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Canabinoides sintéticos são ameaças à saúde pública e desafiam fiscalização

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Imagem: iStock

Julia Estanislau

Do Jornal da USP

20/11/2022 04h02

Há alguns anos, uma droga tomou conta dos presídios e invadiu as ruas: a maconha sintética. A substância surgiu a partir da tentativa de separar os efeitos psicoativos das propriedades medicinais da Cannabis sativa e, no último ano, teve um crescimento de 600% nas apreensões por parte do Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado, o Gaeco

"Os canabinoides sintéticos, conhecidos popularmente como maconha sintética, K2, K4 e Spice, são substâncias que agem nas mesmas regiões do cérebro que o princípio ativo da Cannabis sativa, o THC, presente nos cigarros de maconha", explica Maurício Yonamine, professor do Departamento de Análises Clínicas e Toxicológicas da Faculdade de Ciências Farmacêuticas da USP. Ela se apresenta de várias maneiras: dentro de saquinhos metalizados, na forma líquida (para cigarros eletrônicos), na forma de selos ou infusionadas em papel.

A droga é cerca de 100 vezes mais forte do que a maconha e, em 2016, causou em New Haven, ao lado da Universidade de Yale, uma overdose coletiva. Mais de 70 ocorrências foram registradas. A mesma coisa aconteceu em Nova York, onde usuários, por conta dos efeitos da droga, ficaram parecendo "zumbis", vagando sem rumo e não respondendo a estímulos.

O Relatório Mundial sobre Drogas 2022 estima que 284 milhões de pessoas entre os 15 e 64 anos usaram drogas em 2020, um aumento de 26% em relação aos dez anos anteriores. A pandemia impediu que novos dados fossem coletados, mas houve um crescimento da insegurança e da vulnerabilidade, algo que tem impacto direto no consumo de drogas.

Segundo o Primeiro Informe do Subsistema de Alerta Rápido sobre Drogas (SAR), 135 países já reportaram identificar as chamadas Novas Substâncias Psicoativas, entre as quais os canabinoides sintéticos (incluindo as maconhas sintéticas). O Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime (UNODC) registrou um aumento de 300% no número de novas substâncias psicoativas entre 2009 e 2019. O Núcleo de Exames de Entorpecentes fez 1.274 análises de substâncias sintéticas e, destas, 42% eram canabinoides sintéticos. Esse é o tipo de substância mais comum no Estado de São Paulo, segundo o informe.

Difícil identificação
Por se tratarem de substâncias facilmente modificadas no nível molecular, são muito difíceis de serem identificadas e a cada momento uma nova pode surgir. A sua fiscalização, portanto, é um desafio para a polícia e para os exames toxicológicos. Medidas como a aprovação da Portaria Nº 898, de 6 de junho de 2015, que criou o Grupo de Trabalho para regulamentar e aperfeiçoar a classificação e buscar novas estratégias ao controle das drogas, e o Projeto Minerva, que visa a preparar e capacitar peritos para identificar as novas substâncias, são caminhos para o enfrentamento.

Medidas como essas são de extrema importância, já que essas substâncias não estão listadas na Convenção Única de Entorpecentes, de 1961, nem na Convenção sobre Substâncias Psicoativas, de 1971. De forma que não há efetivamente um controle internacional.

Ela foi primeiro comercializada dentro dos presídios, e o Ministério Público de São Paulo estima que organizações criminosas já arrecadaram mais de R$ 1 milhão por mês com o tráfico e comércio dessa droga. Por ter vários formatos, a fiscalização é mais complicada e exige aparelhos de identificação nos laboratórios muito caros, além do constante aprimoramento dos cientistas, que sempre têm que decodificar uma nova combinação de elementos químicos sintéticos. "Como são drogas novas, a sua identificação representa um grande desafio para a polícia científica e não só no Brasil. É um desafio mundial", alerta o professor.

"A gente tem fiscalização das polícias federais de todos os Estados. Mas isso é insuficiente para coibir em grande quantidade o tráfico, porque é muito lucrativo", explica o professor titular da Faculdade de Direito da USP, Sérgio Salomão Shecaira. Por ter uma extensa faixa de fronteira com outros países, uns deles conhecidamente núcleo de tráfico de drogas, mesmo com alguma fiscalização, "é impossível ter um controle sobre a entrada de drogas no Brasil", finaliza.

Para Marcelo da Silveira Campos, doutor em Sociologia pela USP e professor adjunto do Instituto de Ciências Humanas da UFJF (Universidade Federal de Juiz de Fora), o problema das drogas é, antes de tudo, um problema de saúde pública. Assim, combater o uso e o tráfico conta também com o tratamento dos usuários e dependentes por meio de políticas públicas que funcionem. Usar apenas a lei e recorrer ao encarceramento em todos os casos, portanto, não é a solução.

Desde 2006, a Lei n° 11.343 instituiu o Sistema Nacional de Políticas Públicas sobre Drogas (Sisnad), mais conhecido como a Lei de Drogas. Ela pressupõe "a prevenção do uso indevido, atenção e reinserção social de usuários e dependentes de drogas". Também conta com o apoio entre várias instâncias do governo, não só a força policial.

Outro ponto comentado por Campos é sobre o perfil dos incriminados pelo crime. Classe social, gênero, condição financeira, nível de escolaridade e raça são fatores determinantes para o consumo, tráfico e, principalmente, na hora de escolher quem deve levar a maior pena. "As mulheres são muito mais incriminadas que as pessoas nas periferias de São Paulo, cerca de duas vezes mais por tráfico do que com o uso, muitas vezes com as mesmas quantidades de drogas", diz.

Muitas vezes aqueles que mais usam não são presos, por conta da posição social. A lei não chega a esses, que são capazes de pagar fiança ou não são vistos pela sociedade como possíveis traficantes ou usuários, como aqueles que estão em posições mais vulneráveis e de maior preconceito.