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Equilíbrio

Cuidar da mente para uma vida mais harmônica


Após puxar brigas e ser esfaqueado, ele mostra que dá para controlar raiva

Joachim já arranjou muita briga - Arquivo pessoal
Joachim já arranjou muita briga Imagem: Arquivo pessoal

Janaína Silva

Colaboração para o VivaBem

13/10/2022 04h00

A raiva faz parte da vida e é normal se irritar com algumas situações cotidianas de estresse e ameaça. O problema é quando ela sai do controle.

Joachim Kern, 46, hoje é paisagista, mas chegou a ter um comportamento extremamente explosivo. Nascido na Alemanha, ele se recorda da cultura existente na década de 1990, em que era predominante a banalização de brigas sem sentido e a violência recorrente.

Além disso, vinha de uma família disfuncional e, segundo ele, envolver-se em conflitos era comum, tendo até sido ferido com facadas em dois episódios.

Quando chegou ao Brasil, há 15 anos, ainda eram frequentes situações explosivas e raivosas. Trabalhava como chef de cozinha, cujo ambiente, diz Joachim, apresenta muitos fatores que favorecem o temperamento colérico: calor excessivo, barulho, horas exaustivas de trabalho em pé e o cansaço.

A raiva em si não causaria malefício algum ao organismo, entretanto, o excesso é prejudicial. A pessoa raivosa, que vive constantemente irada e enraivecida, acaba sofrendo os efeitos que essa sensação desencadeia no corpo, como alterações hormonais e dos neurotransmissores, como adrenalina, noradrenalina e cortisol.

Esse desequilíbrio prejudica o sistema imune, eleva o risco de diabetes, infarto, AVC, de ter ansiedade, depressão, problemas digestórios, dor de cabeça e muscular, problemas de sono e ganho de peso.

Sem contar os problemas sociais, provocando o afastamento entre as pessoas e dificultando os relacionamentos.

Quando a raiva é transtorno mental

Quando a pessoa tem explosões de raiva com frequência, cerca de duas a três vezes por semana, durante, mais ou menos, três meses, há suspeita de que ela sofra de um transtorno chamado TEI (transtorno explosivo intermitente).

Nesse caso, a situação que leva ao sentimento geralmente é desproporcional à explosão de fúria apresentada, a pessoa não breca seus ímpetos, podendo quebrar alguma coisa, objetos, jogar coisas no chão ou perder o controle sobre a agressividade verbal ou até mesmo física. De acordo com a Associação Americana de Psiquiatria, os episódios podem resultar em prejuízos à vida em geral, incluindo consequências financeiras ou legais.

Com base em dados de pesquisas de saúde mental de 17 países, um estudo, publicado em 2020, identificou que o TEI tem relação com a ansiedade e transtorno bipolar e que entre os muitos fatores de risco estão ser do sexo masculino, jovem, desempregado, solteiro, ter menor escolaridade e ser vítima de violência física ou sexual.

Normalmente, a pessoa que tem o transtorno, após as crises, acaba se arrependendo do ocorrido. Ela se dá conta que o evento foi totalmente desproporcional e se sente mal, desconfortável e tem medo de o problema ocorrer outras vezes.

O tratamento é feito com a ajuda de um psicólogo ou psiquiatra. Ao seguir o tratamento corretamente, o transtorno é controlado, podendo voltar em alguns momentos, mas não com a mesma intensidade que antes.

Como se livrar da raiva excessiva?

Quando não é considerada um transtorno, a raiva também pode ser controlada. O auxílio psicoterapêutico pode ajudar, mas no caso de Joachim, as modificações foram graduais, sem a ajuda profissional. A mudança para o interior, adoção de um novo estilo de vida, com alterações de horários, redução do consumo de bebidas alcoólicas, carnes e embutidos contribuíram para que o "Alemão", como é chamado, faça hoje parte da turma do "deixa disso", saindo de discussões e possíveis desentendimentos.

Vivendo em São Roque (SP), casado e pai de três filhas, ele conta que a chegada das meninas trouxe mais disciplina, responsabilidade e foco.

joachim kern - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Joachim e as filhas
Imagem: Arquivo pessoal

A transição de carreira também foi crucial para deixar a ira definitivamente de lado: a proximidade com a natureza e uma atividade com a qual se identifica e se sente bem. Paisagista, ele faz o que gosta, cuida das plantas, da terra e faz construções com madeira.

Além disso, a espiritualidade e a música tiveram papel importante na conquista de mais serenidade e de aceitação. Fã de Bob Marley, Joachim conta que suas músicas o ajudaram a ter um olhar diferente sobre o mundo.

A questão é saber equilibrar os sentimentos. "Existem as pessoas que explodem e as que implodem, que são as que não demonstram, não possuem a via de escape e não conseguem manejar as questões de forma mais saudável. Os que demonstram a emoção de forma mais naturalizada não ficam com os sentimentos reverberando dentro delas", diz Apoenna Noronha, psicóloga clínica-hospitalar sanitarista do Hupes (Hospital Universitário Professor Edgard Santos) da UFBA (Universidade Federal da Bahia), ligado à EBserh (Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares).

Para aprender a manifestar melhor a raiva, ganhar mais qualidade de vida e evitar os desgastes energéticos gerados pelo comportamento excessivo, algumas dicas podem ajudar:

  1. Aceite que a raiva é uma emoção natural, comum a todas as pessoas;
  2. Identifique os focos que geram a raiva --cada um tem o seu gatilho, mas um dos mais comuns é a dificuldade de lidar com a frustração;
  3. Questione e reflita se o sentimento e a sua exteriorização são compatíveis com a sua vida e estão condizentes com o desgaste físico e mental gerado;
  4. Conscientize-se de que é possível ser feliz mesmo quando as coisas não são do jeito que nós gostaríamos;
  5. Aprenda, com as situações já vividas, a relevar quando alguém ou alguma coisa traz contrariedade;
  6. Identifique uma maneira mais sadia para expressá-la;
  7. Pratique esportes para auxiliar na canalização da raiva;
  8. Busque o autoconhecimento com auxílio terapêutico, como a terapia cognitiva-comportamental;
  9. Medite: prestar atenção na respiração e acalmar a mente ajudam a ter mais clareza das emoções.

Fontes: Alaor Carlos de Oliveira Neto, psiquiatra do Hospital Alemão Oswaldo Cruz; Apoenna Noronha, psicóloga clínica - hospitalar sanitarista do Hupes (Hospital Universitário Professor Edgard Santos) da UFBA (Universidade Federal da Bahia), ligado à EBserh (Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares); Suzana Pacheco Avezum, diretora executiva do Departamento de Psicologia da Socesp (Sociedade de Cardiologia do Estado de São Paulo).