'Sofri sozinho': homens também sentem a perda gestacional
O barbeiro Fabio Rodrigo da Silva, 35, casou-se com Simone, 32, em 2010. Eles, que têm um relacionamento desde a adolescência, sempre quiseram ser pais e, nos últimos seis anos, tentaram engravidar. A boa notícia chegou em março deste ano. Três meses depois, descobriram esperar uma menina, que se chamaria Sara. Mas tudo mudou após Simone ter um aborto espontâneo. Fabio sofreu, mas priorizando ajudar a esposa, deixou de buscar suporte para si, algo comum entre homens.
"Foi muito difícil, fiquei em estado de choque, eu me via na obrigação de ajudá-la. Isso é difícil também, porque, ao mesmo tempo que eu sofri muito com a situação, eu tinha que passar certa estabilidade. Mas eu também tinha força", relembra.
A gravidez tinha sido muito celebrada, porque dificuldades financeiras a adiavam desde a época do casamento. Mesmo quando a situação se estabilizou e começaram as tentativas, ambos descobriram problemas que prejudicavam a fertilidade.
Quando finalmente aconteceu, no terceiro mês, após um sangramento, a perda do bebê abalou os dois. "Isso foi muito doloroso, ela teve que passar com psicólogo, fez tratamento toda semana, ficou abalada. Eu fiquei sem trabalhar por quase uma semana, não conseguia, estava em choque."
Sobretudo em relações heterossexuais, o homem tende a abdicar do sofrimento para dar suporte à parceira. Eles também negligenciam a dimensão do luto por acreditarem que não precisam ou não podem sofrer, reflexo de uma construção machista que coloca a expressão dos sentimentos como fraqueza.
A psicóloga clínica Érica Quitans descreve o receio em expor o sofrimento diante de um aborto como "um luto não legitimado dentro de outro luto não legitimado".
Lutos não legitimados ocorrem quando os outros determinam quais perdas são importantes. Em geral, a sociedade já minimiza as perdas gestacionais quando comparadas à perda de um filho nascido. No caso de um pai, então, esse luto é menosprezado mais ainda.
"É como se a sociedade dissesse quais lutos são válidos e quais não são. E, no caso da perda gestacional, fica algo mais invisível ainda", explica Quintans, que estudou o luto paterno durante o mestrado na PUC-RJ (Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro).
O que justifica lutos diferentes?
Segundo o psicólogo Flávio Lúcio Almeida Lima, o casal vive a perda de formas diferentes. "Fisiologicamente, o homem já não sente as alterações, e, socialmente, tem muitas questões de gênero que dizem que ele deve suprimir as suas emoções, sentimentos. É como se ele entendesse que não está para o cuidado, para a gestação e o puerpério", diz Lima, professor da UFCG (Universidade Federal de Campina Grande) e que pesquisou a construção da paternidade no doutorado na UFPB (Universidade Federal da Paraíba).
Essa diferença é potencializada quando se pensa sobre o luto, isoladamente. Como é natural que os homens sejam podados de sentir, as reações perante o luto também tendem a ser mais normalizadas para as mulheres.
O luto em si é a expressão de um sentimento acerca de uma perda, de uma ausência. Se a gente aprendeu durante a criação que não pode se colocar dessa forma, lógico que o homem vai reter mais isso. A vivência do homem no luto ainda é um tabu, dado esse contexto. Flávio Lúcio Almeida Lima, psicólogo
No caso de Fabio, a paternidade era desejada. Para alguns homens, no entanto, o sentimento surge apenas com o nascimento do bebê. Entre eles, o sofrimento de um aborto tende a ser menor, enquanto os que já se sentem pais sofrem mais, porque há perda de um sentimento conhecido. Então, é importante ter atenção aos quadros patológicos do luto, quando há excesso de sofrimento por tempo prologando e que prejudica outras áreas da vida.
E quando não sente?
Anular o sofrimento em casos de luto tem repercussões negativas às saúdes física e emocional. Aumento ou perda de peso, alterações no sono e apetite, tristeza, acessos de raiva e risco para o aumento do consumo de álcool e outras substâncias são alguns deles.
O homem também pode prejudicar a relação do casal, inclusive culpar a mulher pela perda. Há casos de depressão, ansiedade, transtornos adaptativos e de sexualidade, levando a sentimentos de fobia do sexo, com receio de uma nova gravidez seguida do aborto.
Para evitar as consequências, o ideal é que o casal converse com psicólogos desde o momento da perda. Depois, caso seja observado sofrimento intenso, a recomendação é seguir o acompanhamento.
Fabio pensou em buscar psicólogo, mas, ao contrário da mulher, não o visitou. Encontrou apoio na fé, algo natural em momentos de adversidade. "Eu chorava escondido, tinha hora que não me controlava e chorava na frente da minha esposa. Eu sofri sozinho, eu e Deus. Sou muito apegado, a minha fé foi o que me fortaleceu", conta.
Outro aspecto importante nesses momentos é a dimensão social. Enquanto alguns homens se isolam, outros conseguem suporte na família e nos amigos. Quem tenta dar apoio, deve ter empatia, lembrar que a perda gestacional significa a morte de um filho para aquele casal.
"Eu e minha esposa tivemos apoio de amigos. Mas o que eu senti, conversando com ela, é que as pessoas tentam te consolar dizendo: 'Vocês vão conseguir ter outro'", relata Fabio. "Mesmo que tenhamos outro, a dor vai marcar a nossa vida, já tinha um nome. Passamos pela sensação de pensar 'vamos ser pais'. Um novo bebê será outra criança, nossa primeira filha morreu", completa.
Hoje, oito meses após a perda de Sara, Fabio e Simone comemoraram a gravidez de três meses do segundo filho, Matias.
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