'Sem meu irmão, Natal ficou cinza': os desafios dos traumas no fim do ano
Marilda Silva já precisou lidar com a perda inestimável de entes queridos —seus pais, entre a infância e a adolescência, e seu irmão, após um acidente de carro quando ele tinha 29 anos.
"Meus pais estavam doentes quando faleceram, então, de certa forma, foi mais fácil de compreender a perda. Mas meu irmão e eu, sem nossos pais, ficamos muito unidos, ele era a alma da família e partiu de repente", conta Marilda.
Valter, seu irmão, morreu em 1991, indo da casa de Marilda, em Franca, interior de São Paulo, até sua residência em Nova Serrana, Minas Gerais, um trajeto que deveria durar cerca de cinco horas e meia, e que ele percorria no dia seguinte do aniversário da filha de um ano da irmã.
Depois do acidente, durante anos as comemorações de fim de ano, especialmente o Natal, perderam o sentido para Marilda. As festas de final de ano já não tinham mais a mesma graça, porque era ele a festa.
Era ele que unia a família, ele que a gente esperava o ano todo para organizar o nosso amigo invisível. Depois da morte dele, o brilho vermelho do Natal, aquele azul bem reluzente das luzes, se perdeu. A data começou a ser cinza. Marilda Silva
Embora se fale muito de felicidade nas confraternizações de fim de ano, milhares de pessoas, assim como Marilda esteve por muitos anos, ficam em um estado de melancolia por ter ter perdido alguém ou algo —como um matrimônio— que fazia a comemoração ter mais sentido.
"Culturalmente, festas de fim de ano representam alegria, celebração de laços familiares. Mas o que acontece é que muitas pessoas vivem essa data com tristeza. No encontro, você também se dá conta de quem está faltando e do que pesou durante todo o ano. É também um momento de reflexão", analisa Bárbara Santos, psicóloga e psicanalista na clínica Holiste Psiquiatria, em Salvador (BA).
O luto e a melancolia também são sentimentos que podem coexistir, sem serem ignorados, com datas festivas.
Marilda conta que seguiu frequentando as festas da família por alguns anos e montava a árvore de Natal para que seus filhos pudessem aproveitar, mas que o sofrimento a acompanhava. "Chorei escondida várias vezes para não estragar a ceia de ninguém."
"É importante falar sobre isso e saber que isso existe, para que as pessoas que estão passando por isso ou conhecem alguém que está não achem errado, que o sentimento não é legítimo, quando na verdade muitas famílias passam pelo mesmo", diz Marilda.
Para quem convive com alguém nessa situação, é importante saber que não há uma atitude específica que seja correta —cada um lida com os sentimentos de uma maneira. Mas os especialistas consultados pela reportagem apontam que mais importante não é dar conselhos ou tentar oferecer soluções, mas simplesmente estar presente.
Em momentos de maior sensibilidade, é essencial praticar a audiência não punitiva, ou seja, buscar não invalidar ou castigar alguém pelo que ela está sentindo. O importante é ouvir, acolher e tentar compreender aquela pessoa sem julgamentos ou comparações, que, por mais bem intencionadas que sejam, podem piorar a situação. Filipe Colombini, psicólogo, fundador e CEO da Equipe AT, empresa com foco em acompanhamento terapêutico, e mestre em psicologia da educação pela PUC-SP.
Sem felicidade forçada
Foi só em 2021, 30 anos após a morte de Valter, que as festas de fim de ano ganharam um novo significado para Marilda.
Trabalhando na linha de frente do atendimento a pacientes com covid-19 como técnica de enfermagem durante toda a pandemia, ela recebeu a notícia de que seus dois filhos iriam a Curitiba passar o Natal com a irmã deles, sua filha Lívia.
Eu não conseguiria chegar, mas decidi que, por eles, eu andaria 800 km de carro para ao menos podermos passar o Ano-Novo juntos. Eu precisava estar ali, a vida passa muito rápido. Eu acho que o Valter ficaria contente, ele não gostaria de me ver triste —a vida toda ele pensava nos outros. Marilda Silva
O tempo para criar novas tradições e dar significados diferentes a elas depende de cada pessoa. "Este momento de reunião ele precisa fazer algum sentido, e não para viver uma felicidade, que não faz sentido para aquela pessoa, mas que ela acaba fazendo em função do que é esperado dela", diz a psicóloga e psicanalista Bárbara Santos.
Forçar uma comemoração quando não se está preparado emocionalmente para isso pode trazer efeitos negativos.
"O ser humano tem uma ligação forte com datas, e enquanto para a maioria das pessoas momentos como estes são motivos de alegria e felicidade, para pessoas que estão com o cérebro funcionando de maneira alterada como na depressão, tais momentos podem se tornar motivo de mais cobrança pela felicidade que não sentem, e de culpa por estarem deprimidos", aponta Jéssica Martani, médica psiquiatra pela Secretaria Municipal de São Paulo.
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