Com dor há 20 anos, ela usa aparelho que injeta morfina direto na medula
Em 1994, Adalgisa Elisabeth de Martini foi diagnosticada com um câncer de tireoide considerado agressivo. Precisou fazer uma cirurgia de retirada total da glândula e, depois, um tratamento medicamentoso.
Foi neste momento que as dores na região do pescoço e cabeça, principalmente, começaram a aparecer. "Minhas dores são todas decorrentes da tireoidectomia [procedimento que remove a glândula tireoide]. Antes disso, eu era super saudável", lembra a decoradora, 63, que hoje está aposentada.
Ela se curou da doença e seguiu com a vida. Mas diversos problemas de saúde foram aparecendo na sequência —sendo que todos favorecem o surgimento de dor crônica:
- 1994: Câncer de tireoide;
- 2000: Fibromialgia, condição crônica que tem como principal sintoma a dor generalizada;
- 2003: Metástase do câncer na coluna;
- 2005: Dor miofascial, que causa desconforto na cabeça, pescoço e lombar, e neuralgia do trigêmeo, uma dor na face que figura entre as piores do mundo.
"Sentia muitas dores na lombar. Os médicos pesquisaram e descobriram um 'buraco' na cervical. Com isso, fiz uma cirurgia de reconstrução", explica. Depois disso, segundo Adalgisa, os incômodos físicos desencadeados pela dor miofascial e a neuralgia do trigêmeo apareceram.
Eram dores de cabeça de desmaiar. Tinha vontade de bater minha cabeça na parede.
No total, Adalgisa já fez mais de 40 cirurgias. Entre elas, as específicas para tratar o câncer, além de procedimentos para reduzir as dores que sentia em decorrência de todas as situações citadas acima.
"Os primeiros 8 anos depois que descobri o câncer acabaram comigo. Perdi 28 kg, sofria demais. Fazia muitas cirurgias. Passava mais tempo internada do que em casa", lembra.
Por isso, com tanta dor —que nada parecia resolver—, Adalgisa, que vive em São José dos Campos (SP), passou por dois procedimentos indicados apenas em exceções: a bomba de morfina e os neuroestimuladores (entenda abaixo). Ambos atuam no controle da dor.
Quando os tratamentos são indicados
Esse tipo de procedimento não é indicado como primeira opção, pelo contrário. É o "fim da linha", principalmente quando nada mais é capaz de resolver a dor crônica. Veja alguns exemplos abaixo citados pelos especialistas consultados por VivaBem:
- Pacientes com histórico de dor intensa, que não passa com nenhum outro tratamento;
- Indivíduos com várias doenças que podem ocasionar dor crônica --caso de Adalgisa;
- Pessoas em tratamento oncológico, sobretudo com histórico de múltiplas metástases;
- Pacientes com doença avançada, com sobrevida curta, que não conseguem controlar dor com outras terapias disponíveis.
"Primeiro, sempre tentamos os tratamentos mais simples, via oral, com combinações, e assim por diante. Além disso, incluímos a terapia física, tão importante quanto a parte medicamentosa, principalmente em pacientes com fibromialgia", explica o neurocirurgião Claudio Fernandes Corrêa, coordenador do Centro de Dor e Neurocirurgia Funcional do Hospital 9 de Julho (SP), que acompanha Adalgisa desde o começo.
Bomba de morfina: como funciona?
Em 2004, depois de tentar diversas terapias para a dor na lombar, Adalgisa passou por uma cirurgia de implantação de uma bomba de morfina.
"Foi só assim que voltei a ter qualidade de vida. [A bomba de morfina] me devolveu a vida porque vivia como um caramujo: não fazia nada, não saía mais, não tinha alegria de viver", conta.
O que é. O dispositivo possui um reservatório com o medicamento, que é inserido cirurgicamente na região subcutânea (sob a pele), cuja extremidade (um cateter) é colocada diretamente na medula. Lá, a morfina é liberada aos poucos, em contato com o líquor, um líquido que percorre ao redor da medula espinhal e do nosso encéfalo.
A velocidade da liberação da morfina é programada pelo médico. De forma eletrônica, é possível ir ajustando a velocidade —para mais ou menos, de acordo com a dor do paciente. Adalgisa já está na quarta troca em quase 20 anos. Geralmente, os dispositivos que ela utiliza duram cerca de 5 anos.
Benefícios. Além do alívio da dor, a morfina, administrada desta forma, tem um efeito melhor em relação ao remédio por via oral. Quem explica é Plínio Duarte, neurocirurgião e especialista em dor da BP - A Beneficência Portuguesa de São Paulo.
"Já foi descoberto que há vários receptores de opioides dentro da medula. Esses receptores têm mais afinidade com essas medicações. Com isso, precisamos de doses muito menores da medicação para termos uma maior potência do efeito analgésico", diz.
Desta forma, é possível promover o alívio da dor com uma dose muito menor do que seria por via oral. "Uma outra vantagem é que o surgimento de efeitos adversos é muito menor, uma vez que a medicação não é feita via oral, passando pelo metabolismo do fígado e, depois, para o sistema circulatório."
Os "contras". Apesar de promover alívio da dor, alguns pacientes podem não se beneficiar da terapia, de acordo com os médicos.
João Batista Garcia, médico especialista em dor e cuidados paliativos, diz que o procedimento pode causar infecções nos primeiros dias após a cirurgia, por causa do deslocamento do cateter. E exatamente por isso, é fundamental o acompanhamento médico "para sempre".
"É um tratamento que melhora a qualidade de vida. Se bem supervisionado, funciona bem", diz o também professor da UFMA (Universidade Federal do Maranhão), reforçando que o procedimento é caro e de difícil acesso, principalmente via SUS (Sistema Único de Saúde).
Abstinência e dependência? No reservatório, o remédio pode durar meses e tudo isso vai depender do dispositivo. A ideia é que a pessoa não fique sem medicação —ou seja, que antes mesmo de acabar, ocorra a reposição da morfina. No entanto, os trâmites podem não ser tão fáceis assim, conforme lembra Adalgisa.
"O convênio, às vezes, demora para liberar. Na última vez [que precisei encher o refil], entrei em abstinência e fiquei internada no hospital", diz.
A situação é desagradável e pode causar dor, calafrios, cólica, sudoreses, além de insônia e mais irritação. Mas é importante ressaltar que os opioides, neste caso, são usados para fins terapêuticos —o que é completamente diferente de uma pessoa que é dependente e usa por "diversão".
"O paciente não sente prazer na hora de receber a medicação. Ele não desenvolve a dependência neste sentido", explica o médico da BP. Por isso, mais uma vez, o acompanhamento médico é importantíssimo.
Como é a vida de Adalgisa
Segundo a aposentada, "é vida normal": "Faço tudo. Me aposentei por invalidez, mas sou decoradora e me tornei artesã. Trabalho e tenho a vida ativa, dirijo".
Não gosto de me vitimizar. Mas claro que tem momentos que fico 'caramba, por que isso está acontecendo comigo? E de novo?'. A cada novidade na minha saúde, tenho um dia de lágrimas, em que fico chateada e até revoltada. Mas apenas um dia ou uma noite, e pronto. Adalgisa
E o neuroestimulador?
Assim como a bomba, o neuroestimulador é outro método de neuromodulação. Também utilizado para o tratamento de dor crônica. No caso de Adalgisa, eles são inseridos na cabeça, para aliviar as dores que sentia na cabeça e no pescoço, principalmente. Quem realiza a configuração é sempre o médico, de forma eletrônica, por meio de um dispositivo externo.
"A bomba de morfina, por exemplo, libera medicação no sistema nervoso. Já a neuroestimulação não libera medicação alguma. É um estímulo elétrico colocado no local de interesse, que leva a uma corrente elétrica de baixa intensidade, atuando nos circuitos neurais relacionados à dor e, assim, promovendo alívio das queixas do paciente", explica Duarte, da BP.
Desde que colocou os neuroestimuladores, em 2006, Adalgisa nunca mais sentiu as dores latentes na região da cabeça.
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