Andava nas pontas dos pés e caía: mãe conta como descobriu doença do filho
Ao notar alguns atrasos no desenvolvimento motor do filho, a pedagoga Tássia Maria de Vasconcelos Furtado, 39, não entendia por que Rafael demorou para engatinhar, andava com as pontas dos pés e caía muito.
Durante anos, ela levou o menino a vários médicos, que diziam que ele não tinha nada. Insatisfeita, ela fez uma pesquisa na internet e achou sinais que indicavam que ele tinha uma doença relacionada à fraqueza muscular. Aos seis anos, Rafael fez exames específicos, foi diagnosticado com distrofia muscular de Duchenne (DMD) e Tássia também descobriu que tem a doença que é genética e degenerativa do tecido muscular. A seguir, ela conta a jornada do filho, que atualmente tem 18 anos:
"Desde os primeiros meses de vida notei que o Rafael tinha um atraso motor. Ele demorou para pegar objetos com as mãos, sentar e começou a engatinhar aos 11 meses. Levei essa preocupação ao pediatra que o acompanhava, mas ele disse que meu filho não tinha nada, que cada criança tem um ritmo e que era para eu aguardar mais um pouco.
Não concordei com a opinião dele e levei o Rafa a um ortopedista, mas o médico disse basicamente a mesma coisa que o pediatra.
Com 1 ano e meio, Rafael começou a andar, só que ele andava com as pontinhas dos pés. Na época, eu era professora de educação infantil, comparava o desenvolvimento motor do meu filho com o das outras crianças e sabia que tinha algo de errado.
De 1 ano e meio até os 3 anos, Rafa andava com dificuldade, de forma lenta e fazia um movimento como se estivesse rebolando, na tentativa de se equilibrar melhor. De 3 para 4 ele passou a ter quedas diárias. Faltava força e ele caía do nada.
Ele chorava porque quase sempre se machucava, ficava com as pernas e os joelhos roxinhos e arranhados. Além disso, ele não conseguia pular e nem correr direito.
Levei o Rafael a vários especialistas, alguns insistiam em dizer que não era nada, outros tinham algumas hipóteses. Um médico disse que ele caía porque tinha déficit de atenção. Um outro disse que eu estava superprotegendo meu filho e não deixava ele se desenvolver no tempo dele.
Esse mesmo médico disse que o Rafael caía porque não praticava atividade física, e me orientou a colocá-lo em uma escolinha de futebol para ele ficar "mais forte".
A ajuda da internet
Não fiquei satisfeita com a opinião de nenhum profissional e fui em busca de uma resposta na internet. Procurei algo relacionado a quedas frequentes de crianças e andar na ponta do pé. Entre os vários resultados que apareceram, me chamou atenção a forma como crianças com uma doença chamada distrofia muscular de Duchenne se movimentam para levantar do chão.
Elas usam as mãos para escalar o próprio corpo, a técnica é conhecida como a manobra de Gowers. Na hora chamei o Rafael e pedi para ele se sentar no chão e levantar, ele fez exatamente o mesmo movimento, o que me deixou muito angustiada.
Em meio a esse processo, achei uma pediatra e um ortopedista que concordaram comigo que o Rafa tinha algum atraso motor —na parte cognitiva, o desenvolvimento dele era normal.
Em uma das consultas, perguntei para a pediatra se o Rafa não poderia ter alguma fraqueza muscular. Ela disse que sim e nos encaminhou para uma colega neuropediatra que atende crianças com distrofia muscular.
Fomos até ela, contei todo o histórico do Rafael, ela fez o exame clínico e pediu alguns exames, entre eles o teste de dosagem da enzima CPK. Como o resultado deu alterado, a neuro nos deu um encaminhamento para o Rafael fazer um exame de DNA e, posteriormente foi necessária uma biópsia muscular para confirmar se ele tinha mesmo distrofia muscular de Duchenne.
Enfim, a confirmação
Moramos em Vitória, no Espírito Santo, mas fomos para São Paulo para ele realizar os exames no Centro de Estudos do Genoma Humano da Universidade de São Paulo. Em 2010, após dois anos de investigação, Rafael foi diagnosticado com distrofia muscular de Duchenne, uma doença degenerativa do tecido muscular e que não tem cura.
Após o diagnóstico aos 6 anos, eu e meu filho fizemos um exame genético, descobrimos que eu carrego o gene defeituoso, ou seja, tenho o gene e também tenho a doença, mas sou pouco sintomática, tenho uma leve fraqueza muscular —as mulheres raramente são sintomáticas, mas 20% podem ter comprometimento cardíaco.
Aos 7, Rafael iniciou o tratamento com uma equipe multidisciplinar para retardar a progressão da doença. Ele passou a tomar medicações específicas, como o corticoide, cardioprotetores, suplementos, a fazer fisioterapia, terapia ocupacional e acompanhamento psicológico.
Aos 9, ele perdeu completamente a força muscular dos membros inferiores e passou a usar cadeiras de rodas. Esse momento de transição foi bem tranquilo para ele porque eu e o psicólogo trabalhamos bem essa questão por dois anos.
Rafa gostou da ideia de usar cadeira de rodas, com ela tinha mais agilidade para se locomover, conforto e qualidade de vida. A cadeira não o limitou, ela o libertou. Antes, ele se machucava muito com as quedas e passava a maior parte do tempo parado no mesmo lugar.
No intervalo da escola, por exemplo, os amigos se revezavam para fazer companhia para ele enquanto os outros ficavam correndo no pátio. Com a cadeira, ele consegue acompanhar os amigos em quase todos os lugares. Aos 10 anos, ele passou a utilizar um modelo motorizado e ganhou ainda mais autonomia e independência.
Com o passar do tempo, a doença se intensificou nos membros superiores. Rafa não tem força para realizar algumas atividades cotidianas sozinho, como escrever, segurar o copo e pentear o cabelo.
Sempre converso com ele e digo que ele vai precisar de apoio e se adaptar para poder viver bem. Graças a Deus, ele concorda comigo, aceita ajuda, não fica reclamando, se considera uma pessoa feliz e lida bem com a DMD.
Atualmente, Rafa está com 18 anos e tem a vida como a de qualquer jovem da idade dele, mas com algumas limitações. Ele passeia, se diverte e adora jogar videogame com os amigos. Ele está no último ano do ensino médio, faz cursinho e pretende cursar direito em 2023."
O que é a distrofia muscular de Duchenne?
A distrofia muscular de Duchenne é uma doença genética e degenerativa do tecido muscular. Ela é causada por uma mutação no gene que sintetiza uma proteína da membrana da célula muscular, conhecida por distrofina.
A função da distrofina é o apoio e a conexão entre os elementos contráteis do músculo e a célula muscular. Essas conexões permitem que a célula se encurte durante a contração. Pela lesão da membrana, há entrada de cálcio dentro da célula. Esse mineral ativa enzimas que digerem a célula, como consequência há morte celular (necrose), e extensa reação inflamatória com tecido de cicatrização (fibrose).
Quais os sintomas?
Muitas vezes, os primeiros sinais são observados por um membro da família que percebe que algo está errado. Quem tem distrofia muscular pode ter um retardo no início do processo de andar. Há um aumento de tamanho do músculo da panturrilha, dificuldade em correr, saltar ou subir escadas.
As crianças caem facilmente e há uma tendência a andar na ponta dos pés. Elas também podem ter um atraso da linguagem. Um dos sinais clássicos é conhecido como manobra ou sinal de Gowers. É reconhecido quando o paciente usa as mãos e braços para escalar seu corpo quando precisa ficar na posição vertical. Isso ocorre devido à fraqueza dos quadris e dos músculos da coxa.
Diagnóstico e incidência
O diagnóstico é feito por meio de histórico clínico, da dosagem da enzima CK e pesquisa genética da estrutura do gene da distrofina, que requer amostra de sangue ou saliva.
A doença atinge predominantemente meninos, na proporção de 1 para cada 3.500 a 5.000 nascidos do sexo masculino. Em mulheres, é extremamente rara. Essa diferença decorre do padrão genético por tratar-se de uma herança recessiva ligada ao cromossomo X. Pelo fato de a mulher ter dois X, ocorre uma proteção pelo cromossomo X que contém o gene normal.
Não há cura para a condição. Porém com tratamento precoce e correto, a criança pode ter longevidade e qualidade de vida. Por ser uma doença que atinge vários setores do organismo, é necessária uma equipe multiprofissional atuando harmonicamente na reabilitação, que inclui fisioterapia motora e respiratória, terapia ocupacional, uso de órteses, ortodontia e fonoaudiologia.
Na esfera clínica, o tratamento pode ser feito com a prescrição de corticoides, proteção cardíaca e cuidados respiratórios.
Fonte: Ana Lúcia Langer, pediatra, presidente da Associação Paulista de Distrofia Muscular e autora do livro "Guia para Diagnóstico e Manejo Terapêutico da Distrofia Muscular de Duchenne".
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