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Saúde

Sintomas, prevenção e tratamentos para uma vida melhor


Pessoas trans também devem fazer prevenção contra câncer de mama e próstata

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Imagem: iStock

Paula Carvalho

Colaboração para VivaBem

11/10/2022 04h00

Uma pesquisa realizada na Faculdade de Medicina de Botucatu da Unesp (Universidade Estadual Paulista) e divulgada em 2021 estimou que a proporção de indivíduos transgêneros (que não se identificam com o gênero atribuído ao nascer) ou não binários (que não se identificam com o gênero feminino ou masculino) na população adulta brasileira é de aproximadamente 2%.

Para os pesquisadores envolvidos no trabalho, os resultados reforçam a urgência de políticas públicas de saúde voltadas para estes grupos, que em números absolutos chegam a quase 3 milhões de indivíduos. O IBGE não tem um censo específico dessa população.

Muito se fala sobre prevenção de doenças em homens e mulheres, porém o público trans ainda não se vê incluído quando se trata de medicina preventiva. Um exemplo são as campanhas de prevenção e cuidados contra o câncer de mama que abordam em sua maioria as mulheres cisgênero (que se identificam com o sexo biológico), mas pessoas trans também podem ter a doença e precisam ficar atentas.

Um estudo de 2019 do University Medical Center, em Amsterdã (Holanda), com 2.260 mulheres trans e 1.229 homens trans, apontou 15 casos de câncer de mama em mulheres trans após uma média de 18 anos de tratamento hormonal, e demonstrou um risco maior que a população masculina.

Na população de homens trans, foram detectados quatro casos, média menor que o esperado para mulheres cisgênero.

Câncer de mama x diagnóstico tardio

Médica fazendo mamografia, mamógrafo, mama, seio, câncer de mama - iStock - iStock
Homens e mulheres devem fazer mamografia
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Luana* tem 33 anos e se apresenta com uma pessoa de gênero fluido. Não fez transição, mas tomou hormônio e testosterona por dois anos e meio com acompanhamento de um endocrinologista.

"Minha ideia não era fazer transição para o gênero masculino e, sim, ficar no gênero não binário, mas tive muitas mudanças corporais, principalmente a voz e os músculos", explica.

Luana conta que sempre fez exames preventivos, principalmente por fazer uso de hormônio. Segundo ela, há dois anos, sentiu um caroço na mama. Fez uma ultrassonografia e, de fato, apareceu um nódulo. Foi a três médicos e todos avaliaram como um nódulo benigno e pediram que ela repetisse o exame em seis meses, mas já bem preocupada com os cuidados com sua saúde, refez o exame em três meses.

O nódulo já havia mudado de tamanho e os médicos continuaram dizendo que era benigno e que ela deveria manter o acompanhamento.

Durante esse período dos exames, Luana parou de usar hormônios por opção própria e voltou a um endocrinologista para fazer novos exames e checar se precisava de alguma suplementação.

Nessa consulta o médico pediu uma ultrassonografia de mama. Como Luana já tinha em mãos o exame, mostrou o resultado e disse ao médico que estava acompanhando um nódulo no seio. Foi aí que esse médico pediu uma mamografia e uma punção para ver o que era de fato.

Nesses exames veio o diagnóstico do câncer de mama. Hoje, Luana está em tratamento oncológico e por enquanto faz sessões de quimioterapia. O próximo passo será cirurgia e depois radioterapia.

"O mais importante é, para além das pessoas trans, pessoas jovens terem consciência de que o câncer é algo que não atinge só mulheres acima dos 40 anos. Acho que a medicina preventiva é muito precária. Ela deveria ser mais aberta e incluir todos os tipos de corpos. Corpos trans e principalmente pessoas mais jovens. Meu nódulo tomou uma proporção tão grande que não estava mais na mama. Tive uma metástase locorregional [tumores que já envolvem linfonodos ou tecidos próximos do tumor original]. Meu caso já estava bem avançado quando foi diagnosticado", relembra.

Prevenção do câncer de mama

Thammy Miranda - Reprodução/Instagram - Reprodução/Instagram
Thammy Miranda é vereador na cidade de São Paulo
Imagem: Reprodução/Instagram

Thammy Miranda, 39, vereador da cidade de São Paulo, tornou-se um homem trans aos 32 anos e, nesse processo, passou pela mamoplastia redutora e hormonioterapia.

Segundo ele, seus cuidados com a saúde sempre existiram e, após sua transição, ele mantém seus exames preventivos sempre em dia.

"Nunca tive dificuldades para marcar meus exames, mas sei que muitos trans acabam tendo certas barreiras para uma questão que é importante e que deveria ser acessível a todos: o acesso a saúde", fala.

Quando fazer exames de mama?

No caso de mulheres trans, o uso de hormônios para induzir mudanças físicas, principalmente o aumento das mamas, pode gerar um aumento do risco de câncer na região. As mulheres trans devem fazer o mesmo rastreamento que as mulheres cis, ou seja, mamografia anual e exame físico a partir dos 40 anos, conforme recomenda a SBM (Sociedade Brasileira de Mastologia).

Já homens trans que passam pela mastectomia (retirada das mamas) não anulam por completo o risco de câncer, embora ele seja reduzido. Consultas periódicas também devem ser incentivadas se houver risco genético hereditário identificado. A mamografia fica tecnicamente prejudicada pelo escasso tecido mamário, mas uma ultrassonografia pode ser realizada.

Em homens trans não submetidos a mastectomia, é recomendada a realização de exame clínico periódico e mamografia após os 40 anos de idade. A ultrassonografia mamária ou até mesmo a ressonância magnética das mamas com contraste pode ser indicada se aparecer alguma anormalidade clínica.

E o câncer de próstata?

Lana Santucci, personagem de VB - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Lana passou por um constrangimento ao fazer um ultrassom de mamas
Imagem: Arquivo pessoal

A modelo Lana Santucci, 24, modelo, é uma mulher trans. Sua descoberta como trans aconteceu aos 19 anos e, segundo a modelo, seu corpo passou por grandes mudanças.

"Minha grande mudança foi a redistribuição de gordura corporal: o corpo começa a ficar com um formato feminino, com bumbum e cintura, o peito começa a crescer, as mamas começam a se desenvolver, o cabelo ficou diferente e até a pele ficou mais macia", recorda.

Para manter a saúde em dia, a modelo faz exercícios diariamente, não fuma e raramente bebe. A modelo acredita que esses bons hábitos façam muita diferença na sua boa saúde.

Há seis anos ela toma hormônios e nunca teve dificuldades em marcar seus exames, porém, em certa ocasião, esteve em um laboratório exclusivo de mulheres para fazer uma ultrassonografia de mama e o médico foi invasivo ao fazer perguntas desnecessárias e se mostrou despreparado para atender pessoas trans.

Lana se sentiu muito constrangida ao reportar o problema para a direção do laboratório.

Segundo o urologista Daniel Zylbersztejn, atualmente poucos serviços médicos, públicos ou privados, possuem uma estrutura adequada para absorver e dar atendimento específico à população trans. Existe desde 2011 uma política de saúde integral da população LGBTQIA+ desenvolvida para o SUS (Sistema Único de Saúde), porém ainda pouco implementada.

"É necessário que haja uma estrutura diferenciada para que as necessidades de saúde de homens e mulheres trans sejam atendidas com acolhimento, empatia e, claro, por profissionais que tenham expertise nesta população. Infelizmente a população trans ainda está a margem destes", lamenta o médico.

Já no caso dos homens que passaram pelo processo de adequação do gênero, a cirurgia não retira a próstata O fato de o homem ter realizado transição de gênero para mulher não a isenta de fazer os exames periódicos da próstata aos 50 anos ou até mesmo antes, caso haja histórico familiar positivo para a doença.

Nas cirurgias de redesignação sexual, a próstata geralmente não é retirada. Caso haja a retirada da próstata integralmente, o risco de ocorrer um tumor fica praticamente nulo, exceto se tenha permanecido algum resíduo de tecido prostático.

O uso hormonal a base de estrogênio ou de bloqueadores da testosterona de alguma forma reduzem o risco do câncer de próstata, porém vale lembrar que existem tumores de próstata que se desenvolvem independentemente da existência de androgênios. Desta maneira, o exame de toque retal e o PSA devem continuar sendo realizados de forma rotineira em mulheres trans.

Dados do Inca (Instituto Nacional do Câncer) mostram que o câncer de próstata é o segundo mais comum entre os homens (atrás apenas do câncer de pele não melanoma). O uso da terapia hormonal pode ter ação na próstata de diversas maneiras, reduzindo seu volume, evitando o crescimento ou até mesmo aumentando o seu tamanho, dependendo da terapia hormonal empregada.

Os inibidores da 5 alfa redutase, como a conhecida droga finasterida, podem reduzir o volume prostático em até 30%. O uso de estrogênios, hormônios usados para gerar os caracteres secundários femininos em mulheres trans, apesar de gerarem uma inibição na produção de testosterona, podem causar um aumento da próstata devido a receptores de estrogênios que geram proliferação de células prostáticas.

Já os bloqueadores hormonais ou até mesmo a retirada dos testículos geram uma redução importante de testosterona, bloqueando o crescimento prostático.

Fontes: Andressa Amorim, coordenadora do Núcleo Jovem da SBM-SP (Sociedade Brasileira de Mastologia - regional São Paulo), mastologista da equipe de investigação do Centro de Pesquisa Clínica do Hospital Pérola Byington em São Paulo; Daniel Suslik Zylbersztejn, urologista especializado em reprodução humana e coordenador médico do Fleury Fertilidade; e Ana Beatriz Albuquerque, mastologista do HUPE (Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Pernambuco) e vice-presidente da SBM-PE (Sociedade Brasileira de Mastologia - regional Pernambuco).

*O nome foi trocado a pedido da entrevistada