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Equilíbrio

Cuidar da mente para uma vida mais harmônica


Internações compulsória e involuntária funcionam? Quando são indicadas?

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Brunna Mariel

Colaboração para o VivaBem

29/11/2022 04h00

Todos os dias, clínicas e hospitais psiquiátricos recebem pessoas que estão passando por uma internação involuntária (que se dá sem o consentimento do usuário e a pedido de terceiro), ou compulsória (aquela determinada pela Justiça).

Um estudo mostrou que as internações involuntárias cresceram 340% entre 2003 a 2019 na capital paulista. Em 2022, foram comunicadas ao Ministério Público 11,9 internações por dia na cidade de São Paulo. Já as compulsórias tiveram 3,4 pedidos por dia à Justiça em todo o estado —não é possível saber quantas foram aceitas.

Ambas as medidas são baseadas em uma lei que assegura os direitos de quem convive com transtornos psiquiátricos ou até mesmo a dependência química, mas geram polêmica. Afinal, uma internação sem o consentimento da pessoa pode ter um efeito positivo na saúde? Especialistas ouvidos pelo VivaBem reforçam que apesar de útil em alguns casos, deve ser usada como exceção.

Quando pode ajudar e quando é errônea

Quando aplicada na maneira correta, por exemplo em um surto ou momento agudo da doença, pode trazer efeitos positivos para o acesso ao tratamento medicamentoso, psicossocial, além de prover ao indivíduo uma oportunidade de ter maior consciência sobre o seu quadro de saúde.

Marcelo Queiroz Hoexter, psiquiatra coordenador do pronto-socorro de psiquiatria do Centro de Atenção Integrada à Saúde Mental, da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo), aponta que a internação involuntária deve ser levada em conta apenas após a análise da situação a partir do histórico do paciente e com o objetivo de manter a integridade e segurança do indivíduo.

"A medida pode ser considerada quando há um sofrimento psicológico agudo, com crises, surtos, riscos iminentes à própria vida, de terceiros ou de perda da percepção da realidade, como pensamentos paranoicos, alucinações, delírios ou extremamente desorganizadas, o que o deixa em um quadro de alta vulnerabilidade", diz Hoexter.

Paciente internado, nervoso, hospital, internação - iStock - iStock
Internação involuntária ou compulsória pode ser útil em momentos de surto, mas é exceção
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O psiquiatra endossa que essas situações podem ocorrer em situações extremas de crises ou surtos de transtorno bipolar, depressão, esquizofrenia, entre outros. Do ponto de vista da internação compulsória, essa análise deve ser exercida por meio de um laudo psiquiátrico que é entregue ao juiz como uma maneira de auxiliar na decisão.

A internação é ineficiente e errônea quando utilizada como uma forma de coerção ou como alternativa para a ausência de políticas de assistência à saúde mental, segundo o médico. "A internação deve ser levada em consideração em um momento que outras estratégias já foram utilizadas e não surtiram efeito e há uma crise e desequilíbrio instaurado", explica o psiquiatra.

A lei reforça o apelo do especialista. Atualmente, a internação, em quaisquer de suas modalidades, só é indicada quando os recursos se mostrarem insuficientes para lidar com a condição de saúde do indivíduo.

Internação compulsória não é garantia de abandono às drogas

Embora seja aplicada em diferentes situações de sofrimento psíquico agudo, a internação compulsória é associada de modo geral como alternativa para momentos de crises em dependentes químicos.

Alessandra Diehl, psiquiatra e presidente da Associação Brasileira de Estudos do Álcool e Outras Drogas, explica que não há estudos que apontem que a internação involuntária ou compulsória têm eficácia no requisito de parar o uso de substâncias químicas. Contudo, quando bem indicada, é um fator protetor ao indivíduo.

"É uma ação extrema para a pessoa se estabilizar, diminuindo os riscos a ela e a terceiros. Ajuda a sair da crise e retomar o tratamento na comunidade. Porém, não fará a pessoa deixar de ser um dependente químico. A desintoxicação, inevitável em uma internação, é apenas o primeiro passo desse processo", reforça Diehl.

A psiquiatra explica que há dificuldade metodológica para medir a efetividade das internações por meio de ensaio clínico. Porém, há estudos de casos que mostram possíveis mudanças quando a internação involuntária ou compulsória é associada a diminuição de suicídios, recorrência de agressividade ou situações de violência em pessoas que perderam a percepção da realidade em decorrência da dependência química.

"Nesses casos, muitos pacientes que acabam internados de forma involuntária acabam voltando à realidade, compreendendo a importância da assistência, e a internação se torna voluntária até que ele possa estabelecer um equilíbrio e fazer os próximos passos do tratamento reinserida à sociedade", explica.

Do ponto de vista burocrático, na internação involuntária o Ministério Público precisa estar ciente da escolha do paciente, assim como na compulsória o Juiz deve analisar o pedido de internação junto com familiares e profissionais de saúde.

mulher em grupo de apoio; drogas; dependente - iStock - iStock
Dar assistência adequada é prevenção e evita que se chegue à decisões drásticas como a internação involuntária
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Mais assistência, menos internações

Até o ano de 2001, a hospitalização de pessoas por transtornos psiquiátricos era difundida como um alternativa terapêutica efetiva, disponível tanto no cenário público como no privado, mas sem definições de quando aplicá-la para um desfecho positivo à saúde.

Com a evolução da ciência, e das evidências científicas de intervenções psicossociais, a lei 10.216/01 garantiu que pacientes tenham acesso a políticas de saúde mental, à assistência e promoção de ações de saúde mais abrangentes do que a hospitalização.

Um exemplo é o que é aplicado nos Caps (Centros de Atenção Psicossocial), onde há uma equipe multiprofissional composta por médicos psiquiatras, psicólogos, assistentes sociais, enfermeiros e terapeutas ocupacionais que avaliam o quadro do indivíduo e indicam o acolhimento adequado para cada caso, olhando para a situação a longo prazo.

Rafael Rodrigues, psicólogo e pesquisador do Centro de Serviço à Saúde da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia, ainda é um desafio para que a sociedade veja a internação como um momento de intensificação de cuidado, e não coercitiva ou de segregação, como vista no passado.

O que a ciência já nos mostrou é que oferecer uma rede de assistência a longo prazo é diminuir as chances de quadros agudos que levam a uma internação. O melhor caminho é construirmos estratégias para que a assistência esteja presente antes que uma pessoa apresente um quadro agudo de surto, risco ou que a deterioração da saúde física chegue a uma intervenção de um terceiro. Rafael Rodrigues, psicólogo e pesquisador do Centro de Serviço à Saúde da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia

Além do Caps, a presença da saúde mental na estratégia de atenção primária à saúde, na rede de apoio familiar, além de o acesso à informação sobre saúde mental difundida por todas as camadas sociais são ferramentas que constroem um lugar seguro para que o paciente possa compreender seu momento de vida, desenvolver relações de confiança com a assistência de saúde e aderir qualquer tratamento ou manejo a sua disposição, quando necessário.

Para os momentos mais angustiantes de um sofrimento psicológico, Rodrigues aponta que uma alternativa determinada pela lei, mas que não se aplica em larga escala, é a disponibilidade de leitos psiquiátricos em hospitais gerais. Eles são uma possibilidade de tirar o estigma de uma internação psiquiátrica e trazer mais adesão aos tratamentos e acompanhamentos disponíveis.

"No hospital geral, a pessoa pode ser tratada por três ou quatro dias em um momento de intensificação de um transtorno psíquico e se estabelecer. Esse momento também serve como porta de entrada para o acolhimento pela rede psicossocial. Sendo assim, a pessoa pode retomar a sua vida, fazer seu acompanhamento, sendo mais eficaz a reinserção social e o alcance de qualidade de vida", diz.

O psicólogo reforça que seja na porta de entrada da UBS ou em um momento de internação compulsória, o que deve ser priorizado é a humanização e proteção do paciente e dos seus familiares.

"Profissionais de saúde devem estar preparados para compreender os sinais dos transtornos mentais nas pessoas e acolher também os familiares e amigos que formam a rede de apoio do paciente", diz. "Preservar o sigilo do paciente, conversar, ser claro em relação às alternativas, criar um ambiente seguro para que elas possam confiar no serviço. Todas etapas são necessárias para que a saúde mental seja tratada como ela deve ser", reforça.