Conhece um acumulador de bichos? Ter pets demais é sinal de transtorno
Mais um, três, 10, 20 até 100. Para os acumuladores de animais de estimação, o número não importa, sempre cabe mais um pet dentro de casa. A presença de um animal é sinônimo de afeto, fascínio e companhia, porém, como tudo em exagero, pode ser sinal de que a saúde mental está pedindo socorro.
Conviver com quantidade excessiva de animais se caracteriza como um transtorno de acumulação e pode ser denominado de síndrome de Noé. Ela é uma variante da síndrome de Diógenes, que tem como sintomas negligência extrema no autocuidado, desorganização importante do ambiente doméstico e comportamento de coletar coisas sem valor.
Síndrome demanda número mínimo de bichos?
Não há um número específico de animais que uma pessoa possa ter. A acumulação é definida de acordo com o comportamento de um indivíduo, quando a vontade de cuidar ou obter animais deixa de ser vista como uma responsabilidade e vira uma obsessão.
Mas, geralmente, a situação acontece quando há quantidade de animais de estimação que ultrapassam a capacidade de o cuidador de alimentar, prestar atendimento veterinário ou oferecer o mínimo de condições de higiene para que os bichinhos vivam em harmonia com o ambiente.
Não conseguir dar o cuidado que esses pets precisam também pode trazer sentimentos como sofrimento e angústia, além de um sentimento de não ser capaz de sair desta situação.
"No acúmulo existe a dificuldade persistente de se desfazer de algo. Por vezes, pode estar também atrelado a quadros depressivos, além de condições como acumulação compulsiva, apego exagerado, dificuldade em doar e necessidades que vão da dependência à falta de organização, limpeza até o cuidado com o animal", explica o psicólogo Davi Rodriguez Ruivo Fernandes, conselheiro do Conselho Regional de Psicologia de São Paulo.
Motivos por trás da acumulação de animais
Os estudos apontam que gatos e cachorros são os animais que estão mais presentes na vida das pessoas que sofrem com a síndrome de Noé.
Solidão, isolamento, ausência de laços afetivos e sociais podem explicar o motivo por trás do acúmulo de pets, embora outros aspectos de saúde mental e de experiência de vida possam influenciar.
Diferentes pesquisas apresentaram o perfil dos acumuladores como sendo predominantemente do sexo feminino, já na terceira idade, socialmente isoladas, que acumulam em média mais de 30 animais.
Um estudo publicado no periódico Review of General Psychology justificou que o perfil dos acumuladores pode ser associado a perdas que acompanham o envelhecimento, como a mudança e distanciamento dos filhos, a morte de cônjuges e amigos, o desaparecimento de um grupo de referência ou uma queda dramática do status na sociedade.
A solidão no idoso, como em qualquer outro fator estressante para essa idade, pode ser um gatilho de transtorno cumulativo, mas caso tenha tendência a isso. Essa tendência pode acontecer precocemente na vida, com pico por volta dos 30 anos e, naturalmente, com a solidão. Sem alguém para servir de freio, é possível que esse transtorno se agrave ou saia do controle nessa faixa etária, virando, assim, uma compulsão. Sérgio Rocha, médico psiquiatra, mestre em neurociência pelo IAEU (Instituto de Altos Estudios Universitarios) de Barcelona, Espanha.
Recentemente, um estudo publicado na Innovation in Clinical Neuroscience revisou cerca de 23 trabalhos publicados em português, espanhol e inglês sobre a síndrome de Noé. Apesar de a doença ser pouco abordada pela ciência, os pesquisadores encontraram três possíveis subtipos de comportamentos que são gatilhos para que o zelo chegue a um transtorno de compulsão:
- Cuidador sobrecarregado: tem forte apego aos animais, mas minimiza os problemas de cuidado com os bichos, e mesmo tendo consciência, não consegue remediar a situação;
- Acumulador de resgate: tem um zelo missionário, busca salvar todos os animais, acredita que apenas ele pode cuidar dos bichinhos, o que se torna uma obsessão;
- Acumulador explorador: pode apresentar uma aparência de proteção e ser responsável pela função, mas é indiferente aos danos causados aos animais.
Risco de transmissão de doenças
Em todas as situações e subtipos de acumuladores, o isolamento social e os riscos à saúde são iminentes. Além dos transtornos da saúde mental, a saúde física do tutor e da sua comunidade ficam vulneráveis a zoonoses, doenças transmitidas por animais, além dos animais ficarem mais agressivos devido aos maus tratos e poderem atacar o próprio dono ou terceiros.
Amaury Pachione, médico infectologista com atuação em vigilância epidemiológica, aponta que há diferentes tipos de bactérias, vírus e fungos que podem ser transmitidas por meio de contato direto, com secreções, fezes, feridas, assim como o contato indireto com objetos e o próprio ambiente. Outro agravante é a presença de animais intermediários para a transmissão como carrapatos e mosquitos. As doenças mais comuns podem ser a raiva, febre maculosa e a doença da arranhadura do gato.
Além da higiene do local, tutor e de cada animal, é essencial estar em dia com a vacinação de todos os animais. Principalmente a raiva, que é a mais letal da zoonoses. Além de ficar atento ao diagnóstico precoce. Caso o animal fique doente e surgirem sintomas como febre, vale buscar assistência. Amaury Pachione, médico infectologista.
Como ajudar uma pessoa acumuladora de animais
Amigos, familiares e vizinhos devem se atentar à situação de acumuladores de animais, considerando a segurança da saúde pública da região, além de garantir que os pets não estão sofrendo maus tratos.
Nesta situação, é importante avaliar junto com as autoridades policiais locais se, de fato, o tutor é um acumulador compulsivo e não apenas alguém que esteja realizando perversamente o cuidado mal feito, com terceiras intenções, como o desejo de venda.
De acordo com os especialistas, mesmo quando o caso se configura como um transtorno de saúde mental, é Importante a avaliação com um profissional de saúde, seja uma psicólogo, psiquiatra, assistência social e, se for o caso, até da vigilância sanitária.
O representante do Conselho Regional de Psicologia aconselha que a empatia ainda deve ser prioridade do diálogo no momento de abordar uma pessoa com síndrome de Noé. "Para ajudar é necessário muito carinho e paciência. Não entrar no confronto. Construir um diálogo e, aos poucos, a partir do vínculo e confiança, ir em busca de ajuda. Lembrando que para a pessoa acumuladora, a situação também pode ser geradora de sofrimento mental."
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