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Cuidar da mente para uma vida mais harmônica


'Às vezes, fico em estado vegetativo': como ajudar uma pessoa com depressão

O profissional de relações públicas Gabriel Augusto Cordeiro Silva, 25 - Arquivo pessoal
O profissional de relações públicas Gabriel Augusto Cordeiro Silva, 25 Imagem: Arquivo pessoal

Do VivaBem, em São Paulo

16/09/2022 04h00

O profissional de relações públicas Gabriel Augusto Cordeiro Silva, de 25 anos, nunca se considerou uma pessoa que deixa de cumprir as próprias obrigações por preguiça ou falta de interesse. Mesmo assim, quando notou que estava deixando de assumir suas responsabilidades para ficar deitado na cama, chegou a cogitar que estivesse sendo desleixado.

"Tinha momentos em que eu ficava muito para baixo, não conseguia tomar banho, comer ou fazer as coisas que devia ou gostava", diz ele. Não demorou muito tempo até perceber que o comportamento, na verdade, não era descaso de sua parte. "Você começa achando que é preguiça, mas qual é a preguiça que iria te impedir de comer ou te fazer passar fome o dia inteiro, como aconteceu comigo? Pensei 'isso é muito grave para ser só preguiça' e fui buscar ajuda", relembra.

Entre 2017 e 2018, o carioca foi diagnosticado com depressão e síndrome de borderline —transtorno de personalidade em que há um padrão de instabilidade nas relações sociais, alta impulsividade e rápida alternância de emoções.

Gabriel se refere aos seus episódios depressivos mais agudos como "momentos de vale": é quando falta ânimo para sair do quarto e realizar tarefas diárias, por exemplo. O apoio da família e dos amigos, diz ele, é fundamental para lidar com os sintomas. O comunicador enfatiza, no entanto, que não seria capaz de enfrentar os problemas sem o tratamento psiquiátrico aliado à psicoterapia.

"Eu procuro meus amigos para desabafar, mas o tratamento é com psicólogo e com psiquiatra. Acho importante lembrar que nossos amigos não são profissionais, eles não estão nos tratando. Depressão não é uma coisa que se resolve numa conversa com amigos", afirma.

O primeiro passo para ajudar alguém é entender a doença

Se você acha que conhece alguém com depressão, entender que a condição é uma doença, e não um sentimento, é o primeiro passo para acolher a pessoa, diz Marcelo Pio de Almeida Flack, coordenador do grupo de estudos em qualidade de vida e depressão da UFRGS (Universidade Federal do Rio Grande do Sul).

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Gabriel foi diagnosticado com depressão e síndrome de borderline
Imagem: Arquivo pessoal

Isso porque, afirma o psiquiatra, uma pessoa que desconhece o transtorno pode acabar reproduzindo estereótipos que associam a doença a uma tristeza passageira ou até à "frescura" do indivíduo. "A ignorância em torno da depressão acaba sendo a primeira grande barreira para a possibilidade de ajuda", alerta Flack.

Há variáveis biológicas, neuroquímicas, ambientais, genéticas e emocionais por trás do transtorno. Também existem diversos tipos de depressão e suas manifestações clínicas podem variar, mas alguns sinais merecem atenção. Fique atento se alguém próximo de você tiver:

  • Falta de energia recorrente;
  • Ganho ou perda de peso sem relação com dieta;
  • Falta de interesse em atividades que antes eram prazerosas;
  • Alterações no sono;
  • Sentimentos de tristeza;
  • Ideias suicidas.

"Todos nós podemos ficar levemente tristes ou muito tristes por causa de adversidades na vida, mas a diferença em relação ao indivíduo com depressão é que conseguimos reagir e sair do estado de tristeza. Já quem tem a doença não possui a mesma capacidade de modular seu estado afetivo e sair do estado de tristeza", explica Ricardo Alberto Moreno, coordenador do Programa de Transtornos Afetivos do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da FMUSP (Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo).

O tratamento depende do diagnóstico e da gravidade do quadro. Casos de depressão leve podem ser tratados sem remédios, por exemplo. Já nos quadros moderados e graves, fármacos geralmente são prescritos para a redução dos sintomas. "Em todos os cenários, a psicoterapia é essencial para que o paciente entenda os fatores que podem ter desencadeado o problema e aprenda a lidar melhor com a doença", enfatiza Ayde Câmara, psicóloga do hospital psiquiátrico Santa Mônica, em Itapecerica da Serra (SP).

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Variáveis biológicas, neuroquímicas, ambientais, genéticas e emocionais estão envolvidas na depressão
Imagem: iStock

Ofereça ajuda prática

O empreendedor Guilherme Gomes, 19, não teve uma adolescência fácil. Nascido em Manaus, ele passou a morar sozinho aos 17 anos. "Minha mãe nunca quis criar nenhum dos filhos e meu pai também foi embora de casa", diz ele, que atualmente vive na cidade de São Paulo. Na época, o jovem começou a fazer faxina na capital do Amazonas para conseguir se manter financeiramente.

Entre um atendimento e outro, encontrou casas onde o nível de bagunça chamou sua atenção. "Era uma desorganização muito além do normal, com pessoas que diziam não ter mais forças para escovar o cabelo ou tomar banho, inclusive. Algumas não tinham mais dinheiro para pagar o gás ou até o aluguel", relembra. O grande motivo por trás do caos, elas confessaram ao profissional da limpeza, era a depressão.

Ao perceber que a maioria também estava enfrentando dificuldades financeiras, Guilherme conta que decidiu fazer faxinas gratuitas nas casas de quem revelou sofrer com o transtorno. Uma mulher, surpresa com a iniciativa, incentivou o jovem a compartilhar a atitude nas redes sociais. A repercussão virtual foi tão grande que, em 2020, ele decidiu criar um projeto voluntário para oferecer ajuda a alguns casos. Nem todos os comentários públicos que recebeu no início, contudo, eram animadores.

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Guilherme Gomes, 19, faxina a casa de pessoas com depressão e outros transtornos mentais
Imagem: Arquivo pessoal

"Poucas pessoas davam credibilidade para isso e muitos diziam 'isso aí não é depressão, é imundície, a pessoa está com frescura'. Mas definitivamente não é", diz o influenciador, que hoje acumula mais de 1 milhão de seguidores na rede social TikTok, onde compartilha o antes e o depois das casas onde atua. "Muita gente não consegue nem pedir ajuda, então eu acho importante sempre dar valor quando um amigo estiver estranho, perguntar o que está acontecendo, visitar, ver o que a pessoa está precisando e não sumir da vida dela."

É comum ocorrer a perda da capacidade de realizar atividades cotidianas, a exemplo de arrumar a casa ou manter hábitos de higiene, nos episódios mais graves da depressão —como também já aconteceu com o profissional de relações públicas Gabriel.

Muitas vezes, eu recebi ajuda de muita gente que veio em casa arrumar as coisas ou fazer comida, porque às vezes fico quase em estado vegetativo. Isso faz a diferença. Gabriel Augusto Cordeiro Silva

Escute sem julgamentos e incentive busca por tratamento

Para Marcelo Veras, coordenador do programa de saúde mental e bem-estar da UFBA (Universidade Federal da Bahia), uma das coisas mais importantes a se fazer diante de um amigo ou familiar que tem depressão é ouvir. Tente se mostrar disponível e solidário à dor do outro.

Ouvir é completamente diferente de ficar dando conselhos do tipo 'isso não é nada, levante, vai fazer alguma coisa'. É claro que a pessoa estaria fazendo isso se conseguisse. Não é coaching nem ouvidoria. Eu prefiro chamar de 'orelhoria', ou seja, é você emprestar sua orelha e estar ali para escutar sem julgamento. Marcelo Veras, psiquiatra e psicanalista.

Se houver a suspeita de que o indivíduo está tendo pensamentos suicidas ou ele compartilhar isso com você, Veras afirma que é importante não encerrar a conversa de maneira casual. "Diga que vai entrar em contato com a pessoa amanhã ou dois dias depois, por exemplo. Você não pode se despedir dizendo 'tchau, um dia desses a gente se vê'", aconselha.

É fundamental incentivar a busca tanto por um psiquiatra quanto por um psicólogo e destacar que existe tratamento para a depressão. Enfatize o quanto essas intervenções podem aumentar significativamente a qualidade de vida. Gabriel, por exemplo, afirma que o tratamento o ajudou a não ter mais pensamentos suicidas. "Eu percebo melhoras e as pessoas ao meu redor também. É um processo em andamento", diz.

uma das coisas mais importante a se fazer se você acha que alguém que você conhece tem depressão é ouvir.  - Getty Images - Getty Images
Uma das coisas mais importante a se fazer se você acha que alguém que você conhece tem depressão é ouvi-la
Imagem: Getty Images

Crie ambiente acolhedor no mercado de trabalho

Gabriel guarda até hoje as palavras que escutou de sua primeira gestora no mercado de trabalho: "Me avisa quando o gato estiver subindo no telhado, porque se ele cair do telhado, já aconteceu, não tem mais o que fazer".

A metáfora era utilizada pela liderança para demonstrar que se preocupava com a saúde mental do funcionário —cenário que ele diz não ter encontrado em algumas experiências profissionais que vieram depois. "Eu já sofri muito no trabalho por conta disso e acho que as empresas ainda não sabem lidar com um funcionário depressivo, que não consegue levantar da cama nem para comer quiçá para ligar o computador para começar a trabalhar", afirma.

Para o psiquiatra Ricardo Moreno, da FMUSP, é essencial que o empregador conheça o funcionamento da doença, a fim de que seja capaz de acolher adequadamente os colaboradores. Acolher, segundo o especialista, não significa "dar tapinha nas costas". É necessário entender que, enquanto o indivíduo estiver com depressão, ele não vai ter o mesmo desempenho que tinha antes do transtorno. "É importante ter isso em mente e estimular a pessoa a procurar tratamento", diz.

Gabriel também considera importante criar um ambiente seguro para que os funcionários sintam confiança em compartilhar o diagnóstico com seus gestores, além de não associar períodos de queda de produtividade ao desinteresse ou à falta de profissionalismo quando, na verdade, eles estiverem relacionados à depressão.

Fontes: Ayde Câmara, psicóloga do hospital psiquiátrico Santa Mônica, em Itapecerica da Serra (SP); Marcelo Veras, coordenador do Programa de Saúde Mental e Bem Estar da UFBA (Universidade Federal da Bahia); Marcelo Pio de Almeida Flack, coordenador do grupo de estudos em qualidade de vida e depressão da UFRGS (Universidade Federal do Rio Grande do Sul); Ricardo Alberto Moreno, coordenador do Programa de Transtornos Afetivos do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da FMUSP (Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo).

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