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'Mudança foi surreal': estudo da USP avalia tratamento de TDAH em crianças

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Imagem: iStock

Gabriele Maciel

Colaboração para o VivaBem

15/12/2022 04h00

Mãe de quatro filhos e professora de educação infantil, Eliane Almeida se sentiu perdida quando o neto nasceu. A criança era muito agitada, sofria de terror noturno e não parava quieta nem por um minuto. Quando ele completou 4 anos, ela buscou ajuda na internet e se deparou com uma pesquisa que estava recrutando voluntários.

"Preenchi um questionário sobre alguns sintomas de TDAH (Transtorno de Déficit de Atenção) e uma equipe da USP (Universidade de São Paulo) entrou em contato comigo", conta Almeida.

Depois de passar por mais testes e exames de saúde, o neto da professora foi escolhido para participar do estudo clínico denominado Mappa, do IPq-FMUSP (Instituto de Psiquiatria da Faculdade de Medicina da USP).

A pesquisa, inédita no Brasil, avaliou a eficácia e a segurança do tratamento medicamentoso e do treino parental em crianças em idade pré-escolar. "A mudança do meu neto foi surreal, agora ele é uma criança que consegue se concentrar nas atividades da escola e brinca normalmente sem se colocar em perigo", comenta Almeida.

Ao todo, 153 famílias participaram da pesquisa cujo resultado foi publicado em outubro deste ano na revista científica The Lancet Child and Adolescent Health.

"A eficácia e a segurança do metilfenidato, que é o medicamento padrão para tratamento de TDAH, já estava bem estabelecido na literatura médica em outras faixas etárias, então a nossa pesquisa trouxe evidências científicas sobre o uso desta medicação também em pré-escolares", explica Luísa Shiguemi, psiquiatra da infância e adolescência e pesquisadora do Mappa.

Como a pesquisa foi feita

  • Foram três grupos de tratamentos, com duração de oito semanas: o primeiro grupo recebeu metilfenidato e treinamento parental, o segundo recebeu placebo e treinamento parental, e o terceiro recebeu placebo e treinamento parental-sham (que é como se fosse um treinamento "fake").
  • No treinamento "oficial", os pais e responsáveis pelas crianças participaram de sessões semanais com os terapeutas do IPq, em que eles propunham brincadeiras e atividades entre pais e filhos.
  • Quando as crianças tinham comportamentos considerados adequados, os terapeutas sugeriam que os pais elogiassem seus filhos. Do contrário, eles eram orientados a mostrar as consequências, sempre de forma respeitosa e reforçando a autoconfiança da criança.
  • O ineditismo da pesquisa foi avaliar o treinamento parental e o uso de medicação em um mesmo estudo.

"Já havia evidências do efeito positivo da terapia como forma de tratamento de crianças com TDAH. Porém, alguns cientistas questionavam se a melhora relatada não estava enviesada, já que os próprios pais avaliavam a intervenção da qual eles também eram partes. Com o uso combinado de terapia e medicação, conseguimos diminuir essas limitações metodológicas", afirma Shiguemi.

A pesquisa também comprovou que a medicação melhora a funcionalidade, ou seja, o comportamento das crianças. Além disso, o metilfenidato reduz a frequência e intensidade de sintomas do TDAH.

Por outro lado, o treinamento parental é importante porque auxilia a família a lidar com a criança, manejando a irritabilidade comum em quem tem o transtorno.

O que é o TDAH?

O TDAH é um transtorno de neurodesenvolvimento de origem genética e se caracteriza por um padrão persistente de sintomas de desatenção, hiperatividade e impulsividade. Comumente, o TDAH surge na infância e o diagnóstico e o tratamento precoces diminuem os possíveis prejuízos que o transtorno acarreta, como dificuldade de aprendizagem e de relacionamento.

"São crianças que podem ter problemas de autoestima porque crescem ouvindo que são lerdas e burras. Além disso, elas ficam mais propensas a desenvolver algumas comorbidades como depressão e ansiedade", diz o neuropediatra Eduardo Silva, médico assistente do Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Uberlândia.

O diagnóstico é clínico e o médico ouve relatos dos pais, cuidadores e professores, além de aplicar um teste chamado de SNAP-IV, da Academia Americana de Psiquiatria.

"Este teste tem 18 categorias de sintomas de desatenção e hiperatividade; por meio dele, nós avaliamos o quanto o transtorno pode estar atrapalhando a vida da criança", diz Silva, que também defende que a primeira opção de tratamento para a faixa etária seja a psicoterapia.

"Em alguns casos, entretanto, a criança precisa da medicação porque ela é tão agitada que se coloca em risco de vida", ressalta.

Por ser um remédio controlado, o metilfenidato pode assustar muitos pais, que tendem a pensar nos efeitos do medicamento e se ele não pode "viciar". A pesquisa Mappa mostrou, entretanto, que os efeitos colaterais foram leves, resumindo-se basicamente à perda de apetite.

"As crianças que participaram do estudo foram acompanhadas de perto e durante a pesquisa passaram por vários exames de sangue, eletrocardiograma e avaliação física. Em nenhuma delas houve a necessidade de parar o tratamento", aponta Shiguemi.

Fontes: Carla Zambaldi, professora adjunta de neuropsiquiatria da UFPE (Universidade Federal de Pernambuco); Eduardo Silva, neuropediatra, médico assistente do Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Uberlândia; Luísa Shiguemi, psiquiatra da infância e adolescência e pesquisadora do Mappa, do IPq-FMUSP (Instituto de Psiquiatria da Faculdade de Medicina da USP).

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