'É meu primeiro amor da vida': por que conexão entre gêmeos é mais forte?
A sincronia entre as ex-atletas olímpicas de natação artística Bia e Branca Feres, 32, nunca esteve restrita aos movimentos ritmados debaixo d'água. Era possível observar semelhanças até nos treinos da dupla: se uma sofresse uma lesão muscular, por exemplo, a outra também se machucava. "Era muito engraçado, porque, muitas vezes, a lesão acontecia na mesma hora e no mesmo músculo", relembra Bia.
Nem as técnicas esportivas conseguiam acreditar. "Quer dizer então que aquilo que uma sente, a outra também sente?", questionavam, em tom de ironia, quando as nadadoras eram mais novas. Às vezes, elas contam que era necessário pedir ao médico para conversar com as instrutoras e comprovar que a queixa das irmãs, que são gêmeas idênticas, não era uma invenção.
A constituição física similar das duas possivelmente estava por trás da coincidência. Mas essa não foi a única vez em que as gêmeas afirmam ter compartilhado as mesmas sensações. Quando Bia ficou grávida de seu primeiro filho, Branca, que não estava à espera de um bebê, diz que também sentiu os sintomas de uma gravidez. No primeiro trimestre da gestação da irmã, ela conta que tinha um sono fora do normal, "típico de uma mulher grávida".
Atualmente, enquanto Bia espera o segundo filho, Branca está grávida pela primeira vez. As gêmeas do nado, que já representaram o Brasil em dezenas de competições, afirmam que não planejaram engravidar ao mesmo tempo, mas confessam que ambas estavam em fases da vida em que compartilhavam o desejo de ter bebês —as ex-atletas terão meninas e estão com 14 semanas de diferença.
A afinidade entre as idênticas é tão forte que Branca, mãe de primeira viagem, conta que é como se estivesse em sua segunda gravidez.
"É muito doido. As pessoas não entendem a nossa relação. Muita gente fala que eu vou conhecer meu grande amor quando tiver meu primeiro filho, mas não é uma competição. O relacionamento que tenho com a minha irmã só entende quem tem irmão gêmeo", diz ela a VivaBem. "Óbvio que meu filho é o maior amor do mundo, mas a minha irmã é meu primeiro amor da vida", concorda Bia, que já é mãe de um menino de 1 ano de idade.
O vínculo existente entre gêmeos é um dos mistérios que a ciência ainda não conseguiu desvendar por inteiro. Estudos feitos no Brasil e no mundo apontam que essa conexão tende a ser ainda mais forte entre aqueles que são monozigóticos, ou seja, que foram originados de um mesmo óvulo e um mesmo espermatozoide e, portanto, têm DNA idêntico —caso de Bia e Branca.
Mais que irmãos, irmãos gêmeos
Uma pesquisa realizada pelo Painel USP de Gêmeos, principal polo brasileiro de estudos sobre o comportamento de gêmeos, sediado no IP-USP (Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo), avaliou as relações de apego entre irmãos e seus familiares.
Segundo a teoria do apego, desenvolvida pelo psicanalista britânico John Bowlbuma, uma pessoa é considerada "apegada" à outra quando preenche quatro critérios: está sempre buscando estar perto de tal indivíduo (busca de proximidade), se sente mais segura para explorar o mundo em sua presença (base segura), corre para o outro quando enfrenta situações difíceis (refúgio seguro) e sofre quando ambos estão distantes (angústia de separação).
"Normalmente, quando você faz esse tipo de pesquisa na população geral, a mãe costuma ser uma figura de apego predominante entre os respondentes", explica Isabella França Ferreira, bióloga, doutoranda em psicologia experimental pela USP e uma das autoras do estudo, publicado em 2021.
O levantamento, que envolveu 132 gêmeos e 98 não gêmeos adultos, indicou que os gêmeos monozigóticos têm níveis mais altos de apego a seus irmãos do que os dizigóticos (não idênticos) e os não gêmeos. Além disso, as mães foram consideradas as principais figuras de apego por todos os grupos, enquanto os pais ocuparam a parte inferior da hierarquia. Mas o cenário foi um pouco diferente entre os idênticos.
"No caso dos monozigóticos, o irmão gêmeo e a mãe estavam bem pertinho no nível de apego, ou seja, dividiam quase a mesma posição, e só depois vinha o pai", diz Ferreira.
Resultados semelhantes foram observados pela professora e psicóloga Maria Elizabeth Barreto Tavares dos Reis, da UEL (Universidade Estadual de Londrina), tanto em seus estudos quanto no atendimento clínico de gêmeos em psicoterapia psicanalítica. "A ligação intrapar de gêmeos costuma ser muito mais intensa do que com os outros irmãos ou, muitas vezes, até em relação aos próprios pais", afirma.
O que explica a afinidade entre gêmeos?
Ao menos dois fatores ajudam a explicar essa relação, segundo as especialistas. Do ponto de vista da teoria da evolução, ao manter um bom relacionamento com o cogêmeo e ajudá-lo ao longo da vida, o irmão estaria, de certa forma, favorecendo a manutenção e a propagação de seus próprios genes —que são iguais ou muito parecidos com os do consanguíneo.
Além do componente genético, a convivência é outro fator importante a ser levado em conta. Eloísa de Souza Fernandes, psicóloga que integra o Painel de Gêmeos da USP, explica que crescer em um ambiente comum, além de muitas vezes compartilhar a mesma sala de aula e as mesmas roupas e amigos, também favorece a proximidade entre os gêmeos.
Pares que cresceram separados e se reencontraram na vida adulta também chamam a atenção dos pesquisadores. "A gente chegou a entrevistar dois pares de gêmeos adultos que se reencontraram na vida adulta e os dois, curiosamente, relataram que, quando eram pequenos, tinham um sentimento de estranheza, como se faltasse algo", conta Fernandes. "É uma relação tão única que, mesmo que eles tenham acabado de se conhecer, a intimidade e o contato são muito próximos e específicos".
Principalmente entre os monozigóticos, existem relatos de irmãos que dizem ter a sensação de que havia "algo de errado" com o cogêmeo quando o outro estava enfrentando alguma crise, como um acidente de carro, por exemplo. Há ainda os que afirmam conhecer os pensamentos do idêntico ou que falam simultaneamente ou terminando as frases um do outro.
Embora essas experiências não possam ser negadas, faltam evidências científicas conclusivas para afirmar que existiria telepatia ou fenômenos paranormais entre gêmeos.
Segundo Bruno Nascimento, psiquiatra e coordenador de neuropsiquiatria da UFPE (Universidade Federal de Pernambuco), mesmo que haja semelhança genética entre os gêmeos, telepatia e percepção extrassensorial têm, do ponto de vista psiquiátrico, pouca possibilidade de explicação. "Sendo indivíduos diferentes, com subjetividades e consciências próprias, é difícil pensar em sentimentos, sensações ou percepções de mundo idênticas", diz.
Em seu livro Twin Mythconceptions ("Mitos sobre gêmeos", em tradução livre), Nancy L. Segal, uma das principais pesquisadoras de gêmeos no mundo, que também colabora com o Painel USP, afirma que anedotas sobre telepatia gêmea são simplesmente "um reflexo do vínculo amoroso e carinhoso entre os dois".
Competição e simbiose: quando o vínculo entre gêmeos deixa de ser saudável?
Silvio e Jorge Naslauski, 70, também dividiram a mesma placenta. A cumplicidade entre os irmãos sempre foi tão grande que, se alguém brigasse com Silvio na escola, Jorge diz que, automaticamente, também já criava antipatia pela pessoa, e vice-versa. Mas isso não significa que a dupla nunca tenha tido desavenças entre si.
"Só vejo vantagem em ter um irmão gêmeo, porque desde criança tenho um amigo, mas, como todo amigo, se briga, se discute, não se concorda com as ideias. Houve muitas épocas em nossas vidas que nós não nos respeitamos", diz Silvio. "Quando ficamos adolescentes e adultos jovens, brigávamos muito. A vida inteira disputamos muito como irmãos gêmeos", completa Jorge.
A competição é uma realidade considerada comum entre cogêmeos. A psicóloga Maria Elizabeth Reis, que também é mãe de gêmeas, explica que, desde o início de suas vidas, eles têm alguém para competir, principalmente pela atenção dos pais. O comportamento tende a ser mais frequente quando os irmãos são encarados pela família ou pela sociedade como opostos radicais um do outro.
No outro extremo, quando deixam de ser individualizados, o risco é de que desenvolvam problemas de identidade. Em um dos casos estudados por Elizabeth em seu doutorado na UEL, por exemplo, os pais raramente pronunciavam os nomes dos gêmeos (só se referiam aos filhos com apelidos carinhosos como "bebê" e "amor"), situação que culminou em dificuldades de autoidentificação tão importantes que, aos quatro anos, uma das crianças não sabia qual dos nomes era o seu. "São coisas que podem levar a problemas sérios de saúde mental ao longo da vida", diz Reis.
"É importantíssimo que os gêmeos sejam reconhecidos em suas individualidades e com as características peculiares de cada um. Se eu respeito as características de cada um, vou fazer com que eles se sintam valorizados por ser eles mesmos, e não porque um tem que ser muito parecido ou igual ao cogêmeo". Maria Elizabeth Barreto Tavares dos Reis, psicóloga e professora de psicologia e psicanálise
Colocar peças de roupa diferentes nos irmãos, chamá-los pelo nome e incentivar o convívio com outras pessoas são algumas das recomendações da especialista para favorecer o desenvolvimento psicossocial de gêmeos.
Segundo Reis, tratar as duas crianças como se fossem uma só, como numa "simbiose", pode trazer prejuízos à relação delas consigo próprias e com o mundo ao seu redor, resultando em potenciais danos à saúde mental.
O vínculo próximo entre os cogêmeos não é, em si, problemático. Muito pelo contrário: enquanto alguns pares podem se favorecer ao estudar em salas de aula separadas, por exemplo, a separação pode ser prejudicial para outros, causando ansiedade e dificuldades de aprendizagem, como mostra a dissertação de mestrado de Isabella Ferreira. Cada caso precisa ser avaliado individualmente pelos pais, professores e, quando possível, os próprios gêmeos.
Após a fase da adolescência e juventude, Silvio e Jorge afirmam ter deixado as competições de lado. "Quando alcançamos uma certa idade, acabamos nos respeitando muito", conta Silvio, que é vegetariano e formado em marketing. Jorge, por sua vez, cursou economia e não abre mão de comer carne. Entre 1986 e 2002, os dois deixaram as empresas onde trabalhavam para, juntos, abrirem a própria companhia.
Os moradores de Santos (SP) ainda mantêm vivos hábitos da infância como tomar café ou almoçar juntos —e até trocar confidências. "Desde pequeno, sempre conversei com o Jorge antes de qualquer pessoa, até mesmo antes dos nossos pais. Até hoje, qualquer problema que eu tenho, às vezes até antes de falar com a minha mulher, falo com o meu irmão", conta Silvio. E Jorge, sorrindo, confessa: "Minha mulher vai ficar com ciúmes, mas eu também faço o mesmo".
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