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'Acordei durante endoscopia querendo puxar o cano': por que isso acontece?

Júllia acordou durante exame e ficou assustada - Arquivo pessoal
Júllia acordou durante exame e ficou assustada Imagem: Arquivo pessoal

De VivaBem, em São Paulo

28/09/2022 04h00

Em 2017, Júllia Beltrame Búrigo, 22, fez pela primeira vez a endoscopia, exame que avalia o esôfago, estômago e a parte alta do seu intestino (duodeno). Assim como a grande maioria das pessoas, estava ansiosa. Há quem tenha experiências engraçadas, ficando "sem filtro" ou com amnésia após o procedimento.

Mas no caso da estudante, moradora de Tubarão, em Santa Catarina, a experiência não foi nada boa. Ela despertou durante o exame e ficou assustada.

Naquele dia, fiquei acordada, não lembro de muita coisa, só que tentei puxar o cano [pequeno tubo que é inserido pela boca] e, por isso, não consegui concluir o exame. Júllia Beltrame Búrigo

"Essa primeira experiência foi horrível, mas depois consegui fazer de novo, com mais calma", diz a jovem.

De acordo com os médicos consultados por VivaBem, isso pode mesmo ocorrer devido a diversos fatores, embora não seja o esperado —principalmente pela situação ser desagradável.

Segundo Diná Mie Hatanaka, coordenadora da anestesia do Hospital Moriah (SP), quando isso acontece não é necessariamente por um erro dos especialistas, e explica: "Não podemos aprofundar demais a sedação neste tipo de exame porque há risco de o paciente parar de respirar ou não acordar. Claro que estamos preparados para isso, caso aconteça", diz.

O que sempre buscamos fazer em uma sedação é oferecer maior conforto ao paciente sem que ele tenha dor, riscos à saúde e que ele consiga acordar rapidamente. Diná Mie Hatanaka, anestesiologista do Hospital Moriah

Ainda segundo a especialista, é importante que o paciente seja avisado disso, já que a profundidade da sedação pode "flutuar" e, com isso, o paciente despertar antes do esperado. É fundamental, inclusive, que a pessoa avise caso tenha tido algum histórico de maior sensibilidade à sedação, por exemplo. Isso ajuda toda a equipe envolvida a se preparar.

Além da endoscopia, a situação pode ocorrer em outros cenários, principalmente em cirurgias em que os médicos utilizam anestesia local, como a raquidiana ou peridural, que dispensam a geral. Aliás, basta pensar que, em alguns casos, essas cirurgias são feitas com a pessoa acordada, como já ocorre no parto cesárea.

Mas por que isso ocorre?

De acordo com os especialistas, há algumas explicações, como maior sensibilidade aos medicamentos, além da capacidade de metabolização dos fármacos. Os mais jovens, por exemplo, conseguem metabolizar as substâncias mais rapidamente do que os idosos.

exame, endoscopia digestiva - iStock - iStock
Imagem: iStock

Além disso, há outros fatores, como o peso, que podem afetar esse processo. Neste caso, são medidas contornáveis e que os especialistas conseguem já ajustar antes do exame ou da cirurgia.

Mas existem outros pontos que merecem atenção, conforme explica Daniel Queiroz, chefe do serviço de anestesia para endoscopia digestiva do Hospital São Vicente de Paulo (RJ), membro da SBA (Sociedade Brasileira de Anestesiologia) e diretor científico da Saerj (Sociedade de Anestesiologia do Estado do Rio de Janeiro).

"O uso concomitante com outros medicamentos [como os calmantes] pode afetar a anestesia, assim como o uso crônico de álcool e outras drogas. As enzimas hepáticas passam por alterações e podem metabolizar rapidamente ou muito devagar", afirma.

Por isso que o paciente deve informar o responsável —seja um anestesista ou endoscopista— de que ele faz uso de outros medicamentos, que podem alterar a sensibilidade para as drogas utilizadas tanto em sedação, quanto em uma anestesia geral.

Segundo Queiroz, há outro fator que os médicos ainda tentam entender de que forma impacta neste processo de absorção dos anestésicos, que é a genética da pessoa. "A gente lida com doses de fármacos que são calculadas para populações inteiras, mas não sabemos como aquele indivíduo irá reagir", diz.

Como exemplo, ele cita algumas comunidades indígenas que, segundo casos já relatados, apresentam alta sensibilidade à morfina. "Não sabemos ainda a base científica, mas podemos supor que há um fator genético envolvido."

Os asiáticos, conforme lembra, também tendem a ter enzimas hepáticas com menor potencial para metabolizar algumas substâncias, principalmente o álcool. O mesmo ocorre com as mulheres.

E em cirurgias com anestesia geral: isso pode acontecer?

Diversas pessoas ficam ansiosas só de saber que precisam passar por uma cirurgia. Agora, imagina ficar "acordado" durante todo o procedimento, sem poder se mexer ou sequer falar alguma coisa. Dependendo da sua idade, você deve ter automaticamente se lembrado do filme "Awake - A Vida por um Fio", de 2007.

Awake - A Vida por um Fio, filme - Reprodução MGM e The Weinstein Company - Reprodução MGM e The Weinstein Company
No filme "Awake - A Vida por um Fio", jovem tem consciência da cirurgia, mas não consegue se mexer; caso é raríssimo
Imagem: Reprodução MGM e The Weinstein Company

Na história, um jovem precisa passar por um transplante de coração e, na cirurgia, já anestesiado, ele fica "acordado", enquanto escuta tudo que está ocorrendo no momento. Algo bem assustador e angustiante.

E mesmo que no filme as cenas tenham uma boa dose de exageros e muito suspense, situações como essa podem mesmo acontecer, embora sejam raríssimas. Atualmente, é cada vez mais difícil de ocorrer, principalmente pelo avanço da tecnologia.

"O nome disso é consciência ou despertar intraoperatório ou recall, mas a incidência é muito baixa, de 0,005% a 1% dependendo de cada caso", explica Hatanaka, do Hospital Moriah (SP).

A taxa pode mesmo variar de acordo com a cirurgia que o paciente irá realizar. De acordo com um informativo da UFSC (Universidade Federal de Santa Catarina), a incidência geral estimada é de 1 a 2 casos a cada mil anestesias gerais, sendo na maioria das vezes muito breve e não traumática.

De acordo com Hatanaka, existem dois tipos de despertar intraoperatório: um deles é quando o paciente tem a "consciência" do que está acontecendo, mas não se recorda. "Isso fica meio que no subconsciente dele", diz a médica.

A outra situação é quando o episódio dura mais tempo e, com isso, o momento fica gravado na memória. "Na anestesia geral, usamos medicações para os pacientes não se mexerem. Então, a pessoa fica acordada, mas sem sentir dor, apenas paralisada. É uma sensação ultradesagradável", explica.

Por isso, a médica conta que existem formas de evitar essa situação que, de novo, é muito rara, como o uso de aparelhos que auxiliam no monitoramento contínuo das atividades cerebrais do paciente. Lembrando que, em cirurgias assim, há sempre a presença do anestesiologista.

"O monitor avalia a profundidade da anestesia e fica ali na região da cabeça, fazendo um eletroencefalograma o tempo inteiro. Assim, conseguimos saber a profundidade e, com isso, fica difícil de ter um recall, pois sabemos o quanto o paciente está dormindo ou não".

Quando há mais riscos?

De acordo com Victor Lemos, anestesiologista do Hospital das Clínicas da UFPE (Universidade Federal de Pernambuco), da rede Ebserh, e membro da SBA, há três situações de maior risco: cirurgias cardíacas, de emergência (com pacientes com múltiplos traumas) e as obstétricas (que não costuma ser de rotina).

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Imagem: iStock

"São situações que damos doses menores de anestésicos, de hipnótico, no caso, que é a droga que induz ao sono. Como usamos doses mais baixas do que o habitual e, se o paciente tiver maior sensibilidade, isso pode eventualmente ocorrer mesmo, principalmente se estivermos sem o monitor de profundidade anestésica", explica.

Em pacientes de emergência, por exemplo, a dose de anestésico é menor, pois já há uma perda severa de sangue (comum neste caso), deixando o paciente mais suscetível à queda de pressão, por exemplo, aumentando riscos de complicações. No caso de pacientes gestantes, o uso dos medicamentos afeta a contração uterina e aumenta o risco de hemorragia.

De uma forma geral, a mensagem que precisa ficar é: as sedações e anestesias gerais são seguras, embora algum "despertar" possa ocorrer —com muito mais frequências em exames, já que em cirurgias, igual ao filme "Awake", é extremamente raro. Por isso, é fundamental conversar bem com os médicos antes dos procedimentos e tirar todas as dúvidas.

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