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'Herdei o pior da minha família': entenda o fator genético da depressão

Ter casos na família aumenta o risco para a doença - iStock
Ter casos na família aumenta o risco para a doença Imagem: iStock

Do VivaBem, em São Paulo

14/10/2022 04h00

Vera*, 55, convive com a depressão há 38 anos. Mas viver com o transtorno não é uma exclusividade dela em sua família. Irmãos, primos, avós, mãe, pai e a filha tiveram suspeita ou ao menos um episódio de depressão.

A carioca acredita que a raiz do problema está na genética. "Uma médica me disse que é algo da família. A depressão está, pelo que eu entendo, dentro da gente", afirma.

Há mesmo um peso genético na depressão, mas ainda não se sabe qual. Pesquisas sobre as causas da doença ainda são inconclusivas, já que a doença não tem um molde e é resultado de alterações diversas —sejam emocionais e/ou biológicas— individuais.

É por isso que o diagnóstico da doença é clínico, por meio da avaliação dos sintomas e sentimentos da pessoa, sem um exame que identifique componentes celulares para caracterizar a doença.

"Isso é um problema de família"

Vera é filha única do segundo casamento da mãe e, até o fim da adolescência, morou com os três meios-irmãos frutos da primeira relação. A convivência nunca foi boa, mas ficou insustentável na década de 1980, quando um deles tentou abusá-la.

tristeza - iStock - iStock
"Para mim, qualquer problema que surge na vida me faz lembrar de um passado pesado"
Imagem: iStock

Os familiares não acreditaram de início, mas ela conseguiu comprovar a queixa. Após isso, recebeu auxílio de médicos e foi diagnosticada com depressão. "Tomei remédios e lembro de ficar em cima do telhado da nossa casa, porque não conseguia dormir. Depois, a vida foi seguindo com altos e baixos, e concluo que os problemas que passei não me deixavam ficar bem."

Durante a vida, dores causadas por conflitos familiares se misturaram ao luto pelo fim do casamento e às perdas sucessivas na família. O pai morreu no início de dezembro de 1999, após descobrir ter câncer em estágio avançado no intestino e no fígado. Durante a internação, ele também recebeu o diagnóstico de depressão.

Meu pai, como homem, forçava-se a não se mostrar doente ou vulnerável, mas o médico informou o estado depressivo na última internação

Três semanas depois, um novo baque: a mãe morreu de infarto fulminante enquanto preparava o jantar. Vera lembra que ela teve depressão e chegou a tratá-la com medicamentos. "Minha mãe amava música. Na minha infância, ela cantava, cantava e de repente começava a chorar. Tenho essas lembranças tristes."

A morte de um dos sobrinhos, que morava com ela, foi outro revés. Ele tinha 26 anos e cometeu suicídio em 2016. Depois disso, Vera viajou ao Espírito Santo, estado natal de sua família, a convite de uma prima. Por lá, elas repassaram o histórico de situações semelhantes na família, e Vera entendeu a complexidade. "Minha prima me disse: 'Eu quis te trazer aqui para você ver que isso é um problema de família. São muitos casos parecidos'."

Como não ficar deprimido? A pessoa fica feliz como? Eu herdei o pior da minha família, você só recebe a parte ruim

Hoje, Vera vive um dia de cada vez e equilibra o tratamento da depressão com o de outras doenças, respostas ao estado emocional abalado. Entre elas: enxaqueca, hipertensão, fibromialgia e diabetes. "A depressão é uma doença que acaba com o corpo e a saúde, você vai tendo outros problemas."

Histórico familiar ajuda a compor diagnóstico

Entre os pesquisadores da depressão, há o consenso de que uma pessoa com casos da doença na família tem maior risco de tê-la. Por isso, a análise familiar é essencial para fazer o diagnóstico da doença.

"Não sabemos ainda quais são os genes envolvidos, porque não está tão delimitado e a doença é multifatorial. Estamos longe de tratar geneticamente", explica o psiquiatra Raphael Boechat, professor da UnB (Universidade de Brasília).

Em 2009, um grande estudo apresentado pela psicóloga alemã Terrie E. Moffitt, radicada nos EUA, em parceria com pesquisadores da Universidade de Auckland (Nova Zelândia) apontou que questionar o histórico familiar ajuda a identificar se o paciente tem mais risco à depressão.

Os resultados também indicaram que pessoas com casos da doença em familiares devem ser observadas com atenção caso apresentassem suspeita de comportamentos depressivos. Essa pesquisa acompanhou cerca de mil pessoas na Nova Zelândia durante 30 anos para mapear as saúdes física e mental. O rastreio começou nos anos 1972 e 1973, desde o nascimento dos participantes.

Os pesquisadores constataram ainda que quem tinha histórico de ansiedade ou dependência de drogas e/ou álcool na família estava mais suscetível a ter depressão. Esse risco é resultado da dinâmica de co-herdabilidade entre as condições mentais.

"Isso quer dizer que as doenças compartilham genes predisponentes entre si. Uma pessoa que tem depressão tem risco maior de ter um filho com depressão, mas também com transtorno bipolar, transtorno de ansiedade", diz o psiquiatra Amaury Cantilino, doutor pela UFPE (Universidade Federal de Pernambuco). Ele acrescenta que a herança genética é intensificada quando os casos são em parentes de primeiro grau.

Outro ponto do estudo neozelandês é que a maior recorrência familiar apontaria para crises recorrentes na pessoa, causando prejuízo às atividades do dia a dia, além de maior risco a hospitalizações devido à depressão e necessidade de tratá-la com remédios.

A causa mais comum da depressão é de cunho genético - Getty Images - Getty Images
Pesquisadores ainda desconhecem as causas exatas da depressão
Imagem: Getty Images

Mas tem prevenção?

Não há como prever se uma pessoa vai desenvolver depressão ou outras condições de saúde mental, mesmo tendo muitos casos na família. No entanto, é possível adotar hábitos geralmente associados ao bem-estar emocional na tentativa de previni-la.

Segundo o psiquiatra Amaury Cantilino, é essencial cultivar uma vida significativa e com propósitos. Empenhar-se em atividades que façam sentido para a pessoa também ajuda, incluindo desenvolver hobbies, além de cuidar da alimentação e evitar o sedentarismo.

Assim como fazemos prevenção de infarto, deveríamos ter prevenção de eventos futuros de humor. Quem tem casos na família deveria fazer ainda mais, passa a ser prescrição. Carlos Cais, psiquiatra, doutor pela Unicamp (Universidade Estadual de Campinas) e sócio-fundador da healthtech Elibré Saúde Mental.

É o caso de adotar "adjuvantes que podem até ser considerados bobinhos", como descreve —entre eles, técnicas de relaxamento e suporte de aplicativos de saúde mental com evidência científica. Outro ponto é se afastar de fatores de risco, como rotinas intensas e o consumo de substâncias tóxicas.

Procure ajuda

Caso você tenha pensamentos suicidas, procure ajuda especializada como o CVV (www.cvv.org.br) e os Caps (Centros de Atenção Psicossocial) da sua cidade. O CVV funciona 24 horas por dia (inclusive aos feriados) pelo telefone 188, e também atende por e-mail, chat e pessoalmente. São mais de 120 postos de atendimento em todo o Brasil.

*Nome alterado para preservar a identidade da fonte.

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