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Ignorar ou debater? Brasileiros lidam com fake news em grupos de família

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Do VivaBem, em São Paulo

21/10/2022 04h00

A discordância entre os familiares da publicitária Monique Rochneski, 26, foi tão intensa durante as eleições de 2018 que, neste ano, os parentes decidiram fazer um acordo para evitar novos conflitos no grupo em que a família troca mensagens pelo WhatsApp: não falar sobre política. Alguns membros, no entanto, não só ignoraram o combinado, como passaram os últimos meses espalhando fake news sobre os candidatos à presidência.

"Quase tudo que é enviado é fake news, principalmente os vídeos", diz a moradora de Giruá (RS), que afirma passar horas pesquisando e rebatendo, com notícias publicadas por veículos jornalísticos, todos os conteúdos falsos que recebe. "Eu não entro muito na discussão para tentar evitar as inimizades, mas elas acabam sendo inevitáveis, porque tem um grupo que leva as fake news como verdade e acaba se sentindo ofendido ao ser desmentido."

Embora não tenha se envolvido diretamente em brigas virtuais com a família, Monique afirma que ver alguns parentes com os quais conviveu a vida inteira reagindo com grosserias quando ela tenta debater faz com que a gaúcha tenha cada vez menos coragem de encontrá-los pessoalmente, por medo de que qualquer discordância gere um clima desconfortável.

Para ela, as relações familiares, desde 2018, ficaram "mais estremecidas" e, depois de 2022, "nunca mais serão como eram antes".

Corrigir familiares ou amigos sobre a desinformação que eles compartilham na internet pode ser exaustivo. A primeira recomendação de especialistas para preservar a saúde mental é não deixar o conteúdo enganoso no grupo de mensagens afetar sua rotina.

"Se aquele tio do WhatsApp mandou uma fake news às 23h e você vai dormir tarde só para desmentir, você dorme mal, afeta várias outras áreas da sua vida, enquanto ele vai dormir normalmente. Você não precisa olhar o grupo o dia inteiro", diz a psicanalista Paloma Carvalhar.

Também é importante evitar a comunicação violenta, já que isso não só pode causar brigas como é um meio considerado ineficaz para combater a desinformação, conforme explica Vanessa Flaborea Favaro, diretora dos ambulatórios do IPq-USP (Instituto de Psiquiatria da Universidade de São Paulo).

O aposentado Paulo Barros, 60, já se irritou tentando lidar com o tema no grupo da família, mas, quando a situação é estressante demais, ele diz que prefere deixá-los falando sozinhos. O lugar onde os parentes costumavam dizer 'bom dia' ou desejar feliz aniversário uns para os outros se tornou, em suas palavras, "um grupo chato, em que muitas pessoas que nunca falaram nada sobre política se tornaram os 'especialistas' no assunto do dia para a noite".

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Corrigir familiares ou amigos sobre a desinformação que eles compartilham na internet pode ser exaustivo
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Quando ele decide rebater, envia mensagens ou áudios para alertar sobre os conteúdos enganosos. A reação que vem logo em seguida é em cadeia: quem compartilhou a fake news e aqueles que concordam com a informação falsa começam a tentar defendê-la a todo custo.

Desmentir fake news é desafiador porque as pessoas tendem a acreditar em conteúdos enganosos que já tenham alguma relação com suas crenças pré-existentes —é o chamado viés de confirmação. Além disso, ao serem questionadas, elas podem reagir com uma espécie de mal-estar psicológico.

"Muitos estudos já mostraram que, se a gente reagir de um jeito agressivo, as pessoas vão devolver a agressão e ainda vão se apegar ainda mais às ideias dela", diz Favaro. "Assim como uma pessoa que está postando fake news está agindo pelo impulso, a gente precisa tomar cuidado para não reagir às fake news só para mostrar que estamos certos, o que pode machucar a outra pessoa".

Para evitar o clima de competição entre quem está certo e errado, a psiquiatra do IPq-USP recomenda apresentar as provas que desmentem o conteúdo —como matérias jornalísticas sobre o assunto— e, ao mesmo tempo, estar aberto ao que o outro tem a dizer. Mesmo que a pessoa perceba o próprio erro, lembra a psiquiatra, é preciso levar em conta que nem sempre ela irá, imediatamente, "dar o braço a torcer".

Além disso, pode ser que o seu familiar tenha compartilhado o conteúdo de maneira inconsciente, sem refletir. Na maioria das vezes, serão necessárias várias conversas até que o diálogo se estabeleça.

Ao invés de xingar ou ofender, a dica é falar sobre como você sente diante daquilo: "Quando você coloca fake news no grupo, eu me sinto desconfortável". Juntos, vocês podem chegar ao acordo, por exemplo, de que esse conteúdo não deve ser compartilhado no grupo —como tentaram fazer os parentes de Monique.

Nem sempre, contudo, haverá espaço para dialogar. "Se o outro não está disponível para o diálogo e está reagindo com grosseria, às vezes é melhor encerrar a conversa. É importante reconhecer nossos limites", destaca Suzana Livadias, chefe da Unidade de Atenção Psicossocial do HC-UFPE (Hospital das Clínicas da Universidade Federal do Pernambuco).

Quando os impactos na saúde mental de quem tenta refutar as fake news são muito significativos, silenciar ou sair do grupo são possíveis alternativas.

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Desmentir fake news é desafiador porque as pessoas tendem a acreditar em conteúdos enganosos que já tenham alguma relação com suas crenças pré-existentes
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Também vale pensar no tipo de vínculo que há entre você e o familiar que está incomodando e o quanto o comportamento ou posicionamento político dele interfere nessa relação.

Se é um parente mais distante, pode ser que deixar de ter contato virtual com aquela pessoa não lhe traga muitos prejuízos. Mas, se a pessoa é a sua mãe ou um irmão, por exemplo, e a relação vai além das telas, os especialistas afirmam que é importante avaliar o quanto você está disposto a relevar a situação para manter o relacionamento de pé ou até que ponto faz sentido se afastar durante o período eleitoral para evitar conflitos.

Em todos os casos, a recomendação é manter o respeito e se questionar se o comportamento da pessoa é mais importante do que a ligação que existe entre vocês.

"O posicionamento político fica mais em alta durante essa época das eleições, mas a gente tem que lembrar que essas avaliações sobre as pessoas com quem a gente se relaciona estão aí o ano inteiro e, geralmente, o posicionamento político de cada um de nós reflete a forma como a gente enxerga o mundo e a forma como a gente se comporta", diz Paloma Carvalhar. "São diferenças que a gente precisa aprender a lidar ao longo da vida, e não só nesse período", diz.

Entretanto, essa é a primeira vez que a vestibulanda Waleska Geovana, 17, está lidando com o conteúdo enganoso sendo compartilhado no grupo de sua família. Ela, que começou a se interessar por política nessas eleições, conta que uma de suas tias enviou uma imagem que mostrava um suposto tweet do candidato à presidência Luiz Inácio Lula da Silva (PT) afirmando que, se eleito, iria fechar as igrejas no país. A estudante checou a informação no Google e percebeu que o conteúdo era uma montagem.

Para evitar discussões, porém, ela decidiu fazer exatamente o que o autor da fake news havia feito com o candidato, só que com sua tia: criou um perfil fake no Twitter usando a foto e o nome da familiar e publicou um tweet em que ela afirmava declarar voto em Lula. Ao enviar a publicação para a tia, a mulher de 55 anos se surpreendeu. "Internet, terra sem lei", disse. Logo depois, a jovem apagou o perfil falso. "Eu quis mostrar para ela, usando o humor, que na internet a gente pode fazer tudo que quiser."