'Peguei um voo e sumi': por que queremos desaparecer em situações difíceis
Em 2013, o hoje bartender Antônio Oliveira, 44, estava esgotado da rotina que levava em São Paulo (SP). Se no escritório passava quase o dia inteiro em reunião, sentado em frente ao computador, ou resolvendo problemas, em casa os vizinhos não lhe davam sossego. "Vivia estressado e com o desejo latente de desaparecer de tudo e de todos", diz.
Outra que nutria algo parecido é Amanda Müller, 52, de Porto Alegre (RS). Em 2017, ela precisou se mudar do apartamento em que morava devido a uma partilha familiar e recebeu o convite para passar um tempo na casa de sua tia e primas. "Aceitei por consideração, mas não deu certo e após um mês deixei minhas coisas em um guarda-móveis, peguei um voo e sumi", conta.
Embora não tenham combinado e não se conheçam, Amanda e Antônio tomaram a mesma decisão repentina. Deixaram tudo para trás e caíram no mundo. Segundo ele, foi o melhor que poderia ter feito, pois arranjou um novo emprego e começou uma nova vida, em outro país. Para ela, viajar a fez refletir, descansar, ver belas paisagens, mas não mudou sua realidade.
Desvendando o desejo de sumir
Todo mundo, em algum momento, já pensou ou pensará em querer "sumir do mapa". Esse desejo, explicam os especialistas em saúde mental, nada mais é do que querer fugir de alguma situação que não se espera ou não se sabe lidar e que geralmente depende de nós para não sair do controle e nos afetar, em diferentes áreas. Algo que demanda ação e pode gerar temor.
"Esse medo estimula tensão, ansiedade, gera constantemente pensamentos negativos e, não raro, conduz a escolhas impensadas, visando apenas o fim imediato do sofrimento", explica Leide Batista, psicóloga pela Faculdade Castro Alves e com passagem pelo Hospital da Cidade, em Salvador (BA). Porém, já parou para pensar que o desejo de sumir pode ser o de nós mesmos?
Batista continua que desafios fazem parte da vida, mas há quem prefira não ter que enfrentá-los para não enfrentar a si mesmo, isto é, as próprias dificuldades, como lidar com pessoas e responsabilidades, mudanças, dores. Mas não cabe falar de certo ou errado nem julgar. Se alguém largou tudo para trás e deu certo é porque também se esforçou e soube se adaptar.
Pode revelar tendência perigosa?
Amanda conta que quando mais jovem teve depressão, era muito impulsiva e que se tratou. Mas quando se viu diante do que descreve como "desventuras em série", foi como se tudo o que havia superado tivesse voltado. "Comecei a ter até ideias atormentadoras, sobre tirar minha própria vida. Não que eu quisesse, mas gastava horas imaginando como seria isso."
Esse tipo de pensamento, explica Eduardo Perin, psiquiatra pela Unifesp (Universidade Federal de São Paulo), pode ser considerado um desdobramento grave da vontade de desaparecer. "A idealização suicida pode começar com um 'seria melhor eu sumir', depois 'morrer', 'mas como morrer?'. Se a pessoa não consegue ir embora, então pode tentar partir para o próprio fim."
Mas não é sempre, acrescenta o médico. Há pessoas que só queiram começar uma nova vida, no sentido mais amplo do que isso possa significar (profissional, conjugal, familiar), mas não apresentem essa tendência perigosa. Está mais suscetível quem já tentou se suicidar antes, sofre de transtornos mentais. Mas, em qualquer desespero, não espere piorar, procure ajuda.
Pense em tirar férias e se tratar
Antes de deixar o emprego, parte da família e amigos e se mudar do Brasil, Antônio diz que tirou férias, o que lhe ajudou a refletir sobre o futuro. Wimer Bottura, psiquiatra e membro da ABP (Associação Brasileira de Psiquiatria), considera uma boa medida, assim como tirar um ano sabático (de afastamento), para quem pode, a fim de se evitar um esgotamento mental.
Mas não adianta férias, morar na praia, tomar medicação a vida inteira, se não aprender a lidar com o próprio jeito de ser, reforça o psiquiatra: "Quem fala em sumir também pode ter um perfil perfeccionista, exigente, que absorve tudo para si e se agrava diante de mais demandas, sofrendo com burnout. Requer psicoterapia para aprender a dizer mais 'nãos' aos outros", diz.
Foi o que Amanda fez após passar dois meses fora, no Canadá. Voltou a fazer acompanhamento médico e psicológico, para lidar com os próprios temores, como o de desagradar aos outros, e descobriu no caminho um hipotireoidismo. Segundo os entrevistados, distúrbios hormonais também merecem investigação, pois podem desregular humor e diversas funções cerebrais, disparando e acentuando depressões, frustrações, absorção de cobranças e o desejo de sumir.
Procure ajuda
Caso você tenha pensamentos suicidas, procure ajuda especializada como o CVV (www.cvv.org.br) e os Caps (Centros de Atenção Psicossocial) da sua cidade. O CVV funciona 24 horas por dia (inclusive aos feriados) pelo telefone 188, e também atende por e-mail, chat e pessoalmente. São mais de 120 postos de atendimento em todo o Brasil.
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