'Parei de fumar depois de perder dentes e um primo para o câncer de pulmão'
O engenheiro aposentado Geraldo Gomes, 68, fumou por quase cinco décadas. Depois de enfrentar diversos problemas de saúde bucal, ele percebeu, no início de 2021, que seus dentes estavam mais moles do que antes.
No consultório do dentista, descobriu que precisaria ser submetido a um implante dentário total. Para que o procedimento funcionasse, no entanto, o especialista deixou claro: "Você precisa parar de fumar".
Geraldo achou que abandonar o cigarro fosse impossível. Em maio, contudo, um acontecimento foi "a gota d'água" para que ele tomasse a decisão. Um primo seu, que também era tabagista, foi vítima de um câncer no pulmão. Com medo e vivendo o luto, prometeu a si mesmo que iria parar de fumar —e parou. A seguir, ele conta sua história.
Fumar era moda
"Quando era adolescente, na década de 70, a moda era cigarro. Quem não fumava, estava fora de contexto. Quando comecei a fumar, nem gostava de cigarro, mas a gente começa por influência de amigos. Isso aconteceu quando eu tinha 18 anos.
Depois disso, não parei mais de fumar. Naquela época, fumava bem menos, mas em pouco tempo você está fumando 10, 20 cigarros, e daí por diante. O vício do cigarro é triste.
Lembro que, na faculdade, a gente fumava dentro da sala de aula, tanto os alunos quanto os professores. Para você parar de fumar, tem que ter muita determinação e coragem, e naquela época eu não tinha isso. Sabia que era ruim para mim, mas continuava fumando.
'Morte do meu primo foi a gota d'água'
Tinha amigos que fumavam quatro maços de cigarro por dia. Já eu cheguei a fumar, no máximo, um maço por dia. Quando tinha uns 20 anos, tentei parar. Não consegui. Fui influenciado por outros fumantes e voltei ao cigarro de novo.
Nos últimos dois, três anos, tentei parar outra vez. Nessa última fase, fumava de oito a 10 cigarros por dia. Fui parando de forma gradual, até bater o martelo e dizer 'esse é o ultimo'.
Minha vontade de parar era pequena, mas eu tinha esperança. E o que me motivou é o que você assiste diariamente: fulano morreu de câncer de pulmão, outro morreu não sei do quê, tudo relacionado com o consumo de cigarro.
As mortes de famosos como o Dominguinhos e o Reginaldo Rossi, que tiveram câncer de pulmão, me abalaram. Mas é como se não estivessem perto de mim. A morte mais determinante para eu parar de fumar foi a do meu primo. Essa foi a gota d'água.
Ele morreu em maio de 2021 e tinha a minha idade. Era praticamente um irmão meu, porque a gente foi criado juntos. Ele fazia aniversário um dia depois do meu e era um ano mais novo que eu. Ele, que sempre foi muito forte, de repente ficou muito debilitado.
Foi diagnosticado com câncer de pulmão, foi internado e, em pouco tempo, morreu. A morte dele foi um baque muito grande na minha vida, eu falei 'meu Deus do céu, não dá mais, preciso parar de fumar'.
'Perdi os dentes por causa do cigarro'
Um pouco antes da morte do meu primo, outro fator também me impulsionou a parar de fumar: perdi muitos dentes por causa do cigarro.
Sempre tive uma boa dentição. Mas, com o passar dos anos, as coisas foram mudando. Lembro que fui num dentista 20 anos atrás e descobri que estava com muita retração de gengiva e perda óssea [entenda mais abaixo].
Ele falou: 'Geraldo, vou ter que tirar seus dentes todos e você vai ter que usar uma dentadura'. Eu falei: 'não vai tirar, melhor deixar tudo cair'.
Então, fui em outro dentista, e comecei a ir empurrando com a barriga: fazia um tratamento aqui, outro ali, uma limpeza, uma retenção, um reforço no dente. Até que veio a pandemia e eu deixei de ir no dentista que costumava ir de quatro em quatro meses, para fazer limpeza.
Quando voltei, os dentes da parte superior já estavam, na maior parte, moles. Foi quando o dentista recomendou fazer um procedimento radical: o implante geral. Coloquei 12 implantes nas arcadas superior e inferior.
O dentista me deu uma condição: 'Geraldo, você vai ter que parar de fumar, se não, não adianta fazer implante'. E eu pensei comigo mesmo: 'eu tenho certeza que não vou parar'.
Fissura e síndrome de abstinência
Depois que fiz a primeira cirurgia, na parte superior dos dentes, comecei a parar um pouco de fumar. Isso foi em março de 2021. Logo em seguida, fiz a cirurgia da parte inferior, aí já estava fumando muito pouco, coisa de um cigarro por dia.
Mas foi só uma semana depois de o meu primo morrer, em maio, que eu parei totalmente de fumar. Acabou. Tinha cigarro aqui dentro de casa, mas eu não fumava. A ajuda que tive foi a força de vontade e o medo de ficar doente.
Também usei adesivos de nicotina, aqueles que vendem na farmácia, e, para mim, eles ajudaram, diminuindo um pouco a ansiedade de querer fumar.
Mas digo uma coisa: um amigo meu de Atibaia, que também fumava e abandonou o cigarro, me disse que até hoje sente vontade de fumar. Se pegar um cigarro, volta tudo de novo. Ele me disse: 'Geraldo, essa vontade só some depois de uns 15 anos'.
O cara que fuma é assim: você nunca esquece. Nos primeiros meses, eu sonhava que estava fumando. No sonho, sentia muita angústia, pensando 'puxa vida, eu caí de novo'. Quando acordava, sentia um alívio.
Não é fácil. Como eu pensava em cigarro nos primeiros meses, meu Deus do céu! Antes, minha rotina de manhã era fazer um café e ir fumar na varanda. No final do dia, era a mesma coisa. Começava e terminava o dia fumando. Passei pelo menos quatro meses com fissura e síndrome de abstinência
A minha mulher não acreditava que eu ia parar, nem eu acreditava, mas graças a Deus, consegui. Recebi muito incentivo dela também. Não fumo desde maio de 2021.
Impactos na saúde e eliminação de gatilhos
Minha respiração melhorou muito depois que parei de fumar e também senti que minha disposição aumentou um pouco. Antes, me falta de ar.
cansava muito fácil, tinhaRecentemente, fiz um teste ergoespirométrico, para avaliar a capacidade do meu pulmão, e o resultado foi que eu tenho um déficit respiratório. Como tive covid-19 duas vezes, o médico disse: 'Isso pode ser os estragos que o cigarro causou em você ou pode ser a covid'.
Ele recomendou que eu procurasse um pneumologista, vou marcar a consulta no começo do ano.
Além disso, antigamente, quando eu tomava café, ia fumar. Tomava um cafézinho e fumava. O cigarro puxava o café e o café puxava o cigarro. Atualmente, eu não tomo mais café puro. Evito café, só tomo com leite de manhã, e à noite tomo chá.
Aconselho as pessoas que querem parar de fumar a terem uma motivação. Pensar, por exemplo, 'eu vou fazer isso pelo meu filho, vou fazer por mim mesmo, vou fazer isso pelo meu futuro'. Fumei por mais de 50 anos. É muito tempo, muito cigarro, mas, se Deus quiser, não quero saber de cigarro nunca mais."
Como o cigarro afeta saúde bucal
O tabagismo é um dos principais fatores de risco para a gengivite e a periodontite. A primeira se refere à inflamação da gengiva, enquanto a segunda afeta tanto a gengiva quanto o conjunto de tecidos que reveste e dá suporte aos dentes —o chamado periodonto.
- Se não for tratada, a gengivite pode evoluir para um quadro de periodontite, que representa uma das principais causas de perda dentária em adultos;
- A maior parte dos casos de periodontite é causada pelo acúmulo prolongado de placa bacteriana (biofilme), resultado da higienização bucal inadequada;
- Condições como o tabagismo e o diabetes, no entanto, elevam não só o risco como também a gravidade dos quadros da doença;
- O cigarro é considerado o maior fator de risco para doença periodontal crônica. Agravada pelo ato de fumar, a inflamação pode atingir alguns grupos de dentes ou toda a arcada dentária.
"O processo inflamatório da doença periodontal, que costuma ser lento, acontece de maneira três a quatro vezes mais rápida em quem fuma", afirma Giuseppe Alexandre Romito, professor titular e vice-diretor da FOUSP (Faculdade de Odontologia da Universidade de São Paulo).
Romito explica que isso acontece porque o cigarro prejudica o sistema de defesa da gengiva frente à placa dentária: como os vasos sanguíneos ficam menos permeáveis, as células de defesa têm dificuldade de caminhar pelo tecido e migrar até as bactérias para atacá-las. Esse problema eleva a probabilidade de perda dentária.
- O tratamento é feito a partir de limpeza bucal, uso de anti-inflamatórios e antibióticos. Dependendo da gravidade do caso, o implante dentário também pode ser necessário. Parar de fumar é imprescindível para controlar a inflamação.
- De acordo com o dentista, se o paciente largar o cigarro, é possível recuperar as condições clínicas da gengiva em até dois anos. No entanto, na maioria dos casos, a perda óssea e o rompimento de ligamentos periodontais já ocorridos não se regeneram.
Além de doenças na gengiva, outros problemas de saúde bucal que tabagistas estão mais propensos do que não fumantes a desenvolverem são o câncer de boca e orofaringe.
Não é só a boca: cigarro afeta todos os órgãos
A boca não é o único órgão afetado pelo uso do cigarro. "A nicotina afeta todos os órgãos e sistemas do organismo", explica o pneumologista Paulo César Corrêa, coordenador da Comissão Científica de Tabagismo da SBPT (Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia).
O fumante vai perdendo função pulmonar mais rapidamente. Quando ele deixa de fumar, para de perder função pulmonar em taxas maiores do que a população em geral, mas o que foi perdido não pode mais ser recuperado. Paulo César Corrêa, pneumologista
Um estudo publicado no periódico The Lancet descobriu que fumar regularmente está associado a riscos mais altos de 56 doenças e 22 causas de morte. A pesquisa analisou 85 causas de morte e 480 doenças diferentes e os dados vieram do China Kadoorie Biobank.
As doenças incluem:
- Câncer de pulmão;
- Câncer de estômago;
- Câncer de bexiga;
- Diabetes;
- Ataque cardíaco;
- Aneurisma aórtico;
- Pneumonia;
- Úlcera gástrica;
- Catarata.
O que faz uma pessoa parar de fumar?
Muitos estudos já investigaram quais são as razões que podem motivar alguém a largar o cigarro. O psiquiatra Paulo Rodrigues Nunes Neto, pesquisador de adicção e fundador do projeto de extensão da UFC (Universidade Federal do Ceará) "Inspira Ação", que auxilia no tratamento do tabagismo, no HUWC (Hospital Universitário Walter Cantídio), cita alguns deles:
- Problemas de saúde ou perdas de pessoas próximas para problemas relacionados ao tabagismo;
- Adquirir conhecimentos a respeito dos males do tabagismo;
- Conhecer os benefícios de parar de fumar;
- Fatores sociais, culturais e religiosos.
Parar de fumar é uma decisão pessoal. Portanto, diz Neto, tomar essa decisão e buscar ajuda profissional, se necessário, são requisitos fundamentais para o tratamento do tabagismo.
É possível encontrar diversos programas tanto no sistema público quanto privado de saúde que permitem criar um plano de tratamento personalizado para cada caso, com a participação de pneumologistas, psiquiatras e cardiologistas, por exemplo.
Procurar ajuda profissional é importante porque largar o cigarro pode ser um grande desafio para quem é fumante há anos. A nicotina, princípio ativo do tabaco, é altamente viciante. Além disso, ao longo do tempo, a pessoa passa a utilizar o cigarro não só por prazer, mas também para lidar com emoções no cotidiano, como tristeza, raiva, ansiedade e alegria, ou em situações cotidianas, a exemplo de acordar ou tomar café.
Por isso, segundo Neto, algumas mudanças no estilo de vida ou ambientais também são importantes para quem quer deixar o cigarro para trás:
- Evitar ambientes com fumantes;
- Prática de atividade física (sob orientação médica);
- Fugir de gatilhos associados à dependência, como tomar café;
- Retirar pistas ambientais do cigarro (jogar fora cinzeiros, por exemplo);
- Encontrar fontes alternativas saudáveis de prazer ou para alívio do estresse (meditação, práticas religiosas etc.).
Adesivos de nicotina e gomas de mascar podem atuar como complementos. O chamado "kit fissura" também pode ser um aliado nos momentos em que surgir uma vontade enorme de fumar —a tal da "fissura". O kit é feito de balas e chicletes sem açúcar e frutas secas e seu objetivo é ajudar a produzir um sabor e dar a sensação de que há algo na boca.
Alguns fumantes podem ter mais dificuldade e necessitar de apoio medicamentoso para conseguir parar de fumar. Nesses casos, é necessária a avaliação e prescrição do médico.
VivaBem tomou conhecimento da história de Geraldo após ele deixar um comentário na matéria "Tem dificuldade de parar de fumar como Stepan Nercessian? Veja 8 dicas", então entramos em contato para saber mais e entrevistá-lo para este relato. Se você também quer contar a sua história relacionada a temas de saúde, escreva para vivabemuol@uol.com.br.
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