Transplante de medula tinha fila imensa, agora não mais: leia 3 relatos
O transplante de medula óssea é chamado mais recentemente de transplante de células-tronco hematopoiéticas, como explica Adriana Seber, hematologista, oncopediatra e coordenadora de TMO (Transplante de Medula Óssea) do Hospital do Graacc (Grupo de Apoio ao Adolescente e à Criança com Câncer): "É porque são as células que produzem, na medula óssea, o sangue que corre em nossas veias. No interior dos nossos ossos, são as jovens células-tronco responsáveis pela produção sanguínea, de forma contínua, durante toda a vida."
E diferente do que você talvez pense, não precisa ser 100% compatível para ocorrer um transplante. Os avanços das pesquisas já permitem realizar a doação de medula óssea com 50% de compatibilidade entre quem doa e quem recebe: é chamado de haploidêntico, em que parentes são os doadores, e amplia as chances de cura.
"De pai pra filho, de filho pra pai e entre irmãos que não são completamente compatíveis. Hoje em dia, quase todo mundo tem doador. É raro alguém que não tenha, o que ocorre quando não há compatível no banco de medula, a pessoa não tem família ou é adotada", afirma a médica.
Antes, era uma fila imensa de muitos anos para se conseguir um doador. Segundo Seber, agora, não mais. "O principal gargalo é o SUS (Sistema Único de Saúde), que possui poucos leitos para o transplante."
Os resultados desse tipo de procedimento são comparáveis ao resultado de um 100% compatível do banco de medula, mas não são indicados para todos os tipos de casos, segundo Virgílio Farnese, médico hematologista do HC-UFU (Hospital de Clínicas da Universidade Federal de Uberlândia).
Outra vantagem é a rapidez nos casos de urgência. No estudo "Comparação entre transplante haploidêntico e transplante com doador não-aparentado em pacientes com doenças hematológicas", publicado em 2021 pelo médico hematologista Leonardo Javier Arcuri, pela ENSP (Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca), da Fiocruz, confirmou-se resultados iguais entre o haploidêntico e o de não-aparentado em termos de sobrevida, mortalidade não relacionada à recaída e recaída.
Os outros tipos existentes de transplante de medula óssea são o autólogo e o alogênico. No autólogo, as próprias células-tronco hematopoiéticas do paciente são removidas e, então, armazenadas para posterior uso. Após a quimioterapia ou a radiação estar finalizada, as células colhidas são infundidas no paciente.
No transplante alogênico, as células-tronco hematopoiéticas vêm de um doador, idealmente um irmão ou irmã com uma composição genética semelhante. Se o paciente não tem um doador aparentado compatível, medula óssea de uma pessoa não aparentada e com uma composição genética semelhante pode ser usada.
Medula que veio dos EUA
Thaiza Borges de Santana Reis, hoje com 12 anos, em 2015 encontrou um doador no banco mundial de medula que era compatível com ela. A menina teve sarcoma de Ewing —um tipo de câncer ósseo—, aos 3 anos, e antes da última quimioterapia foi constatado que ela estava com leucemia mieloide aguda e precisava de um transplante de medula. À época, a história dela foi contada em Universa.
Nesse caso, o doador foi um norte-americano que havia feito o cadastro em um mutirão realizado na universidade em que estudava: Eric Williamson. Ele veio ao Brasil em 2019 para conhecer Thaiza e sua família.
A medula foi extraída nos EUA e, segundo Cristiane Reis, mãe da menina, todo o trabalho foi coordenado e cronometrado para que chegasse a tempo de ser transfundida em Thaiza, no hospital do Graacc, seguindo todos os protocolos.
No caso dele, a medula foi retirada direto do osso e ele comparou o incômodo que sentiu durante uma semana como se tivesse caído sentado. Nas palavras de Cristiane, muitos acreditam que é uma cirurgia, mas nada mais é do que uma bolsa de sangue que chega e é transfundida no paciente.
Com filho recém-nascido, ela descobriu câncer
Lívia Mendes Borges Colombari teve mieloma múltiplo —câncer maligno que tem início na medula óssea— e se submeteu ao transplante autólogo.
Foi o surgimento de um edema no rosto, que cresceu de maneira acelerada quando estava no sétimo mês da gestação, que permitiu que ela descobrisse a doença.
"Com meu filho recém-nascido, então com apenas 20 dias, fiz a biópsia e logo obtive a confirmação de que era mieloma múltiplo. Foi possível amamentá-lo durante um mês e três dias, o tempo que levei para fazer a cirurgia e iniciar o tratamento", relata.
Em fevereiro de 2018, foi feita a retirada da medula, que é parecida à doação sanguínea. Na sequência, ela é levada para ser preparada para o transplante.
"Em março, fui internada para fazer a quimioterapia necessária e, no dia 14, o procedimento foi feito. Fiquei internada até o dia 24 do mês, dia em que minha medula pegou, que é como os médicos se referem quando ela passa a produzir as células do sangue em quantidades suficientes."
Hoje, seu filho Pedro tem 5 anos, ela faz acompanhamento médico e ainda toma algumas medicações. "Tive muita sorte, pois, apesar de estar grávida, o diagnóstico e o tratamento foram rápidos. Sei de outros pacientes que têm sequelas, como muitas dores e perda óssea, devido à demora."
Passava mal sempre após a mamadeira
Josué Kalebe, hoje com 7 anos, não havia completado dois anos ao ter o diagnóstico de meduloblastoma, tumor maligno e agressivo que atinge o sistema nervoso central.
Sua mãe, Gilvanete Inácio da Silva Sousa, lembra que os primeiros sintomas aconteciam sempre na parte da manhã após tomar mamadeira; ele vomitava e reclamava que doía a cabeça. Moradores da cidade de João Dourado, no interior da Bahia, os pais levaram o garoto a consultas, mas o pediatra dizia que era virose, passava analgésicos, mas os sintomas não passavam.
"Tiramos férias e fomos à Brasília visitar meu irmão que ainda não conhecia Josué. Durante a viagem, na casa e mesmo em passeios, ele continuava passando mal e só melhorava quando tomava remédio para náuseas e enjoos. Aconselhados pela sogra do meu irmão, fomos em busca de atendimento médico. No hospital, ele chegou bastante debilitado e foi encaminhado para fazer uma tomografia de cabeça que encontrou o tumor, que estava com 4 cm", conta a mãe.
A cirurgia foi feita no Hospital de Base do Distrito Federal e retirou todo o tumor, que foi levado à biópsia. Com o resultado de meduloblastoma, Josué foi encaminhado ao Graacc, em São Paulo, para iniciar o tratamento para a transfusão de medula óssea autóloga, que foi feito em maio de 2017, após quatro ciclos de quimioterapia.
Josué está curado, vem a São Paulo uma vez ao ano para exames de rotina, leva uma vida normal, com acompanhamento de profissionais, como fisioterapeutas e fonoaudiólogos, já que teve algumas sequelas pela localização do tumor.
Quando o transplante de medula óssea é indicado
O transplante de medula óssea é utilizado, principalmente, quando existe algum câncer de medula óssea. Os principais são leucemia, linfoma, mieloma múltiplo, mas também pode ser promovido em outras condições benignas, como anemia aplástica, que é uma doença na qual a medula perde a capacidade de produzir sangue.
"Outras patologias que também têm indicação são a anemia falciforme, que é bem prevalente no Brasil, a talassemia, em que há destruição dos glóbulos vermelhos que nascem defeituosos, e feito apenas em casos graves em crianças, alguns tumores sólidos, como o de testículo, nas situações em que não houve resposta por meio da quimioterapia, anemia de Fanconi e doenças imunológicas da infância", lista o hematologista do HC-UFU.
Ainda experimental, mas com estudos demonstrando a eficácia, há o transplante de medula óssea em pessoas com doenças autoimunes: esclerose múltipla, esclerose sistêmica, doença de Crohn e lúpus. "As indicações são para os casos em que as demais formas de tratamento não surtem mais efeito", informa Farnese.
O hematologista do HC-UFU explica que são raros os casos de rejeição, mas existe o que chamam de rejeição dupla. A primeira é quando o organismo do receptor rejeita a medula recebida; na segunda, ela, de uma hora para outra, começa a rejeitar o receptor. "São situações críticas que requerem muita atenção e controles tanto do doador quanto do preparo do receptor."
Como e quem pode doar
"A medula óssea é o único órgão que é doado em vida para uma pessoa que não conhecemos", afirma Farnese. A medula óssea é obtida de três maneiras.
Na primeira situação, ela é extraída por meio de uma agulha especial inserida dentro dos ossos da bacia do doador, sob anestesia, por equipe médica. A medula óssea é um líquido que é filtrado e transfundido no receptor via acesso venoso.
Outra forma é do sangue periférico, a medula é obtida por meio de processos específicos e medicamentos. As células progenitoras são separadas do sangue do doador e armazenadas em um uma bolsa para depois serem transfundidas no receptor.
A proveniente do cordão umbilical e da placenta é mais usada em crianças, pois as células-tronco presentes são em menor número. Além disso, segundo Farnese, elas diminuem ao longo do tempo, quando armazenadas, sendo necessários dois ou mais cordões.
O processo é simples e, praticamente, não oferece risco. "A principal questão é a segurança do doador. Uma vez encontrado ele vai ser convidado a doar, fará uma série de testes e exames, será orientado em relação aos sistemas de doação e decide ou não fazer a doação", esclarece Farnese.
Entre as características necessárias estão: adulto jovem, de 18 a 35 anos; se mulher, que nunca tenha engravidado, pois o organismo não produziu nenhum anticorpo em relação a outro ser.
Seber explica que a tipagem da medula varia de acordo com a ancestralidade e etnia e, no momento, no Brasil, são necessários cadastros de homens afrodescendentes. Outro lembrete dos médicos é para que, feito o cadastro, mantenha-o sempre atualizado, para que possa ser localizado com rapidez.
No site do Redome (Registro Nacional de Doadores Voluntários de Medula Óssea) estão disponíveis endereços dos hemocentros que realizam o cadastro de doador, bem como enfermidades que impossibilitam a doação, entre outras informações.
Além disso, pede Seber, é importante doar sangue. "Esses pacientes ficam em torno de um mês sem produzi-lo no organismo e necessitam de doação."
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