Como administrar o ciúme em um relacionamento aberto?
Impulsionada em grande parte pelos relatos de várias celebridades que estão assumindo em público a forma como se relacionam, como Bela Gil, Fernanda Nobre e Will Smith, a monogamia tem sido bastante questionada nos últimos tempos.
Seja qual for o tipo de relação, os desafios são inevitáveis. Entre eles, o mais comum é o ciúme. "Na não monogamia estamos questionando certas convicções que levam ao ciúme, tais como a ideia de que o amor é exclusivo ou de que o corpo do outro nos pertence. Desconstruir tais crenças pode nos ajudar a não alimentar o ciúme e não dar ainda mais poder a ele", afirma a psicóloga e sexóloga Adê Monteiro, dona de duas contas no Instagram sobre não monogamia: "Reflexões & Conexões Não Mono" e "Psis Não Mono".
Para Giovanna Rodrigues, 22, que mantém um relacionamento aberto com Luis Moreira, 31, há seis anos, diálogo e sinceridade são a chave para dar certo. "Temos insegurança e sentimos muito ciúme um do outro, mas nos ajudamos mutuamente para aprender a lidar com o sentimento. O relacionamento livre é algo ótimo e supera, sem dúvidas, a sensação ruim do ciúme", diz.
Como aprendemos a sentir segurança por meio do controle, a tendência é de que pessoas monogâmicas lidem com o ciúme cerceando a liberdade do parceiro. Já uma pessoa não monogâmica vai tentar administrar o sentimento sem querer controlar o comportamento do outro.
"Para isso, é muito importante, em primeiro lugar, aceitar o que está sentindo e acolher as emoções que emergem. Depois, é buscar entender de onde vem esse ciúme, se vem de um lugar de possessividade, de orgulho, de insegurança, de medo, inveja etc. Nessa hora, o autoconhecimento faz muita diferença", ressalta Filipe Starling, psicólogo pela UnB (Universidade de Brasília), especialista em sexualidade e terapia de casal e autor do livro "Não-Monogamia Responsável: Abrindo a Relação Com o Cuidado Que Ela Merece".
Também vale destacar a importância de só iniciar o processo de sair com outras pessoas na medida em que o parceiro consiga se sentir minimamente seguro. "Abrir a relação não pode ser um movimento individualista do tipo 'eu sou livre para fazer o que eu quiser e você que se vire com seus sentimentos'. É justamente o contrário, o casal deve agir como um time, sempre se ajudando, em sintonia", diz.
Além disso, é preciso aprender a administrar as experiências extraconjugais ao mesmo tempo em que continua cuidando da relação principal, dedicando amor e tempo de qualidade para o parceiro.
Outra estratégia para administrar melhor o ciúme é fazer a abertura da forma mais lenta e gradual possível. "A liberdade sempre tem que vir acompanhada de segurança emocional para ambos os parceiros. A liberdade só deve ir até onde a segurança emocional consegue acompanhar. Senão certamente vai dar ruim", recomenda.
Relacionamento aberto não resolve os problemas
Ainda que seja uma nova perspectiva para as relações, muita gente se confunde e acredita que os modelos de relacionamento aberto são a grande solução para acabar com os problemas de relacionamentos monogâmicos.
Segundo o psicólogo Filipe Starling, é um erro fazer essa escolha na tentativa de salvar uma relação em crise, por exemplo.
"Os relacionamentos não monogâmicos não visam resolver problemas de relacionamento, e sim dar liberdade para as pessoas escolherem como elas preferem se relacionar, algo que as convenções sociais nunca permitiram. Eles refletem a era da diversidade em que vivemos. Diversidade de orientações sexuais, diversidade de gêneros, diversidade de formas de amar e se relacionar", esclarece.
Aliás, para o especialista, se o casal estiver passando por problemas no relacionamento, a pior coisa que podem fazer é abrir a relação. "Seria como tentar apagar um incêndio jogando gasolina. Para um relacionamento aberto funcionar é necessário que exista muita comunicação e respeito mútuo pelos sentimentos do outro, algo que os casais em crise não costumam ter. A relação precisa estar minimamente harmoniosa antes de se partir para a abertura do relacionamento", diz.
Mayumi Sato, empresária que comanda a Sexlog, maior rede social de sexo do Brasil, e que vive uma relação nesses moldes há 12 anos, diz que é preciso, antes de tudo, entender o que é amor, o que é construir parcerias e aprender a olhar para o outro em sua totalidade, e não como um instrumento para a realização dos próprios desejos. E então, a partir disso, a não monogamia pode ser uma consequência.
No entanto, ela não acredita que essa é a salvação para acabar com relacionamentos ruins, opressores, onde não há respeito e afeto. "Não há fórmula ou modelo relacional que resolva os problemas do mundo e garanta relações melhores. São pessoas melhores que podem construir isso juntas e, para muitas delas, a monogamia vai continuar sendo a melhor opção", opina.
É para todo mundo?
Na opinião do psicólogo, definitivamente, o relacionamento aberto não é para todo mundo. "Muitas pessoas se sentem confortáveis com a monogamia e está tudo certo. O importante é saber que existem opções, que ninguém é obrigado a se relacionar de uma forma que não reflita a sua natureza interior. Não faz sentido forçar um monogâmico a virar não monogâmico e vice-versa. É uma questão de respeito acolher a singularidade de cada indivíduo", enfatiza.
Segundo o especialista, não existe uma receita de bolo para saber se alguém está ou não pronto para ter um relacionamento aberto. Mas alguns elementos certamente podem ajudar nesse processo. Por exemplo, quanto mais autoconfiante a pessoa for e quanto mais autoestima tiver, mais fácil será abrir a relação.
Também é muito importante que se tenha uma boa capacidade de diálogo, porque isso será extremamente demandado. "Vale conhecer seus limites, bem como respeitar os limites do outro. Negociar as regras e combinados que vão reger essa abertura da relação é uma forma de minimizar o ciúme, pois os combinados trazem previsibilidade para os acontecimentos, reduzindo significativamente a insegurança", diz.
Lidar com as emoções desconfortáveis é outra habilidade muito necessária. Para isso, é preciso saber conversar sobre sentimentos, expor claramente o que está sentindo e o que está pensando, além de estar aberto para acolher a revelação do outro.
Por último, é válido frisar que não adianta abrir a relação só porque o outro quer ou por medo de perder o relacionamento. "O desejo de abrir deve partir de dentro, não dá para virar não monogâmico apenas para agradar o parceiro, pois isso certamente trará problemas lá na frente", aconselha.
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