'Tenho mais vontade de fazer as coisas': por que morar na praia faz bem
Nos últimos cinco anos, o interesse pela consulta do termo "morar na praia" subiu mais de 50% no Brasil, segundo dados do Google. Em 2022, "casa na praia" foi a versão mais buscada, considerando o termo "... na praia"; enquanto "apartamento na praia" ficou em quinto lugar.
Não é novidade que o contato com o mar alivia sintomas de estresse e ansiedade e aumenta os níveis de relaxamento e bem-estar. Talvez por isso tenha tanta gente por aí cogitando a possibilidade de mudar de ares.
Um estudo da Universidade de Exeter, no Reino Unido, publicado no periódico Health & Place, aponta que espaços azuis (ambientes aquáticos como costas, rios e lagos) estão associados a uma melhora significativa da saúde mental.
Outro estudo, dessa vez do Water Science Network, centro de pesquisas sobre a água da Universidade de Michigan (EUA), aponta que o contato frequente com esses espaços azuis está significativamente associado a níveis mais baixos de sofrimento psicológico.
Em alguns casos, de acordo com a ciência, o risco de uma pessoa que vive na praia desenvolver depressão e ansiedade cai em 22%, se comparadas com indivíduos que vivem em centros urbanos.
Esse impacto positivo na saúde mental se tornou ainda mais relevante durante a pandemia do novo coronavírus.
Uma pesquisa da Talk encomendada pela plataforma QuintoAndar aponta que a pandemia fez com que as pessoas repensassem o lugar onde moram. Para se ter uma ideia, 36% dos entrevistados disseram que pretendiam mudar de cidade. E cidades litorâneas passaram de sonho a uma possibilidade.
Ainda de acordo com a pesquisa, no futuro, metade dos entrevistados se vê morando fora de grandes centros urbanos. Sete em cada 10 se veem morando mais perto da natureza.
Por que o lugar onde moramos impacta nossa saúde mental?
Segundo Aline Bezerra, psicóloga pela UFRN (Universidade Federal do Rio Grande do Norte), que atende pela healthtech Telavita, o local onde moramos influencia na saúde mental porque os ambientes contemplam não apenas os espaços físicos, mas também a carga de significados que esses espaços possuem.
"Ajustamos nossa postura e modo de agir de acordo com o ambiente em que nos encontramos. Até nosso vocabulário pode mudar dependendo se estamos em ambiente de trabalho ou em ambiente familiar. Isso não é diferente com o local de moradia", explica Bezerra.
Segundo a psicóloga, vários motivos explicam por que as pessoas costumam se sentir mais felizes quando moram em locais onde podem ter contato com a natureza. "No caso da praia, os moradores têm o benefício da luz solar, de ar mais puro, e um espaço que é associado a prazer e descanso. A praia ainda é um excelente ambiente para socialização e prática de atividades físicas."
Há 11 anos, o engenheiro agrônomo Maykon Canesin Clemente, 43, trocou Monte Mor, no interior de São Paulo, por São Vicente, no litoral do estado, e nem pensa duas vezes ao dizer que foi a melhor escolha que poderia ter feito pela própria saúde.
"A primeira mudança que observei foi a respiração, que melhorou. O ar é muito mais seco no interior, tinha um cansaço além da conta e o calor também é diferente. Aqui [na praia] parece que tenho mais vontade de fazer as coisas. Sem sombra de dúvidas, morando no litoral me sinto mais feliz, principalmente porque foi aqui que encontrei meu marido, o amor da minha vida", conta.
Na praia, a rotina de Maykon mudou. Além de fazer mais atividade física —o que inclui, além da academia, a bicicleta como principal meio de transporte—, todos os dias, inclusive aos fins de semana, ele acorda por volta das 5h30, simplesmente para observar o mar.
"Tenho uma vista [do apartamento] simplesmente magnífica. Gosto de acordar antes do sol nascer e ver o vai e vem das ondas. Dá uma sensação de paz, é indescritível."
Felicidade não é plena, mas humor é influenciado
Claro que viver na praia não é garantia de felicidade plena, mas, segundo Yuri Busin, psicólogo pela PUC/RS e doutor em neurociência do comportamento pela Universidade Presbiteriana Mackenzie, o local impacta profundamente no humor e nas emoções.
"Somos seres vinculados ao dia e não somente à noite. O sol acaba produzindo uma sensação de bem-estar, felicidade. Algumas pessoas começam a ter qualidade de vida diferente e também impacta no dia a dia. Sair a pé para ir para a padaria, ter mais contato com natureza, não ter tanto estresse de trânsito", explica.
Médica integrativa, Rubya Pasquarelli, de 28 anos, planejava morar na praia desde 2019, quando terminou a graduação. "Decidi que queria morar na praia para mudar meu estilo de vida, pois já entendia que os hábitos são a base de uma saúde equilibrada. Também fui motivada a estar perto do mar para evoluir no surfe, esporte que pratico desde 2017", diz.
Ela conseguiu fazer essa mudança em janeiro de 2020, mas teve de voltar a morar na cidade grande por oito meses nesse meio tempo.
"Foi quando percebi que não tinha mais condições de estar dentro de um grande centro urbano. Retornei para o litoral e agora estou morando em Ilhabela (SP) desde fevereiro de 2022. Está sendo uma experiência muito importante para minha saúde física e mental."
Além de médica, Pasquarelli é terapeuta ayurveda e instrutora de ioga e diz que a maior motivação para a mudança foram questões de saúde. "Tenho diagnóstico de uma doença autoimune rara desde a adolescência. As crises são desencadeadas por estresse e ansiedade em conjunto com maus hábitos. Na cidade, é muito difícil manter uma boa qualidade de sono devido aos estímulos visuais e sonoros constantes, e o ritmo e a rotina de vida não permitem um cuidado correto com a alimentação e práticas de atividade física", diz ela.
"Isso consequentemente dificulta o gerenciamento do estresse e ansiedade. Vejo que a mudança para a praia facilitou inserir esses cuidados com mais qualidade", diz.
Ela conta que com o tempo que perdia para se deslocar para o trabalho durante a semana, hoje consegue dar um mergulho no mar, praticar ioga ao ar livre e cozinhar refeições saudáveis para a semana.
É preciso avaliar quando é a hora de mudar
Não é de uma hora para outra que a pessoa vai entender que a praia seria o lugar ideal para se viver. A mudança tem de ser planejada e os pontos positivos e negativos precisam ser avaliados.
Mestrando em psicologia social e do trabalho pelo Instituto de Psicologia da USP (Universidade de São Paulo), Luckas Reis, da Vittude, empresa que trabalha com o desenvolvimento de programas de saúde mental para empresas, explica que um caminho é se atentar aos sintomas e sinais mais comuns de sofrimento psíquico, como impactos no sono, na alimentação, na vida sexual, dores no corpo, cansaço.
"Tem os sentidos que são cognitivos, foco, memória, dificuldade de concentrar, dificuldade de reter informação; e tem os sociais, que são irritabilidade, isolamento e um tanto de outras situações. A partir dos momentos que temos esses sinais, é importante que consigamos avaliar de onde esses sinais vêm", diz Reis. "Muitas vezes não está relacionado com a cidade em que eu moro, isso está relacionado com a dinâmica de vida que eu tenho."
Segundo Reis, muitas vezes, mudar de cidade implica em uma mudança de dinâmica de vida, mas também é possível mudar essa dinâmica morando dentro de uma cidade.
"Quando a pandemia fez com que o home office fosse instaurado para muitas pessoas que não tiveram essa experiência antes, foi mostrado que é possível ter qualidade de vida. Muitas pessoas passaram a se exercitar, passar mais tempo com a família. Ao mesmo tempo também trouxe alguns atritos, mas pensando nessa mudança de dinâmica, é possível mudar a dinâmica de vida dentro do mesmo lugar."
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