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Saúde

Sintomas, prevenção e tratamentos para uma vida melhor


Língua bifurcada, chifres, olhos tatuados: há riscos nestas modificações?

Michel Praddo, o Diabão, e sua mulher Carol Praddo, conhecida como Mulher-demônia - Carla Carniel/Reuters
Michel Praddo, o Diabão, e sua mulher Carol Praddo, conhecida como Mulher-demônia Imagem: Carla Carniel/Reuters

Marcelo Testoni

Colaboração para VivaBem

24/08/2022 04h00

Diabão, Homem-lagarto, Caveira, Mulher-demônia, esses são alguns dos apelidos de quem se submeteu a modificações corporais extremas e ganhou notoriedade por isso. Para os não adeptos, tais modificações são vistas como uma forma de agressão ao corpo, despertando reações variadas (medo, susto, repulsa), mas para quem as tem são formas de expressão, como de amor e admiração por arte, mitologia, personagens da ficção e animais predadores.

Mas, e quanto aos riscos de procedimentos que, de longe, não se comparam aos de uma ida ao salão ou à clínica de estética, como pigmentar olhos, bifurcar a língua, afiar os dentes, aplicar implantes subcutâneos de peças que se assemelham a chifres, dentre outras excentricidades?

Os médicos afirmam: são grandes, esperados, embora imprevisíveis, e podem ser irreparáveis.

Olhos pintados e nariz mutilado

Michel Praddo, o Diabão - Carla Carniel/Reuters - Carla Carniel/Reuters
Michel Praddo, o Diabão, pintou os olhos de preto
Imagem: Carla Carniel/Reuters

Nos Estados Unidos, o método de escurecer o "branco dos olhos" é conhecido por "eyeball tattoo" e consiste em injetar tinta preta no globo ocular, entre a camada conjuntiva e a esclera. Um procedimento perigoso, irreversível e desaconselhado pela SBO (Sociedade Brasileira de Oftalmologia).

Além da dor intensa após a aplicação e que faz o cliente chorar por dias lágrimas pretas, o procedimento pode causar inflamação interna e levar à perda de visão.

Segundo quem faz esse tipo de arte, ela não envolve perfuração e como leva até duas horas para ser concluída, o paciente recebe antes um colírio anestésico. Depois, se o resultado não agradar, o único jeito de reverter é aplicar novamente tinta dali a algum tempo. Porém, branco demora para cobrir preto, então pode ser que fique cinza ou sejam necessárias várias aplicações.

Se a ideia é parecer uma perfeita caveira, há quem complemente com uma mutilação de nariz. Com o órgão arrancado, sobram apenas as narinas expostas rente ao crânio, o que eleva as chances de algumas complicações bem sérias. Entre elas: infecções nasais e pulmonares (uma vez que sem nariz não há filtragem de impurezas, microrganismos e aquecimento do ar que entra nos pulmões), faringites, acúmulo de secreções, necrose e contaminação por insetos.

Dentes lixados e língua bipartida

Erik Sprague - Martin Bureau/AFP - Martin Bureau/AFP
Erik Sprague transformou-se no Homem-lagarto após ter tatuado seu corpo com escamas em tom de verde, serrado seus dentes e operado sua língua (agora bífida)
Imagem: Martin Bureau/AFP

Já ouviu falar nos nomes de Dennis Avner e Erik Sprague, artistas performáticos americanos que ficaram famosos internacionalmente como, em ordem, Homem-tigre e Homem-lagarto?

Pois bem, o primeiro, para ficar parecido com um felino, tatuou o rosto todo com listras, modificou o formato dos olhos e lábios e desgastou os dentes para que ficassem afiados como presas. Já o segundo, fora ter copiado os dentes de Avner, ainda cortou a língua, para parecer de réptil.

Humanos em nada têm os dentes parecidos com os de um tigre, com exceção dos caninos, que são bem menores. Querer que toda a dentição fique afiada é pedir para ferir a boca o tempo todo e ter problemas de mastigação, deglutição e digestão (pois os alimentos acabam não triturados da maneira adequada), nos músculos, ossos, nervos (dores crônicas e deformidades) e dentição. A perda do esmalte prejudica resistência e proteção do dente, que amolece e cai.

Agora, bissecção lingual é sinônimo de fala, respiração e deglutição modificadas, alteração em paladar, dentes, gengiva, nervos e, caso o corte seja malfeito ou não cicatrize e tenha sido feito com objeto não esterilizado, de infecções que podem causar dor, sangramentos e mau cheiro. Reverter a divisão é possível, mas para a língua fechar demora e é bastante sofrível.

Chifres e calombos pelo corpo

Michel Praddo, o Diabão, cortou um dedo como parte de suas modificações corporais - Carla Carniel/Reuters - Carla Carniel/Reuters
Michel Praddo, o Diabão, cortou um dedo como parte de suas modificações corporais
Imagem: Carla Carniel/Reuters

Para ficar com aparência de carnotauro, um dinossauro carnívoro com chifres de touro, ou de alguma outra criatura espinhenta intimidadora, há aqueles que recorrem também a implantes subcutâneos, objetos que podem ser feitos de silicone, osso, metal e sob a pele formam um alto-relevo. Existem versões que ainda ficam com uma parte dentro e outra por fora da pele.

Para os especialistas, escolhas igualmente perigosas. O motivo? Argumentam que colocados superficialmente, ou entre gordura e músculo ou osso, podem desencadear inflamações e granulomas —calombos que surgem para defender o organismo de um agente prejudicial, que ele não consegue eliminar de outra maneira, formando uma fibrose que o recobre e sai somente com cirurgia.

Se o implante for feito em local insalubre, tem mais risco de infecção.

A verdade: pense muito bem antes de partir para qualquer uma dessas modificações corporais extremas, se assim for de sua vontade. O número de arrependidos nos consultórios é grande.

Como a reportagem citou, há processos que podem ser desfeitos, mas outros não, sobretudo os que envolvem amputações e tatuagens em áreas muito complexas ou pelo corpo inteiro.

Fontes: David Barros, cirurgião dentista pela EBMSP (Escola Bahiana de Medicina e Saúde Pública), em Salvador; Edson Rodrigues de Paula Neto, cirurgião dentista, diretor da Clínica All Smiles e membro da APCD (Associação Paulista de Cirurgiões Dentistas); Wendell Uguetto, cirurgião plástico do Hospital Israelita Albert Einstein (SP); e Leonardo Marculino, oftalmologista do Hospital Cema (SP).