Jovens estão repensando o consumo de álcool: 'Nunca valia a pena'
Depois do aumento do consumo de álcool no início do isolamento social, tem despontado timidamente no Brasil uma tendência já conhecida nos Estados Unidos e Europa: o ato de experimentar passar períodos sem ingerir a substância.
A estudante Lara Drummond, 23, faz parte do grupo chamado "sober curious" (curiosos com a sobriedade, em tradução livre). Recentemente, ela começou a se questionar o quão diferente seria sua vida se parasse de beber no piloto automático. "Já perdi as contas de quantas vezes bebi só para me sentir inserida. Não queria ser considerada a careta da turma. Mas nunca valia a pena. Como consequência, me sentia culpada, impaciente, ansiosa", conta.
Cunhado pela escritora inglesa Ruby Warrington, o termo "sober curious" se refere a pessoas que não são dependentes químicas, mas querem experimentar a sensação de viver por determinado período longe de bebidas alcoólicas para perceber como seus organismos funcionam sem ressaca. Em seu livro "Sober Curious: The Blissful Sleep, Greater Focus, Limitless Presence, and Deep Connection Awaiting Us All on the Other Side of Alcohol", publicado em 2018, ela diz que a redução da ingestão de álcool é o próximo passo lógico na revolução do bem-estar, ressaltando o absurdo de um dia cheio de ioga e verduras, seguido por uma noite de surra no fígado no bar.
Quem experimenta ficar pelo menos 30 dias sem beber relata mudanças significativas na saúde física e mental. São inúmeros os benefícios: o corpo fica menos inchado, melhora na qualidade do sono, a pele fica mais bonita, há mais energia para realizar atividades, maior controle sobre as próprias decisões.
O que impulsiona essa tendência?
Beber sempre foi retratado como a melhor maneira de se divertir. No entanto, algo vem mudando nesse cenário. O consumo de bebidas alcoólicas entre jovens de países como Alemanha, Inglaterra e Estados Unidos está em queda há mais de 20 anos. No Brasil, um levantamento de 2021 do Ministério da Saúde surpreendeu ao revelar que os jovens entre 18 e 24 anos estão bebendo menos. A taxa ficou em 19,28% —a menor registrada em sete anos.
Definir um fator por trás dessa queda é impossível, mas uma das teorias envolve o uso das tecnologias. O receio de ter seus momentos de embriaguez expostos na web pode ser uma das justificativas que levam os jovens a serem mais cautelosos com a bebida.
Ainda há, segundo o psiquiatra Arthur Guerra, presidente do Cisa (Centro de Informações sobre Saúde e Álcool), duas hipóteses que podem explicar esse fenômeno. Uma delas é de que as pessoas estão tornando o consumo de álcool menos importante em suas atividades, seja por uma maior preocupação com a saúde, seja como resultado da observação de que alguns efeitos não são desejáveis, motivando a adoção da moderação ou até da abstenção.
A outra sugere que o aumento da disponibilidade de outras drogas, como maconha, MDMA e LSD, faz com que o álcool entre em competição. "Ambas são hipóteses e não ainda não há evidências muito sólidas para concluir uma em favor da outra. Além disso, é possível —e até provável— que elas estejam ocorrendo ao mesmo tempo", ressalta.
Álcool não soluciona problemas nem funciona como fuga
Em relato sobre sua experiência de ficar 30 dias sem álcool, Nicole Vendramini, co-fundadora da Holistix, conta que o real problema da sua relação com o álcool está na motivação que tem para beber. "Às vezes, só quero relaxar depois de uma semana intensa e ele pode, sim, ser uma ferramenta. Mas, muitas e muitas vezes, é uma fuga do mundo real", diz.
Nicole conta que o álcool pode ser o preenchimento de um vazio e, no seu caso, uma necessidade de se desconectar de suas questões ou de se descolar do que está acontecendo. "A conclusão é que beber não só não me ajuda em nada a tratar a causa raiz desses gatilhos, como me leva para mais longe de uma potencial solução", afirma.
Arthur Guerra explica que o álcool pode funcionar como uma espécie de fuga, um recurso equivocado para lidar com problemas do dia a dia. "Usar a bebida dessa forma pode nos deixar insensíveis para possíveis problemas de saúde mental subjacentes, como ansiedade, depressão, fobia, além de uma vida estressante e sem espaço para relaxar e ter prazer", enfatiza.
E é aí que caímos em uma armadilha: o álcool nos dá a impressão de que relaxa, de que ajuda no sono, de que é uma boa maneira de socializar, entre outras coisas. "Se consumido moderadamente, pode até ser verdade para algumas pessoas, mas geralmente ele causa mais dano ao nosso organismo do que benefícios. É mais fácil beber uma taça de vinho no fim do dia do que procurar implementar mudanças efetivas na sua vida que vão lhe proporcionar bem-estar. Mas não se iluda: somente essas mudanças é que podem lhe trazer maior contentamento", destaca o especialista.
Para Jorge Jaber, psiquiatra formado em medicina pela UERJ (Universidade do Estado do Rio de Janeiro), tratar a bebida pelo diminutivo, de uma forma "carinhosa", chamando de "cervejinha", "vinhozinho" é uma maneira de camuflar o problema. "Há, embutido nesse comportamento, um mecanismo humano de negação e de minimização da questão, propagando a ideia de que beber álcool não faz mal", diz.
Aliás, por muito tempo acreditou-se que o consumo moderado de álcool protegia contra doenças cardiovasculares. Mas o fato é que pesquisas já concluíram que não há limite seguro para a ingestão de bebidas alcoólicas. Ou seja, nem mesmo aquela famosa taça de vinho prescrita pelo bem do coração supera os malefícios, como aumento no risco de câncer e outros males.
Passos para o consumo consciente
Algumas sugestões para quem quer pensar em uma redução de consumo:
Faça uma pausa e avalie
Nicole conta que antes de decidir o que e se ela vai beber algo, ela se questiona de onde realmente vem essa sede. "Se me sinto no eixo, vou em frente. Se não, paro três minutos para escrever sobre o que estou sentindo ou respirar fundo (nem que seja no banheiro do bar) para pelo menos identificar minha motivação de fato. A chance de exageros depois de uma parada estratégica é infinitamente menor", afirma.
Estabeleça um plano
Planeje com antecedência o que e quanto beberá antes de um evento. Outras dicas:
- beba ao lado de um amigo que também pratica o consumo consciente;
- certifique-se de comer enquanto bebe;
- redobre a ingestão de água;
- peça ao barman para usar metade da quantidade de álcool em um coquetel.
Escolha com sabedoria
Opte por bebidas com baixo teor alcoólico e porções menores. Além disso, não mantenha álcool em casa, reserve o consumo para ocasiões específicas, como uma festa ou em um restaurante.
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