Crianças também podem ter surtos psicóticos; veja como identificar
O termo surto tem sido banalizado nos últimos tempos. Qualquer descontrole é definido como um e até pessoas são chamadas de surtadas, indiscriminadamente.
Porém, quando se fala em surto psicótico em crianças, os especialistas entrevistados indicam a necessidade de bom senso e cuidado, pois o surto psicótico contempla disfunções cujos tratamentos podem devolver a normalidade a elas ou, então, exigir interferências medicamentosas, psicoterapias e até internações.
Contudo, os surtos psicóticos não são comuns na infância. A principal patologia mental relacionada a eles é a esquizofrenia, que é muito rara nesse período do desenvolvimento. "Existe menos de um caso para 40 mil crianças", cita Roberto Santoro, coordenador do Grupo de Trabalho de Saúde Mental da SBP (Sociedade Brasileira de Pediatria).
Nem todas as manifestações se relacionam, exclusivamente, a transtornos mentais. Muitas vezes as afetações são momentâneas, desencadeadas por estresse, remédios e até tumores, por exemplo.
"Os surtos psicóticos podem ocorrer em transtornos de humor e, também, em algumas outras condições clínicas, como encefalite autoimune —doença inflamatória com envolvimento da memória de curto prazo e sintomatologia muito diversa— e em alguns quadros neurológicos", lista Ana Claudia Melcop Lacerda de Melo, psiquiatra da infância e adolescência e coordenadora do ambulatório Propia (Programa de Atendimento à Psicose na Infância e Adolescência) no IPq (Instituto de Psiquiatria) do HC-FMUSP (Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo).
Os surtos são muitas vezes respostas exacerbadas que demonstram sofrimento e um pedido de ajuda em relação a situações. Por isso, nas palavras de Patrícia Bader, coordenadora de psicologia da Rede D'Or São Luiz em São Paulo, nenhum diagnóstico tem que ser tomado como prognóstico, pois é complexo e demanda tempo. "Os transtornos de desenvolvimento são multifatoriais e têm muita influência do ambiente em que as crianças estão inseridas."
Como diagnosticar e tratar?
É preciso compreender a situação geral para tomar medidas de acompanhamento que incluem também a família, tanto a médio quanto a longo prazo, como psicoterapia, terapia familiar, analisar se a criança está em risco para si e para os outros, cabendo, algumas vezes, internações que podem ser domiciliares, além de uso de medicamentos, segundo o psiquiatra da SBP.
O diagnóstico é feito a partir do reconhecimento de alterações do comportamento com a presença dos seguintes sintomas:
- Alucinações: percepções sem objeto, por exemplo, ouvir vozes
- Delírios: não são sistematizados em crianças, mas são as crenças absurdas e não fantasiosas, relacionadas ao universo infantil;
- Desorganização do discurso e de comportamentos;
- Isolamento social;
- Alterações de sono;
- Perda de habilidades.
Os quadros agudos com mudanças súbitas de comportamentos, como agitação psicomotora, e mentais, como desorientação, podem ser uma psicose reativa desencadeada por alguma causa orgânica, com origem farmacológica ou uso de droga lícita ou ilícita, que alteram o funcionamento do cérebro, apresentando-se como um surto psicótico. "Nessas condições, a criança é tratada e tudo fica bem, voltando ao seu estado normal", esclarece Santoro.
O estresse também pode desencadear episódios em crianças que tenham predisposição, bem como perdas, morte de alguém ou separações dos pais. Assim, segundo o psiquiatra da SBP, é importante fazer essas diferenciações, para o correto acompanhamento.
De um modo geral, os transtornos mentais têm início insidioso, começam devagar com algumas transformações que vão ocorrendo aos poucos. "São modificações que ocorrem no cérebro durante o neurodesenvolvimento que desencadeiam os delírios e alucinações", diz Melo.
Esquizofrenia tem influência genética
Nos casos de esquizofrenia, que é uma doença crônica, altamente hereditária e grave, não há propriamente uma cura, mas, sim, um gerenciamento da situação. O diagnóstico é clínico e busca, primeiramente, descartar outras doenças, como a de Wilson e epilepsia. A maior parte dos quadros de esquizofrenia se inicia na adolescência, a partir dos 18 anos, mas há relatos precoces antes dos próprios 18 e, até mesmo, antes dos 13 anos, que são ainda mais raros.
Os pais devem procurar sempre um profissional de saúde mental. No caso da esquizofrenia, a vida tem uma série de limitações, é possível fazer um acompanhamento multidisciplinar, para que a vida da criança seja mais próxima do normal.
Fontes: Ana Claudia Melcop Lacerda de Melo, psiquiatra da infância e adolescência pela EPM (Escola Paulista de Medicina) da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo), coordenadora do ambulatório Propia (Programa de Atendimento à Psicose na Infância e Adolescência) no serviço de psiquiatria da infância e adolescência do IPq (Instituto de Psiquiatria) do HC-FMUSP (Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo) e médica assistente da enfermaria da infância e adolescência do IPq; Patrícia Bader, psicóloga e coordenadora de psicologia da Rede D'Or São Luiz em São Paulo; Roberto Santoro, psiquiatra e coordenador do Grupo de Trabalho de Saúde Mental da SBP (Sociedade Brasileira de Pediatria).
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