'Ela queria me ver bem, mas não melhor que ela': quando terminar amizade?
Há amizades que são boas, duram anos a fio, mas ainda assim não escapam do término e um dia se desfazem, para surpresa de uma das partes. É o momento em que, parafraseando Caetano Veloso, o amigo é colocado na peneira e não passa.
Assim como os motivos por trás da formação de uma amizade são os mais variados, há diversas causas que podem levar ao seu término. Segundo especialistas em comportamento, na maioria das vezes, são situações que envolvem quebra de confiança, falta de cuidado com o outro ou o desequilíbrio na dedicação ao relacionamento.
A postura descuidada, entre outros motivos, levou uma amizade de mais de 30 anos a ser desfeita por Suzana Alves, 50, manicure. A decepção derradeira aconteceu quando, em meio aos preparativos do casamento de seu filho, houve um atraso na confecção dos convites, obrigando-a a levar o convite para a amiga em cima da hora. Para sua surpresa, a amiga não apenas não compareceu ao casamento, como publicou numa rede social que "Quando uma pessoa convida de última hora é porque não quer que a gente vá".
Chateada, Suzana resolveu fazer uma análise daqueles anos todos de uma amizade que ela valorizava e da qual havia relevado tanta coisa. "Acabei vendo que as coisas não eram bem como eu pensava. Vi que ela era uma pessoa que até queria me ver bem, mas não melhor que ela. Fui comentar com o meu filho que ela não era tão minha amiga assim e para a minha surpresa ele disse que eu tinha demorado demais para enxergar."
Ela encerrou a relação se afastando, até que, tempos depois, recebeu uma mensagem da antiga amiga pedindo uma reaproximação e enaltecendo os laços entre ambas durante aqueles anos todos. "Eu achei as palavras dela muito bonitas e aceitei retomar o contato, mas não é como antes. Abala, né? Só retomei porque ela voltou atrás e pediu, mas por mim não teríamos mais amizade."
Quando é melhor se afastar?
A quebra de confiança entre as pessoas está presente entre os principais motivos que levam à ruptura das relações de amizade, segundo Iolete Ribeiro, professora de psicologia da UFAM (Universidade Federal do Amazonas). Quando uma das pessoas deixa de acreditar que a outra deseja o bem dela e que, caso precise, não terá um ombro amigo, a relação fica abalada.
"Muitas vezes, o vínculo de confiança é quebrado não somente com ações direcionadas àquela pessoa dentro da amizade, mas também a outras pessoas ou situações em que valores comecem a ser questionados, como a honestidade ou a sinceridade. É quando, por conta de uma questão moral, o outro pode perder o lugar especial que tinha no relacionamento", diz.
Aliás, o desrespeito de limites do comportamento "sincericida", ou seja, quando um dos amigos age como dono da verdade, despejando as piores opiniões sobre o outro sem se preocupar em como ele irá se sentir também é um comum gatilho para o fim. Se o amigo que ouve tem um temperamento mais cordato, pode ser que suporte a situação durante algum tempo, mas a amizade poderá estar comprometida e vir a ser alvo de um "basta" em algum momento.
"Quando a gente perde o cuidado com as palavras, quando perde esse lugar de sensibilidade e da solidariedade, que é próprio dos amigos, a gente entra no campo da brutalidade, da hostilidade do mundo", diz Marina Assis, professora de pós-graduação de psicologia cognitiva da UFPE (Universidade Federal de Pernambuco).
E quando a amizade está, de alguma forma, ocupando um lugar de toxicidade, de depósito de algo difícil de suportar ou até de dependência, por não se conseguir se separar do outro, é hora de pensar sobre o sentido de manter a relação, diz Assis. "A ruptura seria uma medida extrema para quando os limites não são respeitados, como no caso de críticas que deveriam ser construtivas e que se tornam uma agressão."
O rompimento costuma ser mais doloroso quando se trata de uma relação de longa data, pois geralmente acontece algo inesperado que leva ao afastamento, podendo muitas vezes ser necessário um tempo para a pessoa elaborar a situação e seus próprios sentimentos, analisa Iolete Ribeiro.
"Já quando as pessoas ainda estão se conhecendo, elas ainda estão se descobrindo, criando uma representação em suas cabeças sobre quem é a outra pessoa, o que ela faz, quais são as referências dela. Então é mais fácil ir tomando a decisão se é alguém que se quer na vida dela ou não."
A microempresária Cátia Figueiroa, 46, decidiu se afastar da amiga por não concordar com a forma como ela agia com as outras pessoas. "Ela era esposa de um colega de trabalho do meu marido. Frequentava minha casa, era muito amiga minha", diz. "Mas ela tinha uma mentalidade diferente, da família muito rica, com soberba e cultura de humilhar empregados."
Após presenciar algumas situações, Cátia passou a cortar o relacionamento. "Eu me afastei, pensando: se ela faz com os outros, vai fazer comigo também, pois não é amiga de ninguém, não."
É hora de dar tchau
Há um equilíbrio que seria necessário nas relações entre amigos. Desse modo, amizades em geral deveriam ser pautadas pelo bem do próximo e só serem consideradas como tal quando não houvesse desequilíbrio na relação, diz Felipe Augusto Scavasin, mestre em psicologia clínica pela USP (Universidade de São Paulo) e especialista em saúde mental pela Unifesp (Universidade Federal de São Paulo).
Assim, os relacionamentos problemáticos, que são todos os que não fazem bem, que incluem atitudes de desrespeito e desconsideração, não deveriam ser classificados como amizade.
"Quando a gente fala de relações em que uma das pessoas sempre impõe sua vontade e tem pouca sensibilidade para com as demandas do outro, estamos falando que há uma disponibilidade amiga de uma pessoa para com a outra, mas não uma relação de amizade", diz Scavasin. "É que, nesse caso, a relação está a serviço dela e ela não desenvolve um campo de empatia e de afetividade para com a outra pessoa."
Um outro tipo de equívoco nas relações, que seria fruto da banalização das relações nas redes sociais, tem sido o de jovens que estariam confundindo amizade com o hábito de compartilhamento de intimidade. "Eles compartilham situações íntimas, mas que não necessariamente estão atreladas à empatia, ao bem do outro e de si mesmos. São casos em que é preciso resgatar o conceito de amizade junto a esses jovens, mostrando que um deve querer o bem do outro", diz o especialista.
Quando se chega à conclusão de que é preciso romper com um amigo nocivo e existe uma relação de dependência dele, apenas a vontade de se afastar pode não ser o bastante. "Às vezes, a pessoa da qual eu preciso me afastar é um amigo com que eu sempre contei para tudo e, se eu tirá-lo da minha vida, ela vai ficar vazia", diz Scavasin.
Apesar de haver grande quantidade de informações disponíveis, como conselhos sobre como se livrar de uma relação abusiva, o que de fato ajuda alguém nessa situação é desenvolver uma nova companhia. O caminho mais viável seria encontrar outros apoios ou espaços que permitam a pessoa a sair desse modo de amizade ou criar outra forma de se relacionar com ela. Assim, em vez de dizer "eu tenho que sair dessa amizade", vale mais buscar ajuda para encontrar outros campos de relacionamento, para que aquela relação ruim não se faça mais necessária.
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