Câncer de laringe deixou aposentado sem olfato e 4 meses sem falar
Assim que chegou a Brasília (DF), em 2015, Jeziel Almeida, 58, estranhou o tempo seco da região. Sentia forte desconforto na garganta, dificuldade para engolir as comidas, pigarro, alteração na voz, além de uma tosse constante. Mas pensava que os sintomas eram resultado do clima da capital, ou, então, consequências dos 42 anos que passou fumando.
Até que em dezembro de 2019, acordou com a garganta mais irritada que o normal e muito avermelhada. Por isso, foi ao hospital perto da casa dele para ver o que estava acontecendo.
Após uma avaliação, a médica disse que ele tinha sintomas parecidos com um tumor na região da laringe, do tipo carcinoma, que é quando o câncer tem início na pele ou nos tecidos que revestem os órgãos.
"Com o Google na mão, saí do hospital com a cabeça e o coração a mil, pois a simples pronúncia da palavra 'câncer' me causou um tremendo desespero", lembra o aposentado.
Depois de alguns exames, o diagnóstico foi confirmado. Só que o tumor estava evoluindo rapidamente e ocupando toda a área da laringe e nasofaringe, parte que fica atrás do nariz.
Os médicos também identificaram uma paralisação completa da corda vocal de um lado e paralisia parcial da do outro lado, com impacto na nasofaringe, e um "discreto" enfisema pulmonar, doença que geralmente aparece depois de muitos anos de agressão aos tecidos do pulmão.
"Esse último foi apontado em um exame anterior, de espirometria, mas não dei muita importância, pois era um tabagista pesado. Estava acostumado com coisas assim", diz Jeziel.
Aliás, ele fumava bastante, de 2 a 3 maços de cigarro por dia, em média. Em decorrência disso, teve dois infartos e três AVCs (acidente vascular cerebral) —e mesmo assim manteve o hábito.
Cheguei ao ponto de, literalmente, sonhar que estava fumando e, ao acordar de madrugar, sair para fumar. Jeziel Almeida
O problema é que, no caso dele, a melhor opção era a cirurgia para retirada do tumor. No caso, a laringectomia total, que consiste na remoção de toda a laringe. Para a pessoa conseguir respirar, a traqueia é puxada para cima e fica com um buraquinho na região da garganta —termo conhecido como traqueostomia.
Mas Jeziel só conseguiu operar 8 meses depois do diagnóstico —mesmo acionando a Justiça três vezes. O procedimento foi realizado pela rede pública no dia 5 de agosto de 2020. Alguns exames pré-operatórios foram feitos na rede particular para evitar ainda mais demora, segundo o aposentado.
"Logo de início, tive uma clara percepção de que o processo ia ser lento. Me assustei com a gravidade do caso e, então, comecei a acionar judicialmente o hospital e o INSS [Instituto Nacional do Seguro Social], por meio do Ministério Público, para que o processo fosse acelerado, mas mesmo assim, ainda demorou", conta.
Neste período, Jeziel conheceu alguns pacientes com o mesmo problema que ele, tratando a mesma doença e com idade parecida, que não tiveram a mesma "sorte". "Um ano depois de operado, fui procurar notícia deles e descobri que os dois foram a óbito pela demora no atendimento", diz.
4 meses sem conseguir falar
Antes de ter acesso à laringe eletrônica, o aposentado ficou 4 meses sem falar. Neste período, teve dificuldades para se comunicar. Fez uso de escrita, mímica e aplicativos de celular durante as interações sociais.
A eletrolaringe ou laringe eletrônica é um equipamento portátil que funciona com baterias recarregáveis. O aparelho possibilita a emissão de um onda sonora contínua. Essa vibração é transmitida por uma voz robótica, que forma palavras através dos órgãos articuladores como lábios, língua e dentes.
Além disso, Jeziel não pode mais fumar, nem se quisesse. É que durante a cirurgia as vias aéreas foram "desligadas", então ele não respira mais pelo nariz e pela boca. Agora, a respiração é feita através do estoma (orifício localizado na traqueia) —que, neste caso, é a traqueostomia. O aposentado não tem mais olfato e tem cerca de 30% a menos de paladar do que tinha antes.
Desde então, Jeziel conta que o preconceito é o que mais existe —tanto com a "nova" voz dele, como com a traqueostomia, que fica protegida com um pedaço de pano na região.
Nós ainda não estamos preparados para conviver com pessoas diferentes de nós. Eu mesmo não perdi a fala. Só aprendi a falar diferente. Jeziel Almeida
Nem todo paciente vai precisar de laringectomia total
O tratamento do câncer de laringe, que faz parte do grupo dos tumores de cabeça e pescoço, vai depender da fase em que é diagnosticado, segundo Aline Lauda, oncologista clínica, ex-presidente e fundadora do Grupo Brasileiro de Câncer de Cabeça e Pescoço e diretora do Grupo DOM Oncologia.
"Se a doença é inicial, por exemplo, podemos retirar apenas o tumor local e não a laringe toda. Ou conseguimos tratar com radioterapia. Se ele é intermediário, podemos tratar com quimioterapia e radioterapia, com preservação do órgão. Tudo vai depender do paciente", explica a médica.
Ainda segundo a oncologista, após a cirurgia é necessário consolidar o tratamento com radioterapia e, às vezes, até com quimioterapia. No caso de Jeziel, ele precisou de 60 sessões de radioterapia.
Quando o quadro é mais avançado, como foi com o aposentado, as opções da reabilitação vocal também variam bastante. Há quem não se adapte com a laringe eletrônica, segundo Lauda.
"É por uma questão local mesmo, pode causar edemas, inchaços", diz. Por isso, existem outras opções para quem perder as cordas vocais. "Existe a prótese vocal, que é colocada durante cirurgia, e a voz esofagiana, por exemplo."
Como funciona a laringe eletrônica?
É um dispositivo que emite uma onda sonora contínua, segundo Mariana Salles, fonoaudióloga do HSVP-RJ (Hospital São Vicente de Paulo no Rio de Janeiro) e mestranda em oncologia pelo Inca (Instituto Nacional de Câncer).
"Esse 'som' é transmitido pela vibração de tecidos localizados na região cervical, o 'pescoço', até as estruturas que funcionam como 'caixas amplificadoras', como a boca, região nasal e faringe. Depois, esse som eletrônico é transformado em uma voz adaptada, que é formada através da articulação das palavras, com as formas bucais e movimentação de língua", diz. A laringe eletrônica, neste caso, é mantida pressionada no pescoço do paciente (veja imagem ilustrativa abaixo).
Aliás, o SUS oferece um modelo de forma gratuita. Neste vídeo, pelo canal de YouTube da ACBG (Associação Brasileira de Câncer de Cabeça e Pescoço), eles ensinam a obter o dispositivo pela rede pública.
Jeziel tem dois modelos. A primeira foi adquirida pelo SUS, mais básica e robótica, que atende às necessidades dele de maneira objetiva e imediata. "Já a segunda, que eu comprei, é mais sofisticada e menos robótica, com custo médio de R$ 8.000. Ambas são recarregáveis (a primeira é com pilhas e a segunda é de bateria), com autonomia diferentes de uso", conta.
Reabilitação dos pacientes que fazem a laringectomia
Em um primeiro momento, o paciente é apresentado a todos os métodos de reabilitação vocal, como voz esofágica, laringe eletrônica e prótese traqueoesofágica. "Eles são expostos às maiores vantagens e desvantagens de cada método, tendo assim participação ativa na escolha do que mais o atenda", diz Salles.
"Há uma mudança na fisiologia da respiração, pela confecção de uma traqueostomia definitiva, que ocasionará mudanças na produção da voz", completa a especialista.
Mas até antes mesmo de utilizar a laringe eletrônica (ou as outras opções), há todo um trabalho para reabilitar os pacientes, de acordo com a fonoaudióloga. É de extrema importância toda a participação de uma equipe multidisciplinar, como nutricionista, fonoaudióloga, terapeuta, entre outros. Até hoje, Jeziel mantém o acompanhamento com oncologista, fono e endócrino.
Cuidados com a área da traqueostomia
Outro ponto importante são os cuidados com o local da traqueostomia. Segundo a fonoaudióloga, o paciente necessita ser muito bem orientado, possuir uma boa higiene com o local ter consciência que aquele local é por onde irá respirar e não mais pelo nariz e boca.
"A pessoa deve tomar um maior cuidado no momento do banho, para não permitir a entrada de objetos ou resíduos, além de manter a região protegida contra a entrada de poeira e insetos. Ela também deve ser orientada quanto à impossibilidade de realizar atividades aquáticas", finaliza.
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