Ela tinha desmaios, colocou marca-passo aos 29 e, após os 40, fez triatlo
A enfermeira Cinthya Andrade, 47, sofria com desmaios e mal-estar desde criança. Durante muito tempo, tentou investigar o que tinha, mas chegou a ouvir de médicos que podia ser "coisa de adolescente". Quando já estava formada e atuando na área de arritmia cardíaca, chegou a passar mal no centro cirúrgico e descobriu que tinha duas síndromes no coração. Por causa disso, precisou colocar marca-passo e mudar hábitos de vida.
Para sua surpresa, mesmo tendo o dispositivo, começou a se exercitar, correr e deixou a vida sedentária de lado. Abaixo, ela conta sua história e faz um alerta para o diagnóstico precoce de doenças do coração.
"A doença cardíaca começou a se manifestar quando eu tinha 12 anos. Houve dias em que os sintomas eram mais fortes e em outros dias eram menos. Ficava muito tonta e, às vezes, passava mal durante as aulas de educação física.
Em dias de muito calor, tinha desmaios, cólica intensa e dor menstrual. Meus pais me levaram a vários cardiologistas, mas nunca tive um diagnóstico preciso.
Chegaram a dizer que eu não tinha nada e queria chamar atenção. Até eu começava a duvidar que sofria com algo. Pensei que podia ser coisa da minha cabeça.
Lembro que nas aulas de educação física, eu desmaiava, e como o médico não fazia nada, o próprio professor me afastava.
Eu me recordo que não passava mal na natação, comecei a fazer algumas atividades e fui levando assim por alguns anos. Comecei a aprender a conviver com a minha doença 'sem nome' e lembro que quando chegava em um lugar quente, ficava me abanando e se começasse a sentir fraqueza, sabia que era uma pré-síncope.
Comecei a criar meu manual de sobrevivência para não ficar desmaiando na rua, já que sempre que estava calor, eu passava muito mal.
'Descobri o que tinha porque desmaiei no trabalho'
Eu me formei em enfermagem e me especializei em arritmias, por ironia do destino. Mesmo tendo conhecimento de alguns dos sintomas e convivido com alguns pacientes, nunca soube o que tinha de fato.
Até que, durante uma cirurgia em que estava presente, desmaiei enquanto trabalhava. Aquilo chamou a atenção do arritmiologista que estava atuando na hora. Ele pediu exames, mas não acusaram nada. Lembro que o eletrocardiograma nunca pegava o traço do batimento cardíaco.
Tive que implantar um monitor cardíaco por seis meses e ele detectou uma pausa de sete segundos no batimento do meu coração: tinha um ritmo acelerado e depois uma queda.
Esse dispositivo ficava implantado no tórax do paciente, como se fosse um holter, e registrava os batimentos. Foi então que fui diagnosticada com síndrome neuromediada e síndrome taquibradi, aos 29 anos. Depois disso, em menos de 20 dias, comecei a fazer tratamento e o médico disse que precisaria colocar um marca-passo.
A função dele é fazer o coração bater, quando não responde de forma natural. Depois desse implante e também como trabalhava na área, comecei a ouvir relatos de muitos pacientes que tinham o dispositivo e diziam que ficavam limitados a fazer atividades do dia a dia. Ouvi também de algumas pessoas da minha família que não podia carregar peso e muito menos varrer uma casa.
Tinha o conhecimento técnico-científico, mas as crenças limitantes me deixavam levar por isso. Algumas pessoas falavam: 'Pobre coitada dessa menina'. Você começa a ter vários questionamentos e fui me deixando abater cada dia mais.
'Corridas me fizeram mudar de vida'
Por causa de todos esses pensamentos ruins e que as pessoas me deixavam para baixo, parei de fazer atividade física e fui me deixando levar pelo vitimismo. Na época em que implantei o marco-passo estava com uns 60 quilos, porém, uns quatro, cinco anos depois, atingi 90 quilos.
Tinha má alimentação, vida sedentária e fui me descuidando. Também havia diminuído muito minha qualidade de vida.
Em 2018, após o convite de um amigo, lembro que estava fazendo 44 anos, e ele lançou a ideia de juntar um grupo e começar a correr todo domingo de manhã. Lembro que caímos na gargalhada e ele falou para eu ir caminhando e que não precisava 'correr, correr'.
Gostei da ideia e, logicamente, falei com o meu médico e ele disse: 'Claro que você pode fazer atividades físicas'. Ele ainda disse que não tinha motivo para não fazer.
Dessa forma, me deu mais segurança e comecei um processo de reeducação alimentar, iniciei a musculação e comecei a fazer caminhadas.
O projeto engrenou, comecei a participar de corridas, caminhadas e via outras pessoas com alguns problemas fazendo acontecer na pista.
Reprogramei meu cérebro e comecei a perceber que podia mostrar que quem tem marca-passo não se torna um inválido.
No início, fui aos poucos. Começamos com 3 km, 5 km e 10 km. Lembro que passei a fazer em duas horas e meia um circuito de 5 km. Hoje, faço 5 km em 35 minutos. Depois de um tempo, o grupo de amigos que corria esfriou e segui sozinha mesmo.
Tinha cuidado com a frequência do meu batimento cardíaco e fui me adaptando. Foi então que me tornei meia maratonista: consegui percorrer 21 km.
Eu me preparei para fazer até triatlo e me tornei uma triatleta. Na categoria olímpica, nadei 1,5 km, pedalei 40 km e corri 10 km. Lembro que a prova iniciou às 5:30 e terminou às 11:30.
Hoje, tenho uma rotina de treino duas vezes na semana, faço academia para fortalecimento muscular e, aos finais de semana, pratico corrida.
Também invisto em reeducação alimentar, realizo acompanhamento com uma nutricionista e controlo meu batimento cardíaco. Se percebo que minha frequência está muito elevada, tento diminuir o ritmo.
O que me incentiva são distâncias maiores e quando corri 21 km em três horas e 10 minutos, ali foi o primeiro lugar para mim. Cada trote ou corrida foi importante e quando atingia mais um quilômetro, vencia minha mente.
Agora, pretendo chegar a uma maratona, se for possível, e fazer corridas com obstáculos.
O que mais aprendi durante todo esse processo foi não ouvir e ligar para opinião dos outros. A gente tem que aprender a filtrar muito o que ouve. O melhor é não dar ouvidos para o que as pessoas falam. Também não se vitimizar é importante, pois obstáculos você vai encontrar."
O que são as síndromes neuromediada e taquibradi?
A síndrome neuromediada ou vasovagal são respostas cardiovasculares comandadas pelo sistema nervoso autônomo.
O problema pode causar queda de pressão, diminuição da frequência cardíaca, suor, visão turva e desmaios. Isso ocorre, principalmente, porque parte do sangue do corpo fica nas pernas quando estamos em posição em pé e ocorre um reflexo que reduz a pressão. A condição pode ser dividida em três tipos:
- Vasopressora: quando está só relacionada à pressão
- Cardioinibitória: relacionada à frequência cardíaca
- Mista: que tem envolvimento com os dois sistemas
A condição está relacionada com adultos jovens e é mais comum no gênero feminino. Do ponto de vista comportamental, sabe-se que está relacionado com pessoas que tomam pouca água. O diagnóstico é difícil, já que é necessário dispositivos que monitoram a atividade cardiovascular.
Já a síndrome de taquibradi ocorre quando a parte do coração responsável pelo impulso elétrico está muito lenta ou deficiente, abrindo espaço para outras arritmias tomarem controle do organismo.
A colocação do marco-passo em pacientes é um tratamento de exceção. Geralmente, são pessoas que receberam o diagnóstico tardiamente e, por isso, precisam da técnica. Muitas vezes, mudanças comportamentais conseguem melhorar o quadro e, quase sempre, tratamentos preventivos podem ajudar a reverter uma crise ou sintomas das síndromes.
Mesmo com o dispositivo, os especialistas afirmam que é possível ter uma vida normal, praticar exercícios e outras atividades. As limitações ocorrem mais em exames de ressonância magnética e outros que envolvem a parte elétrica.
Fontes: Carlos Duarte, cardiologista da BP - A Beneficência Portuguesa de São Paulo e especialista em estimulação cardíaca; e Bruna Valdigem, cardiologista do Instituto Dante Pazzanese (SP) e da Rede D'Or.
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