Ele perdeu os pais há 15 anos e ainda dói: 'Tempo não ajudou a superar'
Eras após eras e o tempo, em pleno século 21, continua a ser receitado como um remédio milagroso contra as dores, sobretudo as emocionais. Morte de entes queridos, término de relacionamentos, demissões, seria ele capaz de curar, ou atenuar, os dolorosos sintomas de tudo isso? Para o aposentado Dirceu Santos, 65, que assim foi prescrito, a resposta é não.
Em 2007, Santos enfrentou um divórcio, meses depois a morte de sua mãe e, na sequência, de seu pai. "Foi um tsunami, imprevisto e com várias ondas. Fiquei péssimo no durante e no depois, disseram que o tempo me ajudaria a superar o que vivi, mas até hoje estou à espera, sobretudo no que diz respeito ao vazio da ausência dos meus pais", afirma.
De lá para cá, já se passaram 15 anos e o aposentado, que vive em São Paulo, se emociona fácil ao relembrar o assunto. Diz que superou uma depressão grave, voltou ao seu peso de antes, pois havia perdido quase 30 quilos, e encontrou um novo amor. Porém, em suas palavras, "por empenho próprio e paciência de muitos". Sobre o tempo, "apenas sinônimo de recordações".
Tempo cura ou é ladainha?
De acordo com especialistas consultados por VivaBem, o tempo tem, sim, serventia para a saúde psicoemocional, mas não como prega e acredita o senso comum, apoiado em uma visão simplista. Ele não cura nada, mas pode ser útil para alguém que está em uma situação difícil, ajudando-a a elaborar o que sente e conseguir encarar suas limitações e realidade e, se preciso, buscar alguma ajuda.
"Às vezes, a pessoa não está preparada para resolver tal problema ou dor naquele momento, fragilizada, daí a importância do tempo, que serve como um distanciamento, para depois se voltar ao ponto em que se parou", explica Gabriela Luxo, psicóloga, psicopedagoga, mestre e doutora em distúrbios do desenvolvimento pela Universidade Presbiteriana Mackenzie (SP).
Como novos acontecimentos vão aparecendo, o que se viveu de doloroso tende a ficar para trás. Mas, para tirar proveito, por assim dizer, da ação do tempo, é necessário que o sujeito em sofrimento não foque demasiadamente no passado e se deixe levar. Se perdeu um emprego do qual gostava, por exemplo, é melhor tentar seguir em frente procurando por outro melhor ou se abrir para oportunidades, fazendo cursos ou estudando.
Tudo tem prazo, mas é variável
No que compete à morte de pessoas muito próximas e amadas, o tempo ou distanciamento para esse tipo de dor, em geral, necessita ser maior do que para outros términos de ciclos. Não é possível calcular com exatidão quanto tempo leva, mas, em média, fala-se de três meses a um, dois anos. Entretanto, pode levar muito mais, a depender de como se deu a partida, se foi abrupta, precoce demais.
"O luto tem várias fases, é muito individual, e o cérebro, atemporal. Então dores, traumas podem durar de semanas a meses, ou até décadas. Se a pessoa estiver com dificuldades em outras esferas, é preciso receber suporte logo de início, para esse processo não se arrastar ainda mais", informa Leide Batista, psicóloga pela Faculdade Castro Alves, em Salvador (BA).
Dirceu acredita que demorou para superar os baques em série por falta de compreensão própria e de amigos e familiares da necessidade de receber amparo profissional: "Eu estava atordoado, meus filhos eram adolescentes e os demais parentes não sabiam como lidar. Só fui saber o que era psicoterapia depois de algum tempo. Até então buscava acolhida em igrejas".
Sem tratamento, demora só piora
Passar por avaliação de um psiquiatra e fazer acompanhamento com psicólogo é fundamental para se fortalecer, cicatrizar as feridas emocionais e se abrir para o novo, pois a vida continua. Do contrário, o fundo do poço só se aprofunda, reconhece Dirceu, admitindo ainda ter muito para se conhecer e contornar, mas já satisfeito com sua evolução, para quem não via futuro.
"Deixar na conta do tempo não dá. Marcas de 10, 30, 50 anos, se não tratadas, continuam a doer e podem se expandir ainda mais. O que era um quadro de ansiedade, por exemplo, pode virar um transtorno de síndrome do pânico", reforça Lucy Carvalhar, psicóloga e especialista em terapia cognitivo-comportamental pela FMU (Faculdades Metropolitanas Unidas), de São Paulo.
Por isso, ela recomenda a quem convive com alguém que esteja passando por uma fase difícil atenção e apoio, principalmente se reconhecer sintomas como apatia e falta de vontade para sair da cama, se arrumar, trabalhar e encontrar pessoas. Encorajar o outro a buscar ajuda e virar a página se faz com trato, escuta e sem minimizar sentimentos, cobranças e julgamentos.
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