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'Dormia e de madrugada gritava em desespero': entenda o terror noturno

Rafaela Andrade não se lembra de como eram os episódios - Arquivo pessoal
Rafaela Andrade não se lembra de como eram os episódios Imagem: Arquivo pessoal

Marcelo Testoni

Colaboração para VivaBem

12/11/2022 04h00

Muitas perguntas, olhares preocupados e idas ao pediatra são lembranças nítidas para Rafaela Andrade, 29, de São Paulo (SP). "Quando menina, por volta dos cinco anos, acredito ter sofrido de terror noturno. Não recebi um diagnóstico conclusivo, mas dormia e de madrugada gritava em desespero, sendo acudida logo em seguida por meus pais, que perdiam a noite", diz.

Rafaela não recorda dessa experiência (que em alguns casos ainda envolve olhos abertos e vidrados, tremores, falta de ar, choro), nem do teor dos pesadelos que tinha, o que é comum em quem apresenta esse distúrbio do sono. O problema é muito mais prevalente em crianças, embora jovens e adultos também possam apresentá-lo.

"Diziam ser sonambulismo, mas não é igual", continua Rafaela, que com o passar dos anos foi se informando sobre o terror noturno. Em comum, as duas condições podem envolver o falar, ver e se mexer enquanto dorme, mas a principal diferença é que o terror cursa com episódios de pânico e geralmente o indivíduo até pode se sentar na cama, mas não se levanta e anda.

Trauma e estresse podem ser causas

Mesmo sendo produtos do funcionamento mental inconsciente, os sonhos simulam experiências reais e representam emoções. Eles consolidam e processam informações recolhidas durante o dia, explica Júlio Barbosa, médico pela UFBA (Universidade Federal da Bahia) e neurocirurgião. Nesse sentido, quando terríficos, podem advir de situações estressantes ou traumáticas.

"Crianças que passam por experiências dolorosas, como acidentes, violências, separações podem ter medo, ansiedade e desejo de fuga, também manifestados durante o sono como perturbações noturnas", explica Barbosa, acrescentando que quanto mais duradouro o sofrimento, maior também o risco de desenvolvimento e incidência de terrores noturnos.

Rafaela diz ter trocado muito de escola quando menina. "Enfrentei uma fase difícil na infância, pois mudava frequentemente de cidade por conta do trabalho do meu pai, e perdia os amigos que fazia", diz. Mas as crises noturnas podem estar associadas ainda com vários outros fatores em estudo, como genética, hereditariedade, doenças do sistema nervoso, transtornos de humor, febre, fobias, apneia, bruxismo, alimentação pesada, impulsividade, medicamentos.

Como ajudar e se manter seguro?

Alguém que tem um ataque de terror dormindo geralmente não desperta, e entre segundos a minutos volta a relaxar como se nada tivesse ocorrido, explica Luiz Scocca, psiquiatra membro da APA (Associação Americana de Psiquiatria). Nessa situação, a mãe de Rafaela falava com ela em voz baixa, acalmando e passando a mão nela, com carinho. "É contraindicado tentar acordar e interagir, pois o sujeito fica violento, confuso, pode chutar, dar socos", diz Scocca.

Se o comportamento não cessar logo e envolver gestos agressivos enquanto se dorme, a família deve afastar objetos que possam oferecer riscos de cortes, quedas, esbarrões e ficar um pouco distante, para não se ferir com os reflexos de autodefesa, além de tentar evitar possíveis tentativas de fuga —quando o episódio é associado a uma crise de sonambulismo—, até o sujeito voltar a se acalmar.

Para tornar o quarto seguro, os pais podem pedir ao filho, antes de se deitar, que guarde seus brinquedos, e tomar mais algumas precauções, como trancar portas e janelas, guardar chaves, bloquear escadas, passagens e varandas e instalar uma babá eletrônica. Já adultos que moram só devem igualmente minimizar os riscos em casa e deixar vizinhos e portaria de sobreaviso.

Rafaela Andrade criança - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Rafaela sofria de terror noturno quando criança
Imagem: Arquivo pessoal

Com muita frequência é preciso tratar

Rafaela informa que suas manifestações de terror noturno eram esporádicas, ocorriam após intervalos de algumas semanas, com sintomas brandos e cessaram em poucos anos. "Não fiz nenhum tratamento específico, mas fui ao médico". Nesse caso, como de sonambulismo, podem ser consultados pediatra, psiquiatra, psicólogo, neurologista e especialistas em sono.

Quadros muito recorrentes, às vezes vários numa mesma noite, com sintomas fortes e que ultrapassem a adolescência, acabam demandando exames, como polissonografia (que analisa a qualidade e as doenças do sono) e tratamentos. Psicoterapia, chás calmantes de passiflora ou camomila e utilização de medicamentos, como ansiolíticos e antidepressivos são caminhos.

Terapia familiar também é bem-vinda quando o terror noturno prejudica aos pais, que podem ficar emocionalmente esgotados, com insônia. Complementarmente, a rotina no lar deve ser revista, sobretudo à noite, para facilitar um sono tranquilo, informa Wimer Bottura, psiquiatra pelo IPq-HCFMUSP (Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo).

"Assim, antes de dormir, devem ser evitados assuntos que causem medo, como sobre ovnis, fantasmas, brigas, situações de estresse, além de evitar dar detalhes à criança sobre como ela age fora de si, e garantir um ambiente protetor, de acolhimento, com os pais perto, conversando serenamente, e sem silêncio absoluto, pois causa sensação de abandono e pode assustar", conclui o médico.

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