Pão tostado demais, carne estorricada: comer alimentos queimados faz mal?
É só descuidar um pouco da panela ou da churrasqueira que os alimentos passam do ponto e queimam. Não dá para negar que isso altera bastante o sabor, mas será que consumir itens estorricados também pode oferecer riscos à saúde?
O maior problema seria a liberação de substâncias potencialmente carcinogênicas. "Quando expostos à temperatura elevada, os alimentos liberam diversas substâncias químicas, como acrilamida e acroleína, que apresentam potencial carcinogênico, ou seja, podem provocar ou estimular o surgimento do câncer", explica Thayse Guilherme Lima, mestre em nutrição e saúde pela Universidade Estadual do Ceará.
Não há um consenso sobre a quantidade segura para o consumo de alimentos expostos a altas temperaturas. É sabido, entretanto, que os compostos químicos liberados nesses processos se acumulam no organismo, aumentando a possibilidade de influenciar uma mutação celular. Isso também elevaria a probabilidade do desenvolvimento de alguns cânceres.
Uma pesquisa da USP (Universidade de São Paulo), por exemplo, analisou a relação entre o consumo de carne bem passada com os marcadores de câncer na população. Foram avaliadas amostras de sangue de 560 adultos e idosos de São Paulo e os hábitos de consumo. Associou-se, então, o consumo de carne preparada em altas temperaturas (quando esquenta até quase queimar) a um risco maior de desenvolver câncer.
Além disso, a Universidade da Califórnia, nos Estados Unidos, mostrou em um estudo que o consumo de carne bem passada pode estar relacionado ao surgimento do câncer de próstata.
Vale destacar, porém, que essas são pesquisas de associação e não de causa e consequência. Há poucos estudos que comprovam que o consumo de alimentos queimados realmente aumenta o risco de câncer. A doença é multifatorial, o que significa que precisa de diversos fatores para acontecer, como questões genéticas e hábitos de saúde inadequados.
"A maioria dos estudos foi realizada apenas em animais. Portanto, não podemos associar diretamente o consumo de alimentos queimados com qualquer tipo de doença. Seria preciso avaliar a quantidade consumida, a frequência, os hábitos e outros fatores de risco", aponta Cinthia Bittencourt, engenheira de alimentos e professora da PUCPR (Pontifícia Universidade Católica do Paraná).
De qualquer forma, a recomendação é não exagerar e sempre dar preferência aos alimentos cozidos, mas não queimados.
A seguir, veja detalhes dos riscos do consumo dos estorricados e como minimizá-los no dia a dia.
Carne "bem passada"
Seja em um churrasco ou nas refeições de rotina, a carne vermelha é uma opção frequente no prato dos brasileiros. Mas é fundamental prestar atenção ao ponto da carne.
Como já dito, deixar o alimento por muito tempo em altas temperaturas para que fique "bem passado" gera substâncias inflamatórias, as aminas heterocíclicas e hidrocarbonetos, que podem ser cancerígenos.
A situação piora quando a preparação é realizada diretamente na brasa e ao entrar em contato com a fumaça, ou seja, no churrasco. Geralmente, essas substâncias são formadas na parte mais tostada da carne.
Pão tostado
O mesmo vale para o pão: quanto mais escuro e queimado, maior o risco para a saúde. Esse alimento, quando entra em contato com as altas temperaturas, gera hidrocarbonetos policíclicos aromáticos, que provocam alterações no DNA e também têm relação com o aumento do risco de câncer.
Além disso, quando os carboidratos são queimados liberam acrilamida, substância considerada cancerígena e tóxica para o sistema nervoso.
Segundo Lima, para criar uma casquinha crocante, os itens de panificação precisam passar pela reação de Maillard, que ocorre ao tostar alimentos ricos em carboidratos e gorduras, como ocorre com o pão na chapa com manteiga ou processos de caramelização.
"Alguns estudos observaram as modificações biológicas consequentes da reação de Maillard. Além de câncer, pode resultar em complicações como diabetes, doenças neurodegenerativas e cardiovasculares a longo prazo", diz a nutricionista.
Lembrando que para isso acontecer é preciso ingerir grandes quantidades desses alimentos e por períodos prolongados.
Vegetais queimados
Engana-se quem pensa que os vegetais estão isentos dos prejuízos causados pela exposição prolongada ao fogo.
Por ter carboidratos e aminoácidos, ao grelhar ou assar alguns vegetais ao ponto de queimar, ocorre a produção de algumas toxinas. Isso acaba prejudicando a digestão e a absorção de nutrientes, além da liberação de radicais livres que promovem o envelhecimento precoce.
Batata frita que passou do ponto
Quem resiste a uma batata frita? Porém, por ser rica em amido, quando ela passa do ponto também produz a acrilamina.
Além disso, o contato do tubérculo com a fumaça e o óleo aumenta o risco do surgimento dos hidrocarbonetos policíclicos aromáticos, que já foram associados ao câncer de pulmão e de bexiga.
Como reduzir os danos?
De acordo com os especialistas consultados por VivaBem, quando a comida passa do ponto, o ideal é descartar o alimento queimado.
"Mesmo retirando ao máximo as partes queimadas, as substâncias geradas que são maléficas para o organismo ainda podem ser encontradas na comida", diz Audie Nathaniel Momm, nutrólogo do Hospital do Servidor Público Estadual.
Além disso, outras medidas podem diminuir os possíveis riscos para a saúde. São elas:
- Marinar a carne no limão, alho e cebola neutraliza a formação de substâncias prejudiciais ao corpo;
- Aqueça a carne por alguns minutos no micro-ondas antes de levar para a churrasqueira ou na chapa. Isso vai reduzir o tempo de exposição do alimento ao calor;
- Opte pela carne cozida ou assada;
- Envolva o pão no papel-alumínio antes de colocá-lo diretamente no fogo ou na churrasqueira;
- Siga as instruções de cozimento nas embalagens dos alimentos para evitar que cozinhem demais;
- Evite cozinhar diretamente na chama ou grelha e diminua a frequência dos churrascos;
- Fique de olho na cor dos alimentos e tire do fogo assim que ficar dourado.
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