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Como em 'Terrifier 2': por que alguns passam mal vendo filme de terror?

"Terrifier 2" estreou no início do mês nos Estados Unidos - Divulgação
'Terrifier 2' estreou no início do mês nos Estados Unidos Imagem: Divulgação

Flávia Santucci

Colaboração para o VivaBem

31/10/2022 04h00

No começo deste mês, o filme "Terrifier 2" se tornou assunto após relatos de pessoas que passaram mal ao assistir ao longa, nos Estados Unidos. As cenas de violência e repletas de sangue —como uma em que uma mulher é repartida ao meio— fizeram pessoas vomitarem, desmaiarem e até saírem de ambulância do cinema.

Por mais exagerado que pareça, o medo tem esse poder. Ele pode causar aumento de frequência cardíaca, respiração um pouco mais ofegante, olhar vidrado (com dilatação das pupilas), aumento de sudorese, tremor, náuseas, vômitos e até diarreia.

Mas além das reações físicas, há também as psicológicas. A administradora Denise Franceschi, 46, conta que uma série de terror de zumbis impactou sua vida anos atrás. Por semanas, ela teve crise de ansiedade, palpitações e sensação de medo e angústia constante.

"Imaginava situações de como eu reagiria, onde poderia ficar protegida, isolada. E o mais impensável: que armas eu precisava ter para me manter segura. Justo eu, que não consigo tocar em uma", diz.

Segundo Denise, foi traumático e ela não andava pela casa sem as luzes acesas. "Dormia tão encolhida, que acordava com dores no corpo."

O publicitário Rodnei Higa, 39, também teve uma experiência nada boa. Ele, que já não era fã do gênero, resolveu dar uma chance ao filme "Atividade Paranormal", de 2007, e se arrependeu.

"Foi uma situação extremamente tensa. Ao chegar em casa, acendi as luzes de todos os cômodos antes de chegar ao meu quarto. Depois disso, não assisti mais a nenhum título classificado como assustador", diz.

De acordo com Leonardo Morita, psiquiatra da BP - A Beneficência Portuguesa de São Paulo, é preciso cautela para ter acesso a esse tipo de conteúdo. Isso porque cenas chocantes demais podem impactar negativamente na saúde mental de uma pessoa.

"Conforme o tamanho desse estímulo, isso pode gerar um trauma e esse trauma pode gerar uma fobia. É uma reação orgânica natural que, só pela vivência, vai desencadear, através do sistema nervoso autônomo, algumas mudanças", explica.

Mulher toma susto, assustada, terror, aterrorizada - iStock - iStock
Sentir medo é normal, mas vale respeitar uma sensação de repulsa ao ver um filme de terror, para não causar traumas
Imagem: iStock

Mas por que isso acontece?

Psicólogo do Hospital Universitário Onofre Lopes, da UFRN (Universidade Federal do Rio Grande do Norte), Rodrigo Costa Oliveira explica que o medo é algo natural e um comportamento desejado.

"O medo é um conjunto de afetos que são naturais do ser humano. Todo ser humano tem medo e precisa ter medo. É também uma instrumentalização evolutiva. Se não fosse o medo, a gente não teria se preservado o suficiente para sobreviver enquanto espécie", diz.

Segundo ele, o que acontece é que existem pessoas mais e menos tolerantes a esse tipo de estímulo. "Depende de como ela é exposta a esse tipo de conteúdo e da intensidade da exposição, se foi no contexto de susto, de curiosidade, de ameaça, pode se configurar em uma situação análoga ao trauma, que pode gerar sequelas ou reações inadequadas e intensificadas", explica.

Hoje com 23 anos, Raphael Santos, animador de eventos e influenciador digital, lembra-se muito bem da primeira vez que sentiu pânico assistindo a um filme que nem de terror era, aos 7 anos.

A experiência foi tão traumática que, passados mais de 15 anos, ele não consegue se desvencilhar do incômodo. "Nunca me atraiu filme de terror. Evito o máximo que puder, mas por insistência de amigos e do meu namorado, acabo cedendo. Quando pego para assistir com eles, fico me distraindo com outras coisas para não focar no filme, porque se começo a focar, fico bem desestruturado. Eu suo frio, fico até meio atordoado. Parece que dá uma caída na pressão", diz.

O que acontece com Raphael —e com todas as pessoas que também têm medo de filmes de terror— é uma ativação de estruturas do cérebro para o estado de alerta e pavor, como explica Fernando Gomes, neurocirurgião e professor livre docente do Hospital das Clínicas de São Paulo.

"As estruturas mais envolvidas nesse processo são as amígdalas cerebrais e o córtex frontal, e também o hipotálamo, provocando emoções como o medo, estado de alerta máximo causado pela expectativa", diz.

Gomes revela que o estado é passageiro, mas, por meio de um jogo progressivo de informações e estímulos sensoriais, a pessoa ainda pode ficar em alerta por um tempo, mesmo depois de o filme ter terminado.

"Assim que uma cena deixa de ocorrer, existe um alívio contrabalanceado pela ativação do sistema nervoso autônomo parassimpático", explica. Enquanto está vivendo a sensação, ainda pode haver minutos de desconforto, mas depois que acaba e começa a viver outras sensações e a ter outras experiências ao longo do dia, essas sensações novas vão ocupando a memória de curto prazo. "Isso vai melhorando e dando espaço aos novos momentos e vivências."

'Terrifier 2' - Divulgação - Divulgação
Para alegria de alguns, o filme 'Terrifier 2' não tem data de estreia no Brasil
Imagem: Divulgação

Respeite seu medo (e o dos outros)

Quem não gosta de filme de terror deve, obviamente, evitar assistir a esse tipo de gênero. Respeitar o que se está sentindo, nesse caso, é o que vai fazer a diferença e impedir que o medo se torne trauma.

"Se não quiser assistir, não assiste. A pessoa não deve se violentar nesse processo nem ser submetida a algo que não queira. Ninguém deve se expor a algo para o qual não está disponível, não está interessado, não está preparado, porque aí é violência", diz o psicólogo Rodrigo Costa Oliveira.

A psicóloga Ana Carolina Peroni, 42, é fã de filmes de terror. A última experiência não foi tão boa, mas ela não deve desistir de acompanhar títulos do gênero por conta disso. "A sensação foi de um desconforto muito grande, porque o filme toca em assuntos muito atuais, pertencer a algum grupo, não saber lidar com a frustração, aceitar algumas situações só para não ser mal visto. Fiquei tensa e desconfortável. Mas voltei ao normal no dia seguinte", diz.

Também fã do gênero, Oliveira revela que insistir nesse tipo de conteúdo pode ajudar a superar o medo. "Se a pessoa quer assistir, e assiste colocando a mão nos olhos, isso já é um avanço, já é algo importante. Ela está entrando em contato com esse medo, está enfrentando, está criando recursos naturais, saudáveis e internos para lidar com isso e, aos poucos, está se expondo a essa situação", diz.

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