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Equilíbrio

Cuidar da mente para uma vida mais harmônica


Brigas na família por causa de política? Dá para lidar sem cortar relações?

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Fernanda Beck

Colaboração para o VivaBem

17/09/2022 04h00

Há quem diga que não vale a pena brigar por política, mas essas discussões parecem ser inevitáveis, ainda mais com a proximidade das eleições. E o núcleo familiar pode ser um dos palcos principais dos confrontos.

A família do artista visual Anderson*, 53, sempre discutiu política, mas mesmo com um perfil religioso e conservador, as conversas acabavam em piada. Desde 2013, no entanto, o tom mudou. Seus familiares passaram a defender valores que não faziam sentido para ele, e a tensão aumentou.

Após inúmeras brigas, ele até tentou se reconciliar com alguns parentes, mas foi em vão. Então, por iniciativa própria, distanciou-se da família por completo. Apagou seus contatos, bloqueou nas redes sociais e deixou de frequentar eventos familiares. Nunca mais restabeleceu os laços familiares e hoje não vê como refazê-los.

A família é um lugar de vínculos significativos e um componente importante da saúde mental de seus integrantes. A diversidade e alteridade entre as pessoas de uma família, no entanto, são inevitáveis, e geralmente saudáveis.

Porém, nos tempos atuais e digitais, a tolerância à frustração diminuiu bruscamente, já que basta um clique para bloquear qualquer informação divergente da nossa. Assim, criamos uma bolha digital isolada, mas a vida real, presencial, não funciona desta maneira.

Os conflitos são importantes transformadores, necessários para colocar a vida social em movimento. Ouvir opiniões diferentes também é importante para nossa construção crítica. A questão é encontrar um equilíbrio, sem varrer os conflitos para baixo do tapete nem colocá-los no centro da mesa, e sim administrá-los das formas possíveis. Mas nem sempre isso é possível.

O historiador Guilherme*, 38, sempre foi uma pessoa politizada e em sintonia com os valores familiares, porém a polarização dos últimos anos levou a um afastamento de alguns tios e primos.

Após discussões acaloradas em reuniões familiares, ele saiu do grupo da família no WhatsApp, bloqueou e excluiu os membros mais radicais de suas redes sociais. Ainda troca farpas "virtuais" com alguns, mas reconhece que as brigas políticas têm um pano de fundo que vai além de questões ideológicas e envolvem outros aspectos da relação familiar.

Sempre que possível, o ideal é trabalhar o elo, o vínculo e o respeito. Quando isso não é uma opção, é preciso pensar em estratégias de proteção e resiliência, já que a individualidade de cada um precisa ser respeitada.

Para existir um diálogo saudável, é preciso que haja abertura para conseguir pensar sob outros pontos de vista. Se não há abertura, é desgastante se posicionar e manter o vínculo, como no caso de Anderson e Guilherme. Aí o distanciamento é necessário e saudável.

"Não discutir política" é uma opção?

No grupo de WhatsApp da família da socióloga Heloísa*, 65, está proibido falar de política. Taxada de radical pelos familiares, o posicionamento dela é muito claro e já rendeu discussões sérias, com alguns membros deixando o grupo. Mas atualmente o papo é mais ameno. "A decisão de não conversar mais sobre estes assuntos harmonizou o grupo", diz ela.

Entretanto, segundo os especialistas ouvidos por VivaBem, é em vão determinar que "não se discute política" ou não se fala de temas polêmicos. Mesmo evitando o tema da política partidária, a política faz parte da nossa vida, como nos organizamos, lidamos com nossa identidade e nossas relações.

Por isso, tem que existir um pacto de proteção, com respeito mútuo e administração do conflito, lidando com assuntos polêmicos sem romantiza-los nem os neutralizar.

Esse combinado pode ser feito ao vivo ou até por WhatsApp, mas precisa ficar definido o que a família tolera ou não tolera, quais são os limites e as regras, para que todos entendam como funciona o coletivo. Assim, fica possível argumentar com diretrizes claras.

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Até dá para tentar apaziguar as discussões, mas quando é desgastante se posicionar e manter o vínculo, melhor se afastar
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Quando as divergências políticas são dentro de casa

O ambiente social, eleitoral e histórico interfere na dinâmica familiar, e os conflitos familiares interferem na qualidade de vida e na saúde física e mental do indivíduo.

É bom que exista um pacto de convivência familiar que esteja claro para todos. O ideal é trabalhar esses conceitos desde a infância, ensinando o respeito mútuo e os limites em relação à forma de extravasar a agressividade. Assim, o indivíduo mantém seu ambiente de referência, mas preserva sua individualidade.

Conviver na mesma casa envolve um contato mais íntimo e presente, mas isso não significa brigas mais constantes. Muitas vezes, familiares que moram na mesma casa não expõem suas opiniões em nome da boa convivência, evitando o conflito ao menos superficialmente.

A produtora executiva Kátia*, 37, ainda expõe suas opiniões em suas páginas em redes sociais, mas não responde mais a provocações. Apesar de continuar contrária à posição política de certos familiares, ela se priva de debater para manter o convívio pacífico, principalmente em nome do filho pequeno.

Em alguns casos, os familiares se sentem mais à vontade expondo abertamente suas opiniões divergentes quando o convívio é mais distante, como acontece nos grupos de WhatsApp, por exemplo.

Como impedir que diferenças políticas estraguem ocasiões familiares?

Com a cultura de paz e estratégia na mediação de conflito, sobretudo com a comunicação não violenta, é possível evitar brigas. Cada um pode trazer suas opiniões, experiências e posicionamentos e expor seu entender da realidade sem ser uma ofensa ao outro.

A própria família pode traçar suas regras e limites: até aqui, respeitamos e entendemos e, a partir daqui, entendemos como forma de violência, de não entender a diversidade, e não toleramos.

Quando os ânimos se exaltam, pode ser uma boa ideia encerrar a discussão e, se for o caso, retomar o assunto em um momento de mais calma.

Passado o conflito mais intenso, é hora de se dedicar à recomposição das relações, trabalhando em cima do que é partilhado.

Por mais que haja divergências sobre um tema, identidades ou experiências, é possível pensar em pontos comuns com o propósito de estar juntos, momentos em que o elo ganha mais evidência que a diferença.

Um caminho é pensar naquilo que os une: origens, tradições, filmes, fotografias ou experiências que foram vividas em conjunto, revivendo aquilo que os aproxima.

Também é bom sugerir atividades com contexto familiar que possam ser feitas em conjunto, como pintar a casa, ensinar alguém a dirigir, ajudar a cuidar dos avós, preparar um chá de bebê. O foco é na tarefa e na força da união, entendendo que as diferenças ficam pequenas frente a um propósito comum maior.

E quando a reaproximação não acontece?

Muitas vezes, evita-se falar para não causar uma discussão que possa resultar em rompimento, mas existem discussões necessárias, que argumentam com discursos de intolerância e extremismos.

A convivência não é incondicional, cada um pode avaliar o gradiente de proximidade e conflitos, e o quanto é sustentável a permanência na relação.

A intolerância geralmente não consegue lidar com as diferenças, e a retomada de convívio envolve reconhecê-las. Como no caso de Kátia, "alguns sapos são engolidos" para manter o convívio familiar, mas é necessário considerar o custo afetivo dessas abdicações.

*Os nomes foram trocados a pedido dos entrevistados.

Fontes: Ticiana Santiago de Sá, mestre em psicologia pela UFC (Universidade Federal do Ceará); Cíntia M. Honda, psicóloga e mestre em psicologia clínica pela USP (Universidade de São Paulo); Lala Fonseca, psicóloga clínica pela FMU/SP e terapeuta cognitiva-comportamental pelo ITC.

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