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Saúde

Sintomas, prevenção e tratamentos para uma vida melhor


Ele descobriu doença rara ao torcer o pé criança e luta por visibilidade

Arquivo pessoal
Imagem: Arquivo pessoal

Priscila Carvalho

Colaboração para VivaBem, no Rio de Janeiro

11/12/2022 04h00

O estudante Lucas Jayle, 23, convive com uma doença rara desde criança. Ao se machucar quando ainda tinha dois anos, foi encaminhado para o hospital após torcer o pé. A partir daí, descobriu que sofria com uma condição que afeta 1,57 a cada 100 mil nascidos. Desde então, faz acompanhamento médico e luta para que todas as pessoas tenham acesso à informação e pelo respeito a pacientes com doenças raras. Abaixo, ele conta sua história:

"Descobri a doença quando tinha dois anos de idade. Estava brincando, torci o pé, fui levado para a emergência e submetido a um exame. Quando analisaram o resultado, foi constatada uma má formação óssea.
A partir desse resultado, o médico me encaminhou para um geneticista que desconfiou que eu sofria de uma doença rara.

Depois de investigações, descobriram que eu tinha mucopolissacaridose tipo 6, que afeta a altura. Por isso minha estatura é baixa. A doença também age na formação de alguns ossos do esqueleto.

Uma das características é a malformação da cabeça do fêmur. No caso de quem tem a doença, ele é achatado e, por isso, muitas pessoas precisam usar próteses.

O bom de ter descoberto o problema cedo é que pude ser acompanhado por cardiologistas e médicos. Mesmo tendo a condição, praticava esportes como futsal, taekwondo e outros.

Tratamento precoce é fundamental

Comecei a tratar a condição em 2008. Graças a Deus, comecei a realizar todo o tratamento, já que antes não era disponibilizado pelo SUS. Entramos na Justiça, saiu uma liminar e conseguimos fazer com que eu tivesse acesso.

Talvez não estivesse vivo sem o tratamento precoce.

Lucas Jayle 2 - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Imagem: Arquivo pessoal

Antes de começar um tratamento adequado, sofri muito com as sequelas da doença. Tinha bastante problema nasal e infecções respiratórias. Fiquei umas cinco vezes internado quando tinha oito anos de idade.

Devido à doença, tive que passar por um transplante de córnea, pois sofria muito com a visão. Minhas córneas ficavam opacas, atrapalhava muito, Inclusive no Enem pedi a prova ampliada, mas mesmo assim levei uma lanterna para enxergar o teste. Antes do transplante, não enxergava direito, andava pelas ruas e tropeçava nas coisas.

Doença impacta vida social

Lucas Jayle 1 - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Imagem: Arquivo pessoal

Desde 2008, época em que comecei o tratamento, houve um avanço muito grande. Atualmente, o medicamento que é usado foi inserido na lista do SUS, facilitando e não precisando de uma disputa judicial.

Por causa dessa linha terapêutica, a doença estaciona e, em muitos casos, melhora. Porém, preciso pegar um turno da semana para tomar medicação na veia e perco toda a manhã. Ou seja, dificulta um pouco a entrada no mercado de trabalho.

Para a empresa não é muito atrativo contratar alguém que precisa se retirar por algumas horas. O tratamento é muito benéfico e não tenho nada do que reclamar, mas tem esse ponto. Toda quarta-feira, reservo na minha agenda das 6h30 às 12h30 para ir ao hospital.

Já cursei publicidade. Agora, estou fazendo direito e, atualmente, estudo em casa para concursos públicos.

Visibilidade importa

Mesmo tendo a doença, nunca sofri com discriminação. Conheço outras pessoas que já passaram por isso, mas eu não. Minha família sempre me apoiou e esteve ao meu lado.

Lucas Jayle 4 - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Imagem: Arquivo pessoal

Sofro um pouco para pegar coisas em lugares altos, por causa da minha baixa estatura, e também para pegar transporte público. É mais difícil passar o dia inteiro na rua, mas quando tenho dificuldade, peço auxílio.

Acredito que ainda falta atenção com acessibilidade, pois facilitaria muito para mim e outras pessoas, como cadeirantes. Também acho que falta informação até entre os profissionais de saúde no geral. Cada doença tem sua caraterística e tem que ser acompanhada de forma diferente.

Um dos maiores perigos é a aplicação de anestesia, por exemplo. O processo de intubar e realizar a extubação também é delicado, pois temos a traqueia encurtada e isso foi uma das coisas que mais me deu medo na pandemia. Quanto mais a comunidade tiver conhecimento disso, mais seguro ficaremos."

O que são as mucopolissacaridoses?

Mucopolissacaridoses (MPS) são doenças genéticas motivadas pela pouca ou inexistente atividade de uma ou mais enzimas responsáveis por processar um determinado tipo de açúcar, os glicosaminoglicanos (GAGs).

A falta dessas enzimas ocasiona alterações metabólicas que fazem surgir diversas manifestações clínicas, porque os açúcares não metabolizados começam a se estabelecer e se acumular em diferentes partes do corpo, como ossos, articulações e órgãos.

Como consequência, os pacientes apresentam comprometimento do sistema respiratório, nervoso, musculoesquelético, gastrointestinal (fígado e baço) e cardiovascular, entre outros.

No tipo 6, que é a de Lucas, há o defeito da enzima arilsulfatase B, sendo que as principais características clínicas são:

  • Inteligência normal;
  • Displasia esquelética predominante;
  • Face levemente grosseira;
  • Baixa estatura;
  • Doença valvar cardíaca;
  • Contraturas articulares.

As principais sequelas causadas pela doença são:

  • hérnias (inguinais e umbilicais)
  • déficit neurológico
  • modificações faciais
  • limitações articulares
  • perda auditiva
  • hirsutismo (crescimento indesejado de pelos com padrão masculino na mulher)
  • problemas respiratórios e cardíacos
  • aumento do fígado e do baço

Como funciona o tratamento? Atualmente, os medicamentos e cirurgias auxiliam na redução dos sintomas relacionados às síndromes, além de dois tratamentos que vêm sendo utilizados para diferentes tipos de MPS:

  • Terapia de reposição enzimática: via infusão intravenosa, repõe a enzima deficiente no paciente.
  • Transplante de células-tronco hematopoiéticas: por meio da doação de medula de uma pessoa saudável compatível com o paciente.

As MPSs não têm cura, mas com tratamento adequado é possível aumentar a expectativa e a qualidade de vida do paciente.

Fonte: Carlos Eduardo Abascal Shiguihara, médico especialista em radiologia e diagnóstico por imagem e professor do curso de medicina da PUC-PR (Pontifícia Universidade Católica do Paraná).