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Saúde

Sintomas, prevenção e tratamentos para uma vida melhor


Ele não se reconheceu pós-bariátrica e trocou comida por academia

Bárbara Therrie

Colaboração para VivaBem

18/09/2022 04h00

Com 2,08 m e 220 kg, o publicitário Jean Perez chegou ao auge da obesidade aos 31 anos de idade. Embora o sobrepeso fosse visível, Jean não se via gordo por conta da altura. Em abril de 2019, ele foi submetido a uma cirurgia bariátrica e perdeu 102 kg ao total.

No início, ficou satisfeito com o resultado, mas depois passou a não se reconhecer no novo corpo e desenvolveu uma compulsão por atividade física, que o fazia treinar duas vezes ao dia, sete vezes por semana. Hoje, aos 35 anos, o publicitário ainda está no processo de aceitação e fala da importância de ter um preparo psicológico antes e após o procedimento.

"Sempre fui alto e esse foi um dos motivos pelos quais demorei bastante para perceber que estava obeso. As pessoas me chamavam de grande, e não de gordo. Ouvir que você é gordo liga um alerta, ouvir que você é grande parece um elogio.

Comia muita besteira, em grande quantidade e não tinha a supervisão de um adulto. Minha mãe trabalhava o dia todo fora, e meu irmão, oito anos mais velho do que eu, era quem preparava a comida. Aos 12 anos, comecei a 'cozinhar' e comia comidas mais práticas, arroz, feijão, nuggets, salsicha, batata-frita, miojo, salgadinho, pães e doces.

Com essa idade, passei a praticar esportes, fazia natação e caratê três vezes por semana cada, ia para escola de bicicleta, era bastante ativo. Aos 17, parei com essas atividades, mas continuei comendo bastante e o peso foi aumentando gradativamente.

Não tinha o hábito de me pesar com frequência, mas me lembro de uma vez, aos 26 anos, que fui à farmácia me pesar. Apareceu uma mensagem de erro na balança, ela só pesava até 150 kg, ou seja, eu estava com mais de 150 kg. Ser alto era um bálsamo muito bom. Pensei: 'Sou grande, tenho 2,08 m, é normal pesar mais de 150 kg'.

Nunca fiz dieta porque não me via como obeso, mas fiz algumas tentativas de me exercitar. Entrei na academia, o problema é que os aparelhos não suportavam o meu peso. O elíptico, por exemplo, tinha capacidade até 120 kg e a esteira até 150 kg. Desisti da academia, segui minha vida, mas a conta pelos hábitos ruins chegou.

Publicitário Jean Perez não se reconheceu após bariátrica - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Imagem: Arquivo pessoal

Em abril de 2019, aos 31 anos, tive uma crise de pânico durante o trabalho. Sou publicitário, estava em um evento de campanha política quando me dei conta de tudo o que tinha para fazer. Comecei a passar mal, achei que estava infartando e ia morrer. Fui ao pronto-socorro, o eletrocardiograma deu normal, aparentemente a causa era emocional.

Sempre fiz o tipo 'gordinho saudável', mas aproveitei o susto para fazer um check-up geral e descobri que meu coração estava maior e mais rígido do que deveria, estava com gordura no fígado e meus rins estavam falhando.

Durante consulta de rotina, a médica calculou meu IMC (Índice de Massa Corporal), disse que eu estava com obesidade grau 3 e me indicou fazer a cirurgia bariátrica. Naquele momento a ficha caiu e todo cansaço, indisposição e irritabilidade fizeram sentido. Pesar 220 kg estava prejudicando meus órgãos vitais.

Fui encaminhado ao especialista, confesso que entrei no processo com medo e sem segurança. Pensei algo do tipo: 'Vai que eu consigo perder peso mesmo'. Durante três meses, fiz o programa pré-operatório com nutricionista e psicóloga. Foi importante, mas hoje vejo que poderia ter sido mais bem preparado e mais assuntos poderiam ter sido abordados.

No 'curso' eles falaram sobre como comer bem depois de operado, compulsão alimentar, mastigação, flacidez da pele, entre outras coisas. Senti falta de eles me prepararem para a falta que meu estômago [a redução] ia fazer e como lidar com meu novo corpo.

Publicitário Jean Perez não se reconheceu após bariátrica - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Imagem: Arquivo pessoal

No total, o processo demorou seis meses, perdi 11 kg e atingi 209 kg nesse período. Em outubro de 2019, fiz a cirurgia bariátrica com a técnica do bypass gástrico (redução do tamanho do estômago). No primeiro mês, perdi 23 kg e vivi uma lua de mel pós-bariátrica nos meses seguintes. Me apaixonei por mim mesmo, passei a me valorizar, a me sentir atraente, seguro e a ter mais tesão pela vida.

O problema é que substituí a compulsão alimentar pela compulsão por atividade física. Meu maior medo era ter um transtorno ou uma compulsão pior do que a da comida, e virar um alcoólatra, um compulsivo sexual, um cleptomaníaco.

Como não podia mais comer muito, queria buscar a sensação de prazer e bem-estar em outra coisa. De forma consciente, decidi que seria um compulsivo por atividade física —na minha cabeça, de todos, seria o menos prejudicial—, mas estava errado, devemos tratar a compulsão e não substituí-la.

Publicitário Jean Perez não se reconheceu após bariátrica - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Imagem: Arquivo pessoal

Com 30 dias de operado, passei a ir à academia duas vezes ao dia, sete dias por semana e fazer 14 treinos semanalmente. Fiquei viciado em perder peso em pouco tempo, exagerava no aeróbico e puxava mais peso do que o corpo aguentava. Como consequência, tive lesões no braço e no joelho.

Seis meses depois, veio a pandemia, as academias fecharam e a lua de mel com a bariátrica acabou. Passei a me incomodar com a minha aparência, achava que tinha me mutilado e que a flacidez e as cicatrizes, ainda que pequenas, tinham me deformado.

Nesse período, tive crises de ansiedade e entrei em depressão. Por várias vezes senti falta de ter meu estômago de volta e de poder comer até explodir.

Vivi uma crise de identidade e me questionava: 'Quem sou eu?'. Me olhava no espelho e não me reconhecia no meu corpo, era assustador. Minha psicóloga disse que eu desenvolvi o transtorno dismórfico.

Em 2021, tirei a vesícula, fiz uma cirurgia reparadora, a abdominoplastia, e bati o meu menor peso, 107 kg —já era muito abaixo do que eu esperava, que era 138 kg. Ao total, eliminei 102 kg pós-bariátrica.

Publicitário Jean Perez não se reconheceu após bariátrica - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Imagem: Arquivo pessoal

Tinha muito medo de engordar novamente, tive dois casos na família de pessoas que fizeram a bariátrica e recuperaram o peso perdido. Mas também entendi que ser extremo não era saudável, decidi fazer as coisas de forma mais equilibrada.

Voltei a fazer natação e musculação, hoje faço atividade física de forma mais assistida. Meu treino é focado em hipertrofia, peso 120 kg e tenho 12% de gordura. Às vezes treino mais do que deveria, ainda sinto aquele impulso, mas tento me controlar. Quando estou ansioso ou estressado, não treino porque sei que vou exagerar, tento me acalmar e meditar.

Ainda não me reconheço no meu corpo, estou tratando isso em terapia. Eu e minha psicóloga temos trabalhado o perdão por ter me colocado nessa situação e a aceitação em entender que fiz o que era possível fazer com as informações e condições que tinha no momento. Tenho aprendido que a vida pode ser boa, legal e com várias possibilidades com esse novo eu.

Ter um bom acompanhamento psicológico, tratar as compulsões, se preparar antes e depois para todas as mudanças que a cirurgia promoverá no corpo e na mente são fundamentais para lidar com o processo.

Não sou a favor e nem contra a bariátrica. Mas para quem chegou ao ponto de ter que fazer, é importante entender que o procedimento é um estímulo, uma largada, não é o resultado final, é preciso manter os bons hábitos por toda a vida."

A importância do preparo para a bariátrica

Publicitário Jean Perez não se reconheceu após bariátrica - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Imagem: Arquivo pessoal

Antes de mais nada, é importante entender que a obesidade é uma doença crônica, seu tratamento é contínuo e não se trata de uma questão meramente estética, preguiça ou falta de força de vontade para mudar.

Para quem tem a indicação da bariátrica, o cuidado com a alimentação deve começar antes da cirurgia para que o paciente já experimente algumas mudanças como: ter mais consciência da sensação da fome física, emocional, social, identificar a saciedade e ter uma alimentação equilibrada. O comer consciente envolve atenção, mastigação lenta, saborear os alimentos e evitar distrações.

A regulação emocional, ou seja, aprender a lidar e manejar as emoções de forma adequada para não "descontar" na comida também faz parte dessa mudança na mentalidade ao comer. Algumas estratégias podem ajudar, como meditação, psicoterapia, atividade física regular e ter momentos de lazer.

Nos primeiros dias de pós-operatório, o paciente é submetido a uma dieta bastante restritiva de consistência líquida que evolui à pastosa. Neste período, ele pode sentir desconforto (dor pela cirurgia), a falta da mastigação e vontade de comer, o que pode levar a alterações de humor como aumento de irritabilidade, melancolia, traços de ansiedade e, às vezes, arrependimento.

No entanto, é importante o paciente seguir rigorosamente a prescrição nutricional no pós-operatório imediato, caso contrário, correrá risco de complicações, por estar em uma fase de cicatrização e recuperação cirúrgica. Em situações extremas, poderá ter um quadro de infecção e ir a óbito.

A longo prazo, se não houver mudança em relação aos hábitos alimentares (reeducação alimentar) e ao estilo de vida (suplementação de vitaminas e atividade física regular), o paciente poderá apresentar perda de peso aquém do esperado. Além disso, ele poderá ter reganho de peso e a recidiva da obesidade. Vale ressaltar que a cirurgia bariátrica é apenas uma ferramenta e não um milagre.

Troca de compulsões pode acontecer?

Não existe relação de causa e efeito entra a cirurgia bariátrica e o desenvolvimento de outras compulsões. Mas os pacientes que são avaliados com perfil mais compulsivo, ou impulsivo, deverão ser encaminhados para tratamentos específicos antes do procedimento. Não falamos em troca de compulsão, mas em fatores de risco.

Ao ter a restrição provocada pela cirurgia e não poder mais ter episódios de compulsão alimentar, a pessoa pode encontrar na atividade física uma válvula de escape. Mas o problema não é o exercício físico em si, porque ele é indicado como regulador emocional, mas, sim, a quantidade, ou seja, a "compulsão" que pode trazer sofrimento e prejuízo na vida diária do paciente. Para evitar isso, a pessoa pode buscar mais atividades que a ajudem a lidar com as emoções.

Transtorno dismórfico

Publicitário Jean Perez não se reconheceu após bariátrica - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Imagem: Arquivo pessoal

Todos nós podemos ficar descontentes com alguma característica do nosso corpo, mas os indivíduos com transtorno dismórfico corporal são excessivamente preocupados com um ou mais defeitos ou falhas percebidas em sua aparência física, que os fazem se sentir inadequados, causando grande sofrimento. Essas falhas são percebidas por eles e não são notadas ou parecem apenas leves para as outras pessoas.

Não é uma condição comum entre os pacientes que se submetem à cirurgia bariátrica e não deve ser confundido com a insatisfação corporal devido ao excesso de peso ou a flacidez.

Para o diagnóstico, a preocupação deve causar prejuízos na vida social, profissional ou familiar da pessoa. As preocupações são excessivas e consomem grande parte do dia. Também estão associados a comportamentos repetitivos ou atos mentais. Essas pessoas tendem a comparar sua aparência com a de outras e olhar repetidamente os defeitos no espelho.

Na dismorfia muscular, mais comum no sexo masculino, o homem acha que seu corpo é muito pequeno ou insuficientemente magro ou musculoso. Grande parte faz dieta e atividade física excessiva, podendo levar a lesões. Alguns fazem uso de substâncias, como anabolizantes, para obter "melhores" resultados. Este transtorno deve ser tratado com psiquiatra e psicólogo.

Fonte: Beatriz Pini, psicóloga do Instituto de Medicina Sallet, especialista em transtornos alimentares pelo Instituto de Psiquiatria do HC-FMUSP ( Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo) e membro da Sociedade Brasileira de Cirurgia Bariátrica e Metabólica.

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