Devo treinar 'até a falha' para ganhar músculos? Quantas repetições fazer?
O filme "Pumping Iron" (1977) mostra como Arnold Schwarzenegger, então com 30 anos, venceria pela quinta vez consecutiva o Mr. Olympia, maior competição de fisiculturismo do mundo. Em uma das cenas do documentário, Arnold afirma que treinar "até a falha" é essencial para ganhar músculos.
"Atravessar a barreira da dor faz com que os músculos cresçam (...). São as últimas três ou quatro repetições que fazem os músculos crescerem", diz o ator.
Arnold é, até hoje, referência para muitas pessoas que treinam nas academias em busca de músculos fortes e definidos. A metodologia adotada pelo austríaco seguiu sendo usada por décadas —e foi aperfeiçoada com a evolução da ciência e das técnicas de treinamento.
Uma revisão de artigos feita pelo Laboratório de Adaptações Neuromusculares ao Treinamento Resistido do Departamento de Educação Física da UFScar (Universidade Federal de São Carlos), em São Paulo, avaliou até que ponto é essencial treinar até a falha muscular —ou seja, fazer repetições de um exercício até não ter forças para executar mais nenhum movimento.
O artigo sugere que, para pessoas destreinadas, treinar em alta intensidade até a falha não é necessário. Mas, em indivíduos treinados, as evidências mostram que há maior ganho de força muscular após o treinamento resistido de alta intensidade realizado até a falha muscular, em comparação com nenhuma falha.
Segundo Júlio Benvenutti Bueno de Camargo, especialista em ciências do treinamento de força pela UFScar, os dados disponíveis até o momento mostram que a execução das séries até o ponto de falha muscular parece não fornecer benefício adicional nos ganhos de força e hipertrofia.
"Ainda não se sabe ao certo o quão próximo da falha devem ser executadas as séries e se seu uso é (ou não) dependente de outras variáveis, como a intensidade (peso levantado) e o volume (número de repetições e séries). Portanto, futuros estudos analisando as respostas adaptativas frente ao uso da falha muscular podem ajudar no maior entendimento acerca do tema", conclui.
Treinar até a falha é útil, mas não essencial
Ainda que a "falha" não precise ser usada para ganhos hipertróficos, ela é parte de uma referência importante para o treinamento. Na prática da musculação, há o conceito de 1 RM (uma repetição máxima), que seria o máximo de peso que alguém consegue levantar em determinado exercício ao fazer apenas uma repetição correta.
"Sabe-se que estímulos entre 70% e 90% da 1 RM podem ser interessantes para a adaptação hipertrófica", explica Gustavo Zorzi, mestre em ciências do movimento humano e membro do Grupo Avançado em Pesquisa em Performance Humana da Unimep (Universidade Metodista de Piracicaba), em São Paulo.
Vamos a um exemplo prático. Digamos que ao fazer uma única repetição no supino você consiga levantar 100 kg. Então, nos treinos, você usaria de 70% a 90% dessa carga —ou seja, treinaria com 70 kg a 90 kg, dependendo do número de repetições proposto na série.
"O problema desse método é que, à medida que a pessoa evolui (ou deixa de treinar), esses números mudam, razão pela qual a zona de repetições (8 a 12, por exemplo) pode ser mais aplicável no dia a dia", diz Zorzi.
É comum que, em um plano inicial de treino, haja uma sequência de exercícios elaborada pelo profissional da educação física com o número de repetições pré-determinado. Nesse esquema, quem treina deve ficar dentro dessa zona de repetições, sendo de 8 a 12 a mais usada.
Na prática, se você completar o número máximo de repetições dentro da faixa proposta (12) e sentir que ainda conseguiria fazer ao menos mais um movimento, está na hora de aumentar o peso.
Nesses casos, o treino não é baseado na falha muscular, mas, sim, na contagem de repetições estabelecida. "Estudos já mostram que tanto exercícios de alta intensidade (poucas repetições e peso elevado) quanto de baixa intensidade (muitas repetições e pouco peso) conseguem promover hipertrofia muscular semelhante", diz Marco Uchida, professor da Faculdade de Educação Física da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas), em São Paulo.
Sobretudo para iniciantes, estabelecer um número de repetições, ainda que elas fiquem distante da zona de falha, traz bons resultados de ganho muscular. "Trabalhos demonstram que fazer exercícios com 30% da carga máxima promove aumento da massa muscular semelhante a treinar com 80% da carga máxima, desde que com o mesmo volume total de exercícios", diz Uchida.
Porém, isso vale apenas para a hipertrofia muscular. Quando o assunto é ganho de força, as técnicas são diferentes. "Estudos apontam que, quanto maior a intensidade, mais expressivo é o ganho de força."
Ou seja, voltando ao nosso exemplo do supino, a pessoa que fizer 3 séries de 10 repetições com 60 kg pode ter hipertrofia semelhante a de quem fizer 5 séries de 6 repetições com 80 kg. Porém, o indivíduo que treinou com mais carga vai ganhar mais força.
Hipertrofia, força e resistência
Em resumo, para quem busca aumentar os músculos, o número de repetições em cada série é menos importante do que o volume total do treino. Já para quem busca ganhar força, a combinação de altas cargas com baixas repetições é mais interessante.
"Ambos os protocolos podem trazer ganhos substanciais de força máxima e resistência. Entretanto, levando-se em consideração a especificidade do estímulo aplicado, as maiores magnitudes de ganhos de força parecem realmente ser resultantes do uso de pesos mais elevados (o que leva, consequentemente, a um menor número de repetições), especialmente devido a adaptações de caráter neural", diz Júlio Benvenutti Bueno de Camargo.
Da mesma forma, protocolos com maior número de repetições (e menor peso) induzem a maiores ganhos de resistência muscular, resultantes de uma capacidade aumentada de tolerar a fadiga. "É válido ressaltar, porém, que indivíduos com restrições quanto ao uso de cargas elevadas podem ainda apresentar incrementos na força mesmo com pesos reduzidos, desde que as séries sejam realizadas até o ponto de fadiga (falha muscular)", completa Camargo.
Quantas repetições fazer para cada objetivo na musculação?
As tradicionais zonas de treinamento mais usadas indicam que, aproximadamente, a quantidade de repetições para cada objetivo seria:
- De 2 a 6 repetições para ganho de força;
- De 8 a 12 repetições para hipertrofia;
- Mais de 16 repetições para resistência.
Vale ressaltar que, quanto mais repetições, menor tende ser a carga usada no exercício. E que esses números são apenas referências gerais. Além das repetições, outras variáveis são importantes para os resultados, como a qualidade na execução dos movimentos, os tipos de exercícios escolhidos, o tempo de descanso entre os movimentos, os formatos de séries (drop-sets, bi-sets, tri-sets), o volume de treino semanal etc.
E levantar o peso devagar, é melhor?
É comum algumas pessoas fazerem as repetições de forma bem lenta —método chamado de "super slow"—e falarem que isso ajuda na hipertrofia. "Mas, algumas pesquisas e testes do início dos anos 2000, com pessoas que demoravam 10 segundos em cada repetição (5 na fase concêntrica e 5 na fase na excêntrica), por exemplo, não mostraram que o super slow é mais eficiente", complementa Marcos Uchida.
O especialista destaca que, no geral, não há um método superior a outro: todos são interessantes para incorporar na rotina de treinamento. Ao mudar como você faz os exercícios, há um ganho de motivação (por causa do novo desafio), além de variar os estímulos, evitando que o corpo se adapte aos exercícios e pare de evoluir.
"No fim, são muitas variáveis e o principal aspecto para ter resultados é a frequência de treino, ao menos duas vezes por semana. E não adianta fazer mil tipos de treino se não há bom descanso, alimentação etc.", reforça Uchida.
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