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Saúde

Sintomas, prevenção e tratamentos para uma vida melhor


'Viver com fibromialgia é, no mês, ter um dia no paraíso e 29 no inferno'

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Imagem: iStock

Do VivaBem, em São Paulo

16/11/2022 04h00

Cada dia é uma guerra, uma batalha. Acordo e não sei se vou conseguir levantar da cama.

É assim que Mariana*, 34, define sua rotina depois de descobrir a fibromialgia, doença crônica que causa dor no corpo todo, além de sintomas como fadiga, alterações no sono, transtornos psicológicos e dificuldade de concentração e memória. Abaixo, leia o relato completo da enfermeira que vive em São Luís, no Maranhão, a VivaBem:

"Há cerca de 6 anos, comecei a ter alguns sintomas, que foram se agravando. Foi neste momento que recebi o diagnóstico, mas acho que tenho fibromialgia há muito mais tempo —tive alguns traumas de infância [os especialistas explicam que isso pode ser uma das causas].

Só que tive muita dificuldade de aceitar o diagnóstico. Sou enfermeira e trabalho com dor e saúde mental. Me imaginar assim foi o fim do mundo. Por isso, só em 2018 fui procurar ajuda para iniciar o tratamento da fibromialgia.

Não é nada fácil. Cada dia é uma guerra, uma batalha. Acordo e não sei se vou conseguir levantar da cama. Hoje, por exemplo, acordei com muita dor e cansaço. Isso tudo em uma rotina de 6 horas de trabalho e estudo.

Sempre fui muito produtiva. Era para eu ter finalizado meu doutorado há 2 anos, então, com fibromialgia, não consigo estudar, ler e trabalhar.

Impactos na saúde mental

Não tem como não impactar a saúde mental. A dor, por si só, paralisa. Chega uma hora em que você simplesmente aprende a conviver com ela. É todo dia, não para, então, faço com dor mesmo.

E não é só a dor. Sinto cansaço e meu sono é completamente afetado. É algo que te deixa muito debilitado. Tenho mais crises de ansiedade e depressão —e já trato tudo.

Tive momentos difíceis, de planejar meu suicídio porque não conseguia mais ver sentido, principalmente de ser quem eu era. Encarar limitações não é uma tarefa fácil. Quanto mais sintomas aparecem, mais impacto na saúde mental.

mulher sentada no chão, depressão, dor, tristeza, solidão, isolamento - iStock - iStock
Imagem: iStock

Ano passado tive uma crise de depressão após um gatilho emocional fortíssimo, e fiquei afastada por 5 meses.

No local em que trabalho, eles são muito compreensíveis, mas ficar longe é difícil. Apesar de ter ficado meses afastada, o INSS (Instituto Nacional do Seguro Social) só me pagou por 20 dias.

Viver com a fibromialgia é, em um mês, ter 1 dia no paraíso e outros 29 no inferno. Dói tudo.

Hoje, moro com minha mãe, que já é idosa. Se não fosse por ela, não estaria mais aqui. Sem o apoio da família, seria ainda mais difícil.

Há dias em que não consigo nem ao menos lavar minhas roupas íntimas. É muito frustrante, mas tento manter minha esperança viva, de que vou conseguir finalizar meu doutorado. É assim: uma montanha russa de emoções, às vezes, lá em cima, e outras, lá embaixo.

Remédios, terapia e atividade física

Desde que descobri, faço acompanhamento com um médico especialista em dor, o doutor João. Atualmente, uso alguns medicamentos para amenizar a dor, que é de difícil controle.

Um deles é feito por infusão, que ajuda a amenizá-la [entenda mais abaixo]. Era para ser algo semanal, mas por causa do plano de saúde, acaba sendo a cada 20 dias.

Às vezes, também utilizo adesivos de opioide, mas é apenas em último caso, quando não aguento mais.

Por isso, vou tentando lidar com dor, mas, de repente, ela aumenta de tal forma, que passo semanas com ela, e causa até uma queda do humor.

Então, sigo com as medicações tanto para dor, como as prescritas pelo psiquiatra, como antidepressivos. Além disso, faço terapia e procuro levar uma alimentação saudável. Tenho doença celíaca e sou alérgica ao glúten e, por isso, preciso de uma dieta equilibrada. Tudo isso ajuda.

Dor no pescoço, dor na nuca, enxaqueca - Klara Kulikova/Unsplash - Klara Kulikova/Unsplash
Imagem: Klara Kulikova/Unsplash

Na parte de atividade física, que é importante no tratamento, tento fazer algumas caminhadas e andar de bicicleta, mas é pouca coisa. Sair de casa já é um dilema. Quando vou caminhar, preciso parar no caminho para aguentar. Também faço ioga e meditação, e gosto muito de ouvir música.

Academia, inclusive, já tentei durante 3 meses, mas não consigo fazer, pioro muito. Fico de cama de depois. Mas ficar sem atividade física é ainda pior.

Gostaria que os profissionais de saúde fossem mais humanizados, mais atentos. Que eles soubessem acolher a dor porque ela é real e ela mata. E não é só a dor, mas outros sintomas também."

Dor no corpo todo: entenda a fibromialgia

A síndrome envolve um conjunto de sintomas, sendo o principal a dor difusa, tanto muscular como articular. "Às vezes, o paciente não consegue precisar ao certo em qual parte está doendo, mas geralmente são grandes áreas musculares", explica Ana Júlia Bicalho, reumatologista e professora da FCM-MG (Faculdade de Ciências Médicas de Minas Gerais).

De acordo com a médica, o local da dor varia de acordo com cada paciente e pode envolver desde "o couro cabeludo até a ponta do pé". O nível de incômodo também é diferente para cada pessoa. Há ainda outros sintomas da fibromialgia. Veja abaixo:

  • Fadiga;
  • Esgotamento físico e mental;
  • Insônia;
  • Sono não reparador;
  • Dificuldade de concentração e memória;
  • Transtornos psicológicos, como depressão e ansiedade.

Bicalho explica ainda que o diagnóstico não é tão fácil de ser feito, mas ele é clínico, considerando todas as queixas do paciente.

Jovem sentada na beira da cama insônia dormir falta de sono    - Ben Blennerhassett/ Unsplash - Ben Blennerhassett/ Unsplash
Imagem: Ben Blennerhassett/ Unsplash

Causas

Elas ainda não são claras, há apenas algumas hipóteses, segundo os especialistas. "Sabemos que é mais comum em mulheres. Pode estar relacionada, em alguns casos, com traumas físicos ou psicológicos. Há ainda a hipótese de alterações genéticas, mas ainda não temos certeza", diz Aline Ranzolin, reumatologista e coordenadora do Ambulatório de Fibromialgia do Hospital das Clínicas da UFPE (Universidade Federal de Pernambuco), da rede Ebserh.

Outra possibilidade envolve infecções anteriores, alterações endócrinas e histórico de grandes cirurgias. Mas nada ainda confirmado.

Ainda segundo Ranzolin, que também é da Comissão de Dor, Fibromialgia e Outras Síndromes de Partes Moles da SBR (Sociedade Brasileira de Reumatologia), o paciente deve procurar ajuda de um reumatologista, um especialista em dor ou um neurologista. "Às vezes, em casos mais graves, podemos contar com ajuda de um psiquiatra também", diz.

O que faz parte do tratamento?

Não há cura para a doença. Por isso, a fibromialgia é tratada de forma multidisciplinar, com a parte envolvendo remédios e a não medicamentosa. Tudo vai depender de cada paciente, segundo João Batista Garcia, médico especialista em dor e cuidados paliativos, além de professor da UFMA (Universidade Federal do Maranhão).

"A fibromialgia não deve ser tratada apenas com remédios até porque, algumas medicações que usamos possuem fragilidades, com evidência menor", explica.

De acordo com ele, os mais utilizados são os antidepressivos, que agem nas vias do sistema nervoso central, além de anticonvulsivantes. Ambos atuam aumentando a quantidade de neurotransmissores que diminuem a dor. Há ainda o relaxante muscular, que pode auxiliar, e os anti-inflamatórios, que ajudam em dias de crise.

No caso de Mariana*, ela utiliza medicamentos prescritos apenas em casos graves, como os opioides, classe de remédios que auxilia na dor.

"Eles são indicados por pouco tempo porque correm risco de gerar dependência", diz o médico. Garcia conta ainda que, como off-label (sem orientação da bula), é possível passar medicamentos anestésicos de aplicação intravenosa, que agem no controle da dor, mas não exatamente na "raiz do problema". "Mas são casos de dor de difícil controle", afirma.

Na parte não medicamentosa, os médicos destacam a atividade física, que ajuda na liberação da serotonina, que atuam no humor e bem-estar, além da TCC (Terapia Cognitivo-Comportamental).

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Imagem: iStock

Fibromialgia e depressão: qual a relação?

De acordo com Bicalho, da FCM-MG, os transtornos psicológicos, como a depressão e ansiedade, levam a uma alteração nos neurotransmissores que participam no controle do humor e da dor. Por isso, as doenças estão relacionadas.

"Há estudos que mostram que até 50% dos pacientes com fibromialgia, no momento do diagnóstico, estão com depressão. Mas um poderia vir depois do outro: a depressão vir primeiro e, depois, a fibromialgia, ou ao contrário também", explica a também especialista pela SBR.

No geral, a médica esclarece que a dor crônica é algo muito associado com prejuízos emocionais, tanto pelas questões hormonais, dos neurotransmissores, como as limitações e impactos da doença.

"A pessoa sente que 'nunca mais foi a mesma'. Às vezes, a própria família não reconhece a questão, acham que é frescura. O paciente, em alguns casos, perde o emprego. Então, tudo isso traz prejuízos na saúde mental."

*O nome foi alterado a pedido da entrevistada.

Procure ajuda

Caso você tenha pensamentos suicidas, procure ajuda especializada como o CVV (www.cvv.org.br) e os Caps (Centros de Atenção Psicossocial) da sua cidade. O CVV funciona 24 horas por dia (inclusive aos feriados) pelo telefone 188, e também atende por e-mail, chat e pessoalmente. São mais de 120 postos de atendimento em todo o Brasil.

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