Com fibrose cística, ela usa oxigênio o tempo todo: 'Vivo um dia por vez'
Até os três anos, a irmã mais velha de Jade Monte-Mor, Jéssica, não tinha problemas de saúde e levava uma vida normal como qualquer outra criança. Mas começaram a surgir sintomas que os médicos não conseguiam explicar.
Depois de muitos exames, a menina recebeu o diagnóstico de fibrose cística e toda a sua rotina familiar mudou. Foram várias internações seguidas e ao apresentar diversas complicações, ela morreu aos seis anos. Pouco tempo depois, Jade, 26, influenciadora digital de Taquara (RJ), também foi diagnosticada com a mesma doença. Abaixo, ela conta a sua história:
"Nasci em 1996 e minha irmã morreu quando eu tinha pouco mais de um ano.
Os médicos recomendaram que eu fizesse o teste genético e foi confirmado que eu também tinha fibrose cística, logo nos meus primeiros meses de vida.
Desde muito pequena comecei a ter o apoio de um trio fortalecedor: família, especialistas em pneumologia e fisioterapia. Isso garantiu que a doença não me atrapalhasse.
Durante a infância e a adolescência, sempre me mexi bastante, fazia atividades físicas, adorava brincar e correr e tinha um fôlego invejável. O único problema é que aconteciam muitas internações, que sempre foram longas. Em tempos de crise, chegava a ficar mais de 20 dias internada para que o tratamento com os antibióticos funcionasse.
Oxigênio 24 horas por dia e diversas complicações
Na adolescência, tive depressão e ansiedade e deixei de lado um pouco os cuidados com a doença. Parei por conta própria com os medicamentos, não me alimentava bem e vivia com dores de cabeça. Foi com a ajuda de psicólogos que entendi a importância da adesão ao tratamento.
A pior fase da minha vida foi quando tive chikungunya, em 2019. Aí meu mundo virou de ponta-cabeça, já que a minha doença se agravou bastante. A partir daí, precisei usar oxigênio 24 horas por dia e tudo mudou.
Além disso, em junho de 2022, fui diagnosticada com covid-19 e no meio da recuperação tive um episódio de hemoptise [eliminação de sangue do trato respiratório pela tosse] e aneurisma pulmonar.
Por conta disso tudo, precisei ficar internada para me recuperar das sequelas das doenças. Meus pulmões não aguentam caminhadas muito longas e, para meu conforto, muitas vezes uso cadeira de rodas para me locomover.
No meio desse caos, veio a esperança: consegui na Justiça o direito de usar um medicamento de alto custo que atua 'consertando' o gene defeituoso da fibrose cística.
Em breve, também pretendo realizar um transplante de pulmão, mas os médicos acreditam que apenas o medicamento já me ajude e talvez possa sair da fila do transplante, pois meus exames evoluíram, estou menos cansada e sem falta de ar.
No momento, faço reabilitação pulmonar e cada vez mais a litragem do oxigênio está diminuindo. Em breve, espero não precisar mais dele. É um dia de cada vez para vencer esta batalha."
Entenda a fibrose cística
A fibrose cística (ou mucoviscidose) é uma doença genética, ou seja, a criança já nasce com a condição. Provoca alteração na proteína que produz o muco e as enzimas digestivas, tornando-as mais espessas e prejudicando diversos órgãos.
Ela também é conhecida como a "doença do beijo salgado", já que o suor dessas pessoas apresenta grande quantidade de sal. Estima-se que atinja cerca de 70 mil indivíduos no mundo, portanto é considerada uma doença rara, além de crônica e progressiva.
"Este gene defeituoso faz com que o organismo produza uma secreção muito mais espessa que o normal, dificultando o funcionamento adequado dos sistemas afetados, principalmente o pulmão e o aparelho digestivo. O gene produz uma proteína defeituosa em diversos órgãos, provocando sintomas variados", explica Sônia Mayumi Chiba, pneumopediatra e responsável pelo centro de fibrose cística da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo).
A condição atinge, além do pulmão, órgãos como pâncreas, rins, fígado, estômago, intestino, além dos seios da face. A doença acontece quando os pais apresentam, cada um deles, um gene defeituoso da fibrose cística, ou seja, são portadores, mas não a desenvolvem.
Sintomas e diagnóstico da fibrose cística
Entre os sintomas da fibrose cística, destacam-se: chiado no peito, falta de ar, tosse crônica e pneumonia de repetição. Além de sintomas gastrointestinais, como a diarreia com fezes muito fétidas e gordurosas. Há ainda a dificuldade de crescer e ganhar peso, que se não tratada leva a desnutrição grave.
No entanto, os sintomas pulmonares (como a perda da função pulmonar) são responsáveis pela maior taxa de mortalidade.
"Na parte respiratória, por conta do muco ser mais espesso, favorece infecções de repetição. Geralmente, o indivíduo apresenta tosse crônica desde a infância, obstrução pulmonar e falta de ar, precisando de oxigênio domiciliar na fase mais avançada da doença. Às vezes, eles apresentam muita constipação e dificuldades para digerir os alimentos", afirma Ana Clara Vasconcelos, pneumologista do Hospital da Bahia.
O diagnóstico inicial é feito pela triagem neonatal (conhecido popularmente como teste do pezinho). Este exame identifica os recém-nascidos com suspeita de fibrose cística.
A confirmação é realizada por meio do teste do suor (que avalia a concentração de cloreto, um dos componentes do sal) e o exame genético, que mostra as mutações presentes nos genes.
Tratamento e recomendações
O tratamento varia de acordo com a gravidade dos sintomas. Geralmente, incluem medicamentos de alto custo para prevenir a progressão. Há ainda o uso de remédios que visam diminuir os desconfortos.
"Além disso, indica-se o uso de inalação com fluidificante —uma vez que as secreções pulmonares são viscosas e desidratadas— antibióticos inalatórios (ou orais) e fisioterapia respiratória. A dieta deve ser hipercalórica e a maioria dos pacientes faz reposição de enzimas pancreáticas em todas as refeições para melhorar a digestão e a absorção dos nutrientes", complementa Chiba.
Geralmente, a pessoa com fibrose cística faz o acompanhamento com diversos especialistas, como pneumologistas, gastroenterologistas, fisioterapeutas, nutricionistas e psicólogos.
Em alguns casos, quando há progressão da doença pulmonar e evolução para insuficiência respiratória, pode ser necessário o transplante de pulmão.
Expectativa de vida e avanços terapêuticos
As especialistas consultadas por VivaBem ressaltam que hoje em dia, devido ao tratamento avançado e por conta do diagnóstico precoce, as pessoas com fibrose cística normalmente chegam à fase adulta —antigamente a expectativa de vida era baixa, por volta de 15 anos.
Atualmente, o tratamento mais indicado para fibrose cística é o uso de moduladores do gene defeituoso CFTR (cystic fibrosis transmembrane conductance regulator), que são os remédios que atuam no defeito genético.
Quem tem acesso a este medicamento apresenta melhora na função pulmonar, diminui as internações e tem mais qualidade de vida, pois a doença deixa de avançar.
"Hoje em dia, é bastante importante saber detalhes sobre o tipo de mutação apresentada pelo paciente, já que estão surgindo medicamentos específicos e direcionados que agem diretamente na alteração genética", afirma Vasconcelos.
Ainda não há cura para a doença, mas o uso deste tipo de medicamento e outras medidas terapêuticas, como a fisioterapia pulmonar, ajudam os órgãos atingidos a funcionarem novamente de forma adequada. Portanto, o tratamento e acompanhamento médico devem ser realizados por toda vida.
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