Depressão também ocorre durante gravidez: 'Sentia culpa por estar triste'
No início de 2022, a publicitária e influenciadora digital Joanna Moura, 37, foi invadida por um sentimento de tristeza sem motivo aparente e não tinha ânimo para fazer nada. "Me sentia vazia por dentro e chorava bastante", lembra. A princípio, a brasileira que vive em Londres pensou que os sintomas fossem uma consequência direta da falta de sol no inverno britânico, ou das notícias que andava lendo nos jornais. Um mês depois, descobriu que estava grávida.
Apesar da alegria que acompanhou a descoberta da chegada de seu segundo filho —ela já é mãe de uma menina de 3 anos—, o desânimo não desapareceu nem deu trégua nas semanas seguintes. "Os hormônios da gravidez devem estar por trás do caos emocional", pensou. Até que uma amiga sua, que também estava grávida, compartilhou nas redes sociais uma reportagem sobre um tema até então desconhecido para ela: depressão perinatal.
"Eu nunca tinha ouvido essa expressão, mas assim que li a matéria, percebi que era isso que eu estava sentindo", recorda. "Eu já estava começando a me sentir melhor, mas dar um nome ao que tinha vivido no começo da gestação me ajudou muito", conta Joanna. Quando finalmente entendeu a tristeza incomum com a qual convivia há três meses, a influenciadora digital também decidiu compartilhar sua experiência no Instagram, onde acumula mais de 100 mil seguidores.
De mãos dadas com a letargia, veio a culpa. Como assim eu não estava feliz? Como assim eu não estava aproveitando cada minuto para glorificar esse momento mágico? Como eu podia me sentir vazia enquanto carregava alguém dentro de mim?
A depressão perinatal recebe esse nome porque acontece durante o período gestacional e pode se estender meses após o parto —alguns estudos também se referem ao transtorno como depressão antenatal ou materna.
Embora o problema seja mais discutido atualmente do que há alguns anos, alguns tabus e a falta de conscientização acerca da condição, até mesmo entre médicos, ainda prejudicam o diagnóstico da doença.
"É comum no consultório encontrarmos pessoas que têm receio, vergonha ou até medo de ir ao psiquiatra. Num cenário em que esse indivíduo está grávido e que a sociedade associa com um período de grande felicidade, estar deprimido pode só causar maior distanciamento desse consultório e até maior sensação de culpa, o que agravaria a intensidade da depressão", avalia Tiago Casto e Couto, psiquiatra da UFU (Universidade Federal de Uberlândia), que estudou a depressão antenatal em seu mestrado e doutorado na UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais).
Joanna Moura conta que nunca havia tido depressão. "Por isso mesmo, me custou entender o que eu estava sentindo", diz ela. A publicitária conta que foi difícil buscar ajuda e que, de certa forma, sentia que precisava "esconder o que estava sentindo".
"Me sentia culpada por não estar vivendo aquela plenitude toda. Também dificultou o fato de estar passando por tudo aquilo bem no início da gravidez, quando ainda não tinha compartilhado a notícia com muitas pessoas."
Quais são os indícios de depressão perinatal
Transtornos psiquiátricos geralmente são decorrentes de fatores genéticos e ambientais. Durante a gestação, no entanto, as alterações físicas, hormonais, psíquicas e sociais pelas quais a grávida passa também podem impactar sua saúde mental.
Por isso, é considerado normal ter "altos e baixos" durante o período gestacional. Mas é importante prestar atenção e procurar ajuda se alguns sintomas de depressão forem persistentes, tais como:
- Humor deprimido a maior parte do dia e quase todos os dias;
- Perda de interesse no trabalho ou em outras atividades que antes traziam prazer;
- Dormir mais do que o normal ou ter problemas de sono;
- Alterações de apetite;
- Fadiga excessiva;
- Baixa adesão ao pré-natal;
- Ansiedade excessiva sobre o bebê ou sentimento de inadequação em relação à maternidade;
- Pensamentos de morte ou suicídio.
Segundo Couto, as medidas iniciais para o tratamento da depressão materna são atividade física, psicoterapia, sono adequado e alimentação saudável. Casos moderados a graves podem necessitar de psicofármacos, em sua maioria antidepressivos, que podem ser usados desde que prescritos pelo médico, uma vez que alguns deles podem não ter perfil favorável na gestação e/ou amamentação.
'Pré-natal psicológico': saúde mental das grávidas deve ser alvo de consultas
"Estima-se que por volta de 25% das mulheres no período gestacional vão desenvolver depressão no Brasil, um índice considerado superior ao de países como Estados Unidos e na Europa", afirma Daniel Fatori, psicólogo e doutor em psiquiatria pelo IPq-USP (Instituto de Psiquiatria da Universidade de São Paulo) e um dos responsáveis pelo aplicativo 'Motherly', desenvolvido para indicar intervenções e incentivar a busca por ajuda profissional às mulheres grávidas ou no pós-parto que estejam com sinais da doença.
No Brasil, assim como em outros países em desenvolvimento, explica Fatori, características como a baixa escolaridade e o baixo poder aquisitivo aumentam o risco de uma mulher desenvolver o transtorno durante a gravidez. Outros fatores de risco incluem ter sofrido violência física, psicológica ou sexual, ou ter tido uma infância traumática.
Algumas pessoas têm depressão pela primeira vez na vida durante a gestação —como Joanna Moura— ou após o parto. Segundo Fatori, no entanto, grande parte das mulheres que são diagnosticadas com a doença nesse período já tinham histórico de algum transtorno mental.
Esse foi o caso da criadora de conteúdo Karen Gonçalves, de 21 anos. Ela, que nunca se imaginou sendo mãe, levou um susto ao engravidar aos 19, pouco depois de ter perdido o emprego por causa da pandemia. Sem consultar um profissional de saúde, a moradora de Guarulhos (SP) conta que decidiu interromper o uso dos medicamentos que tomava desde os 18 anos para tratar a depressão e a insônia, assim que descobriu que estava grávida, por medo de prejudicar a saúde do feto.
Logo após a atitude, que é contraindicada por médicos, a jovem percebeu que os sintomas do transtorno se intensificaram. "Além dos pesadelos, era difícil pegar no sono e, quando conseguia, dormia no máximo 4 horas seguidas. Mesmo animada para organizar as coisas da bebê, eu não me sentia feliz com aquela gestação, não me enxergava sendo mãe e percebi que não sentia aquele amor pela barriga como tantas outras grávidas relatam", conta.
Karen afirma que foi olhada com repulsa pela família quando comunicou a gravidez e não recebeu o apoio do pai da criança durante a maior parte da gestação, fatores que considera ter prejudicado significativamente sua saúde mental durante o período. "Todo dia, eu chorava muito quando me olhava no espelho."
A obstetra que lhe acompanhou nos primeiros meses da gestação, contudo, não parecia estar preocupada com a forma com a qual ela se sentia. "Ela foi atenciosa, mas não perguntou muito sobre meu acompanhamento com os outros profissionais. Ainda mais quando os resultados dos exames e ultrassom mostraram que a bebê estava se desenvolvendo muito bem. Foi como se ela me dissesse 'minha parte eu fiz, seu bebê está bem. O resto é com você'", diz.
Segundo Lívia Medeiros, psicóloga residente em saúde da mulher do HC-UFPE (Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Pernambuco), é recorrente entre as mulheres grávidas a sensação de que o pré-natal realizado no país geralmente foca em problemas "mais físicos" —como hipertensão e controle do diabetes— e deixa de lado questões emocionais vivenciadas durante o período. No entanto, analisa Medeiros, todos esses fatores devem ser levados em conta para reduzir os riscos à saúde da mãe e do bebê.
"É muito importante que a mulher tenha acesso ao que chamamos de 'pré-natal psicológico', para que ela possa falar sobre como está lidando com as transformações da gestação, quais são suas expectativas, medos, angústias, o que ela espera do parto e da amamentação, e até sobre o planejamento familiar", enfatiza.
Toda mulher que passa por um pré-natal deveria, em algum momento, ser questionada acerca de como está sua saúde mental, se ela está mais deprimida ou ansiosa, por exemplo. Isso é fundamental, porque a única forma de oferecer o tratamento é fazendo o diagnóstico. Daniel Fatori, psicólogo
No Brasil, um estudo publicado em março de 2021 e elaborado por três pesquisadores do departamento de medicina preventiva da Faculdade de Medicina da USP mostrou que 71% das mulheres consideradas deprimidas durante a gravidez não haviam recebido diagnóstico, ainda que tivessem passado por consulta nos 30 dias anteriores.
Transtorno é fator de risco para depressão pós-parto
A depressão na gravidez é considerada o principal fator de risco para a depressão pós-parto. Estima-se que metade das mulheres que desenvolvem essa condição após o nascimento do bebê já estava deprimida na gestação. Por isso, a recomendação dos médicos é que o acompanhamento psicoterápico após uma experiência de depressão na gravidez se mantenha durante o período pós-parto.
Joanna ainda não deu à luz ao segundo filho, mas está na reta final da gestação. No Reino Unido, diz ela, sua saúde mental sempre foi alvo de atenção durante as consultas de pré-natal. "Mas demorou para que eu entendesse o que estava acontecendo, achava que estava só mais triste por conta de fatores externos, então eu sempre respondia que estava tudo bem". Ela afirma que os sintomas de depressão foram desaparecendo a partir do quarto mês de gestação.
"Sigo atenta para o que vai vir por aí, especialmente durante o puerpério [fase pós-parto], para que eu possa buscar ajuda e acompanhamento quando necessário", diz.
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