no olho. Depois de inúmeras idas ao médico, ela recebeu o diagnóstico de esclerose múltipla.
Ela seguiu dessa forma por 25 anos, até ser diagnosticada com uma nova doença, que era conhecida como NMO (neuromielite óptica), e precisou mudar todo o tratamento que fazia por mais de duas décadas. Hoje, sofre com algumas sequelas da condição, mas tenta, aos poucos, levar uma vida normal. Abaixo, ela conta sua história.
"Quando tinha 18 anos e estava no segundo mês da faculdade, comecei a sentir dores nas costas. No dia seguinte, aquela mesma dor, parecia que estava 'comendo' essa região. No passado, não era igual é hoje e era bem difícil fazer exames de ressonância magnética e tomografia.
Em 15 dias, a dor só aumentava, comecei a perder o equilíbrio e o controle das pernas. De repente, meu olho esquerdo começou a ficar escuro e não enxergava mais nada. Fui a um oftamologista e ele disse que poderia ser coisa de adolescente. Depois, fui a outro especialista, ele me examinou e viu que estava com uma lesão e o nervo óptico estava sendo atacado.
No dia seguinte, o médico já pediu um raio-X dos seios da face e do dente. Quando cheguei de manhã, o neurologista disse que eu precisava fazer uma punção lombar para ter certeza que não estaria com uma inflamação na medula. Neste dia, já fiquei internada e tomei corticoide.
O neurologista disse que talvez fosse esclerose múltipla. Na época, não conhecia e só ouvia o que as pessoas me falavam. Eu tinha crises, mas tomava corticoide para tirar a dor.
O médico me falou que tudo era uma incerteza, que podia ter sequelas, mas por sorte a lesão no olho regrediu e minhas pernas voltaram ao normal depois de eu ficar três dias no hospital.
'Segui minha vida normalmente'
Depois que tive uma melhora, voltei para a faculdade de odontologia. Aos trancos e barrancos, surtos, dores na pernas e sensibilidade, consegui seguir no ensino superior.
Após alguns anos, conheci meu marido, casei e tomava um imunossupressor para evitar surtos. Além disso, também tinha que fazer exame de sangue de 15 em 15 dias e fui levando assim até os meus 28 anos.
Quando tinha um aborrecimento, algo que me deixasse muito nervosa, sempre tinha um surto na sequência.
Na época do pós-parto, estava com a minha filha recém-nascida e tive um surto que nem percebi. Senti algo no olho, uma dorzinha, e fiquei quase uma semana daquele jeito. Minha vista começou a 'nublar' e estava com dificuldade de enxergar.
Fui correndo ao neurologista e ele disse que não era ser nada. No outro dia, enxerguei menos ainda e comecei a tomar corticoide. Os sintomas pararam ali, mas ficou com aquela mancha cega, o foco do olho esquerdo foi prejudicado.
Como trabalhava como dentista, percebi que precisava de um emprego mais tranquilo e mudei de profissão. Fiz um concurso público para ser auditora fiscal e segui dessa forma até me aposentar.
Diagnóstico de nova doença
Quando eu já tinha 43 anos, nos anos 2000, me mandaram procurar uma médica que era muito boa na área. Depois de alguns exames e consultas, ela disse que talvez eu não tivesse esclerose múltipla e, sim, neuromielite óptica, também conhecida pela sigla NMO.
Naquele ano, ele me convidou para participar de um estudo até com médicos de fora do Brasil. Quando, de fato, descobriram que eu tinha essa condição, viram que estava usando substâncias que não podia e que não eram boas para mim.
Comecei a entender melhor a doença, pois na década de 1970, ano em que fui diagnosticada, ainda não se falava muito sobre isso e os sintomas se confundiam com a esclerose múltipla.
Desenvolvimento da condição
Mesmo diante de todos os sintomas, tentava não me abater. Quando tomava remédio, tinha inchaço, ficava um pouco incomodada com a minha aparência, mas nada tão grave.
Quando a minha filha nasceu, ficava preocupada, pois tinha uma filha recém-nascida, precisava evitar as dores e tomar todos os cuidados para não pegar nenhuma infecção.
Fiz terapia para entender o problema e faço até hoje. Era complicado ter uma dor sempre, aqui e ali, mas fui ficando mais atenta. Percebi que meus sintomas pioraram aos 42 anos, depois, aos 50 e 60 anos, os sinais começaram a ficar mais fortes e me limitaram ainda mais.
Não foi da noite para o dia, foi bem gradativo e 'caí' bem. Tinha um pouco de incontinência urinária e coloquei botox dentro da bexiga para não ter que usar mais fralda para dormir.
Atualmente, percebo que tenho mais dificuldade de equilíbrio e, às vezes, utilizo minha cadeirinha motorizada, mas não uso mais fralda.
Estou aposentada, tento passar meu tempo e é assim que tenho levado. Dá medo do futuro, mas estou me adaptando. Vou reformar a minha casa para melhorar a locomoção e mudar totalmente o banheiro. Graças a Deus, tenho um marido que me apoia, que está comigo há 38 anos e uma família linda."
O que é neuromielite óptica e como se confunde com a esclerose múltipla
A NMO (neuromielite óptica) é uma doença inflamatória e autoimune na qual são produzidos anticorpos contra uma estrutura chamada aquaporina 4, que são canais de água, sendo o sistema nervoso central o principal tipo.
Embora seja comum confundir esclerose múltipla e neuromielite, devido aos sintomas semelhantes, essas condições sempre foram diferentes. No passado, acreditava-se que a neuromielite fosse um subtipo de esclerose, que acometia os nervos e a medula.
Porém, a principal diferença é que na doença inflamatória, algumas proteínas destroem outras que fazem o transporte de água do sistema nervoso central, o que não ocorre na esclerose múltipla. Esta última também é considerada uma doença desmielinizante, em que a bainha de mielina, responsável pela proteção de células nervosas, é danificada. Dessa forma, causa danos na coordenação e paralisias.
Outra diferença é que a esclerose múltipla se manifesta em surtos, mas pode evoluir para um quadro progressivo. Já na neuromielite, os sintomas acontecem em surtos e jamais em progressão.
Os sintomas mais comuns da NMO são quadro de visão dupla e borramento, dor no olho, fraqueza, tontura, dificuldade de equilíbrio, urina solta e presa e formigamento. Embora sejam sinais muito parecidos com o da esclerose múltipla, na NMO ocorre um sintoma bem característico que é ter quadros de vômito e soluços sem causa aparente. Pode, ainda, deixar a pessoa paraplégica.
O diagnóstico precoce e com um neurologista especializado é a melhor maneira para seguir com um tratamento adequado e estabilizar os sintomas. Geralmente, segundo os médicos ouvidos por VivaBem, não são todos os especialistas que conseguem diferenciar as duas doenças e, assim como ocorreu com Márcia, a NMO pode ser tratada como esclerose múltipla. O uso errado de medicamentos pode prejudicar o quadro do paciente.
Para tratar a doença, é necessário usar doses de corticoide na veia e, quando o paciente não responde a esse remédio, pode ser necessário terapias de resgate chamada plasmaferese, que é parecida com uma hemodiálise e retira todos os componentes inflamatórios do organismo.
Fontes: Leonardo Valente, médico neurologista e professor do curso de medicina da PUC-PR (Pontifícia Universidade Católica do Paraná); e Jefferson Becker, neurologista e presidente do Comitê Brasileiro de Tratamento e Pesquisa em Esclerose Múltipla.
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