Remédios no espaço: como pesquisas fora da Terra podem acelerar tratamentos
Desde seu lançamento, em 2000, a Estação Espacial Internacional (ISS, na sigla em inglês) funciona como um laboratório orbital de centenas de experimentos científicos. Vacinas, robôs cirurgiões e tratamento para osteoporose foram algumas conquistas da estação em prol da saúde. Agora, cientistas estudam o efeito da microgravidade sobre substâncias usadas para tratar doenças.
Paul Reichert, pesquisador da empresa norte-americana MSD (Merck Sharp & Dohme) é um dos nomes na linha de frente dessa empreitada. Na indústria farmacêutica, ele foi um dos primeiros a propor o estudo da cristalização de proteínas em condições de microgravidade, depois descobrindo nelas novos e intrigantes comportamentos.
Cristalizadas, ou transformadas em cristais, as proteínas permitem ser mais bem visualizadas e compreendidas, do ponto de suas estruturas e interação com outras moléculas, incluindo patógenos (vírus, bactérias, fungos), que assim podem ser inativados. Como tornam-se puras, essas proteínas ainda podem servir para novos medicamentos —e é esse processo atual, conduzido no espaço, que está sendo avaliado.
Tratamento de horas reduzido a minutos
Segundo Reichert, em entrevista para VivaBem, sua equipe testou em microgravidade a ação de um ingrediente de um medicamento imuno-oncológico (para tratar câncer). Comumente, o paciente recebe essa substância via infusão hospitalar, que demora horas. Com a mistura desenvolvida no espaço, esse tempo poderia ser reduzido a cinco minutos, com injeções subcutâneas aplicadas em consultório.
"Descobrimos que as suspensões (misturas) cristalinas cultivadas no espaço eram mais uniformes, menos viscosas, com propriedades de injetabilidade aprimoradas. O trabalho lá ajuda no desenvolvimento em solo de processos para formulações em geral. Os resultados foram relatados em um artigo na revista científica Nature Microgravity", diz o cientista.
Aqui embaixo, esse conhecimento demonstra ser aplicável em circunstâncias específicas, desde que manipuladas as variáveis e simulada a microgravidade. Consequentemente, há o desafio de se criar formas novas de desenvolver compostos, como os chamados anticorpos monoclonais (sintéticos), mantendo ainda sua integridade química e estrutural, e entregá-los.
Doenças combatidas e ao menor custo
Caso a ciência consiga produzir em alta concentração e grandes remessas os medicamentos em teste no espaço, uma vez que atualmente o limite é baixo e por isso cada sessão de infusão costuma ser repetida a cada três semanas, a expectativa é que haja uma mudança positiva da realidade, melhorando a qualidade vida de pacientes —e cuidadores—, além de redução significativa de custos.
"Anticorpos monoclonais imuno-oncológicos têm sido usados com sucesso no tratamento de vários tipos de câncer, como de pulmão e melanoma (um tipo de câncer de pele), além de outras indicações. Fazemos experimentos de controle na Terra ao mesmo tempo em que são realizados os experimentos de microgravidade. Usamos uma bateria de métodos e há sempre surpresas", explica Reichert.
O pesquisador continua que há missões de reabastecimento para a Estação Espacial a cada três meses, usando foguetes. Os astronautas então retiram os experimentos, os ativam e os devolvem em 30 dias, num módulo que desce de paraquedas até o golfo do México. "Levamos os experimentos de volta ao laboratório na Flórida (EUA) em duas horas."
Brasil também está na "corrida espacial"
A farmacêutica nacional Cimed investe em pesquisas espaciais e, para os próximos cinco anos, prevê R$ 300 milhões em testes na microgravidade. No final de 2021, a empresa iniciou seu primeiro projeto em órbita, um experimento de cristalização da proteína do coronavírus, o SARS-Cov-2. O objetivo é o de formular em terra novos medicamentos para tratar a covid-19.
"Em novembro, demos início à nova fase do projeto, que consiste no envio de leveduras (organismos unicelulares) para a Estação Espacial. Dessa vez, o objetivo do estudo é testar a absorção de vitaminas e minerais de um multivitamínico nosso, para ter maior embasamento científico para entender a longevidade", explica João Adib Marques, CEO do Grupo Cimed.
Entretanto, Marques acrescenta que, enquanto os experimentos espaciais ajudam no desenvolvimento e, algumas vezes, até no encurtamento do processo de inclusão de um novo medicamento no mercado, questões terráqueas dificultam o processo. Se a força gravitacional reduzida e a radiação cósmica aceleram pesquisas, os prazos acabam impactados por processos de certificação e outras burocracias.
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