'Tive febre e falta de ar. Suspeitaram de covid, mas era doença do morcego'
No começo da pandemia, lá em 2020, a enfermeira Manuela Rios, 43, passou por um momento angustiante. Em abril, ela começou a sentir diversos sintomas muito parecidos aos da covid-19: estava com dor no corpo e tinha febre. Além disso, trabalhava em um hospital, onde vários colegas adoeciam dia após dia —um cenário frequente neste período.
Com isso, Manuela, moradora do Rio de Janeiro, resolveu fazer um teste de coronavírus, que deu negativo. Só que como ela fez com apenas 2 dias de sintomas, pensou que o exame não tinha detectado o vírus. "Mas fiquei tratando como se fosse covid, com medicamentos para dor e febre", lembra a enfermeira.
Uma amiga dela, que é médica, sugeriu incluir alguns antibióticos pela insistência dos sintomas e sem melhoras no quadro, já pensando que poderia ser uma outra infecção. "Mas eu não melhorava. Só piorava, mesmo tratando 15 dias em casa", conta.
Quando passaram-se mais 10 dias, ela piorou e procurou a emergência do hospital, onde fizeram uma tomografia e exame de sangue, o que mostrou que, de fato, não era covid. Na verdade, foi detectada uma pneumonia.
"Os médicos disseram para tomar antibiótico em casa, mas, após dois dias, tive uma piora importante, com falta de ar, inclusive. Por isso, fui internada", diz. Com mais exames, além da análise clínica dos médicos, eles disseram que Manuela apresentava um quadro de uma infecção fúngica, sem especificar a doença em si.
E os especialistas estavam certos —um exame confirmaria a até então hipótese depois de 15 dias de internação. O diagnóstico era de histoplasmose, também conhecida por "doença do morcego" ou "doença das cavernas".
Os dois nomes fazem sentido, já que a infecção é transmitida pelas fezes de morcegos e aves, a partir do contato com solo contaminado, além de frutas ou árvores com partículas do fungo (Histoplasma capsulatum). A porta de entrada da doença é pelas vias respiratórias, se alojando no pulmão e, depois, podendo se espalhar para outras partes do corpo.
Na grande maioria dos casos, a pessoa entra em contato com o fungo, mas o sistema imunológico, a defesa do corpo, "dá conta" do agente. Mas para quem tem a imunidade já comprometida, o resultado pode ser diferente —caso de Manuela, que tem uma doença autoimune chamada espondilite anquilosante.
"Trabalhadores rurais, que são muito expostos a grandes quantidades do fungo, e pessoas com algum grau de imunodeficiência, têm mais risco de desenvolver a doença", explica Mariana Quiroga, infectologista da Pró-Saúde e coordenadora do serviço de controle de infecção hospitalar do Hospital Regional do Baixo Amazonas, em Santarém (PA).
De acordo com ela, tudo vai depender do tempo de exposição ao fungo e a quantidade inalada. Pessoas que trabalham dentro de cavernas, que criam pássaros e outras aves, sobretudo em áreas rurais, também entram nesse grupo de maior risco.
Fiquei 15 dias internada, com risco de ser intubada, esperando para ver se piorava ou não. Tive altos e baixos, mas ainda bem que não precisou. A observação dos médicos é que o caso não evoluiu assim porque sou atleta. Foi o que me salvou. Manuela Rios
Doença tem sintomas respiratórios e é confundida com tuberculose
Além da covid, que estava em alta na época, a histoplasmose costuma ser confundida com tuberculose, segundo as médicas consultadas por VivaBem, principalmente pelos sintomas das duas doenças, que são muito parecidos.
Na forma aguda, a doença manifesta-se com sintomas respiratórios, simulando uma pneumonia, que causa tosse seca, febre, fraqueza e falta de ar, de acordo com Lisandra Serra Damasceno, infectologista e docente do CH-UFC (Complexo Hospitalar da Universidade Federal do Ceará), da rede Ebserh.
"Quando a doença se dissemina, saindo do pulmão e indo para o sangue, se alojando em outros órgãos, como fígado, baço e medula óssea, a pessoa tem uma infecção mais grave. Os sintomas são febre prolongada, calafrio, aumento do baço e fígado, aumento de linfonodos, perda de peso e mais comprometimento da imunidade. E tudo isso se confunde mesmo com tuberculose", explica a médica.
O problema é que para fechar o diagnóstico, os exames podem demorar para sair —exatamente o que ocorreu com Manuela. "A confirmação da histoplasmose só veio quando eu tive alta", conta.
O pior período foi quando ninguém sabia o que eu tinha. Depois que iniciaram o tratamento correto, com antifúngico, eu realmente fiquei melhor e mais tranquila. Mas até descobrir, foi angustiante. Manuela Rios
Como é o diagnóstico da doença? E o tratamento?
Tudo depende da fase da doença. Mas de uma forma geral, os médicos podem realizar exames laboratoriais, tanto pelo sangue ou pela secreção respiratória. A confirmação diagnóstica é feita por meio do isolamento do fungo —o que pode demorar cerca de 4 semanas.
Por isso que, mesmo antes do diagnóstico fechado, os médicos já suspeitaram que poderia ser uma infecção por fungo e, na sequência, começaram a tratar Manuela com antifúngicos. O tratamento com medicamento pode ser feito de forma intravenosa ou via oral. Aliás, quanto antes melhor, pois, caso não tratada, a histoplasmose pode matar rapidamente.
Manuela, por exemplo, fez o tratamento enquanto estava internada e, depois, continuou a tomar os comprimidos durante 6 meses. Em alguns casos, esse período pode chegar a 1 ano.
"É importante ressaltar que, realizando o tratamento correto, a pessoa chega na cura", diz Quiroga. "Apesar de confundir com tuberculose e covid, é preciso lembrar que esse tipo de doença é frequente em áreas rurais. Por isso, é importante questionar os pacientes, principalmente aqueles que têm como hábito visitar cavernas ou vivem nessas regiões, para iniciar a investigação e levantar hipótese", reforça a infectologista do Hospital Regional do Baixo Amazonas.
Aprendizados do esporte ajudaram no período da internação
Mesmo antes da internação, Manuela já tinha sido orientada a ficar em casa por causa da doença autoimune, mas tudo aconteceu rapidamente. Depois de recuperada, ela ficou de licença do trabalho por 6 meses. Na época, era um momento de maior distanciamento social.
Antes disso, ela já pensava sobre qualidade de vida, trabalho, saúde mental, principalmente entre os profissionais de saúde. Após se aprofundar nesse processo de autorreflexão, escreveu o livro "A Saúde Está Doente" (editora Palavras dos Céus). Nele, ela conta sobre o método que criou por meio de quatro pilares (saúde, educação financeira, tempo e autoconhecimento).
Algo que também ajudou muito na recuperação da enfermeira foi o esporte. Manuela corre há mais de 10 anos e, recentemente, resolveu passar por mais um desafio: completar a meia prova do Ironman, que inclui 1,9 km de natação, 90 km de ciclismo e 21,1 km de corrida.
"A gente sofre, mas foi ótimo, uma superação. Sempre é. Essas provas de distância, obviamente que se você não treinar, você não faz, mas é muito mais de controle mental e conseguir administrar todos os imprevistos",
A enfermeira tem certeza que todo esse aprendizado com o esporte foi fundamental para o período em que ficou internada, sem saber ao certo o que tinha, e longe da família, já que Manuela é de Maceió (AL). "Foi o que realmente mais me segurou. Eu que tranquilizava as pessoas ao meu redor", diz.
Doença é endêmica
De acordo com o Ministério da Saúde, a histoplasmose é uma micose sistêmica endêmica de ampla distribuição mundial, com casos nos Estados Unidos, Argentina, Venezuela, Equador, Paraguai, Uruguai e Colômbia.
No Brasil, há microepidemias da doença, segundo a pasta, em grupos de pessoas infectadas em locais contaminados, como grutas habitadas por morcegos, galinheiros e pombais. Os locais com maior concentração estão nas regiões Sudeste e Centro-Oeste, como Rio de Janeiro, São Paulo, Mato Grosso e Goiás.
"Nesses locais há um número alto de infecções, principalmente da forma mais grave, a disseminada", explica a médica da Universidade Federal do Ceará.
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