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Ela conta como foi fazer alongamento ósseo aos 8 anos: 'Doía na alma'

Paula no fim da recuperação, em 1998 - Arquivo pessoal
Paula no fim da recuperação, em 1998 Imagem: Arquivo pessoal

Janaína Silva

Colaboração para o VivaBem

04/01/2023 04h00

A produtora audiovisual Paula Tonelotto Rodrigues, 33, tinha 8 anos quando passou pelo procedimento de alongamento ósseo na perna esquerda para corrigir a diferença entre o tamanho de suas pernas.

Com apenas 20 dias de vida, passou por uma cirurgia para raspar a cabeça do fêmur, devido à infecção provocada por uma bactéria —doença conhecida como osteomielite pioartrite coxofemoral. Depois, por conta da imunidade baixa, ela pegou uma infecção hospitalar e teve que refazer o procedimento no mesmo local.

Com isso, suas pernas passaram a crescer com tamanhos assimétricos, e ela usava palmilhas dentro e fora do tênis para ajustar a diferença até realizar o alongamento do fêmur.

Paula chegou do hospital ainda engessada da cintura pra baixo - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Paula chegou do hospital ainda engessada da cintura para baixo
Imagem: Arquivo pessoal

"Minha mãe ainda se emociona ao contar a história. Foi desesperador, segundo ela. Afinal, eu era recém-nascida e não identificavam o local no qual a bactéria estava alojada.

Possivelmente, o micro-organismo estava na tesoura que cortou o cordão umbilical, segundo os especialistas. Após me levar a inúmeros médicos, recomendaram a ela que fosse ao Hospital das Clínicas, em São Paulo e, desde então, faço todo o acompanhamento lá, pelo SUS.

Esses dois procedimentos realizados quando eu era praticamente recém-nascida afetaram todo o crescimento da perna esquerda, deixando uma diferença bem perceptível entre as duas pernas. Usava palmilhas dentro e fora do tênis para corrigir a desigualdade.

Toda a minha família é alta. Hoje, tenho 1,76 cm. Então, os médicos recomendaram que fizesse o alongamento ósseo aos 8 anos. Ainda lembro a data: 30 de abril de 1998.

1992 - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Paula antes da cirurgia, em 1992
Imagem: Arquivo pessoal

O alongamento foi no fêmur e para isso foi preciso quebrá-lo a fim de inserir uma haste dentro do osso e o aparelho que ficava na parte externa e lateral da perna.

Fiquei com o aparelho durante três meses e a haste foi o único gasto que minha família teve durante todo o período, e foi importante para reduzir o tempo necessário para permanecer com o fixador externo.

Todos os dias, minha mãe girava um dos parafusos. No início, era bem tranquilo, mas no final, cada girada doía na alma, mas era o aparelho fazendo o seu trabalho. Não retirei a haste interna, de titânio, pois era opcional.

Alonguei 7 cm no comprimento da perna e fiquei alguns anos com as pernas no mesmo tamanho.

Depois, a diferença voltou a aumentar e os médicos ofereceram duas opções: ou passava pelo alongamento novamente, agora na tíbia, ou poderia ser feito uma incisão na cartilagem do joelho da perna direita, para bloquear o crescimento. Optei pelo segundo procedimento; foi mais rápido e tive alta no mesmo dia.

raio x da perna com os pinos - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Exame mostra perna com a haste
Imagem: Arquivo pessoal

De fato, o crescimento estabilizou. Tenho uma diferença de pouco mais de 2 cm, por conta da extremidade do osso da coxa, raspada duas vezes, e da dissonância do crescimento entre as pernas. Os médicos contam que, no futuro, terei que colocar uma prótese na cabeça do fêmur para evitar dores.

Muitas pessoas que me conhecem há muito tempo nem percebem a diferença.

Tudo isso deixou algumas cicatrizes. Não posso dizer que foi tranquilo, mas lidei bem. Não fiz acompanhamento psicológico ou terapia.

Na escola, sofri um pouco de bullying. Minha avó chegou a me levar à escola para rever meus coleguinhas, quando ainda estava com o fixador externo, e me recordo que eles ficaram com receio de chegar perto, o que a chateou um pouco.

Além disso, minha sala de aula ficava no segundo andar e durante um tempo precisei ser carregada e ficava durante o intervalo sem descer. Mas passei de ano. Minha mãe até achava que fosse ser reprovada, mas fiz as provas, entreguei os trabalhos e deu tudo certo.

Atividade física é a única coisa que tudo isso me barrou. Sempre gostei de jogar futebol, sonhava em me profissionalizar, mas fui aconselhada a parar, para evitar uma série de desconfortos.

Outra questão foi a vergonha das marcas. Ter ido à praia de biquíni, mesmo que aos 27 anos, foi libertador.

Hoje, tenho orgulho das cicatrizes, pois elas me trouxeram até aqui."

Paula Tonelotto Rodrigues - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Paula diz que hoje tem orgulho das cicatrizes
Imagem: Arquivo pessoal

Como é feito o procedimento?

O alongamento ósseo é extremamente complexo e trata doenças e deformidades ósseas congênitas ou adquiridas, como perdas de osso após grandes traumas, tumores ou infecções ósseas.

Hoje, há também uso estético do procedimento, que, nesse caso, é realizado simultaneamente nos dois membros para que haja simetria. "Quando é corretivo, é feito no membro que tem a deformidade", diz o ortopedista Fabiano Nunes.

Não há limite de idade para passar pelo alongamento. Contudo, quanto maior a idade, maior o tempo para a recuperação e formação do osso. No caso estético, a recuperação pode levar de seis meses a um ano. Os custos vão além de R$ 100 mil, considerando equipamentos e internações.

Em geral, em torno de 10% do comprimento do osso pode ser alongado. Guilherme Gaiarsa, presidente do comitê de reconstrução e alongamento ósseo da SBOT (Sociedade Brasileira de Ortopedia e Traumatologia), explica que alguns acreditam em 20%, mas há necessidade de acompanhamento de fisioterapeuta e eventuais cirurgias para alongamentos de tendões, por exemplo.

Existem diversas técnicas conforme os objetivos, mas, em geral, os alongamentos ósseos são realizados nas tíbias e nos fêmures e, menos frequentemente, no úmero ou no antebraço para tratamento de doenças ou deformidades. "Os alongamentos de ossos menores, como os das mãos ou dos pés também existem e são realizados em situações específicas", esclarece Gaiarsa.

Paula na praia - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Paula diz que só conseguiu ir à praia sem usar uma bermuda aos 27 anos
Imagem: Arquivo pessoal

Tudo ao redor dos ossos é alongado junto com eles, incluindo vasos, músculos e nervos, que vão se adaptando ao aumento progressivo. As fáscias —tecido fibroso no qual se fixam alguns músculos— podem ser limitantes e são as maiores causas de deformidades e complicações após os alongamentos.

Além disso, cada paciente tem limites individuais de flexibilidade dos tecidos ao redor e sua tensão pode causar deformidades, limitações articulares e compressão de nervos, levando à paralisia ou trombose venosa, por exemplo, entre outras complicações. Por isso, o procedimento deve ser bem planejado, discutido e avaliado, devido à existência de riscos, alguns graves.

Quanto tempo demora para o osso ser alongado?

O tempo de alongamento depende de várias características, como a qualidade do regenerado ósseo que está se formando e da biologia óssea local.

"Em geral, alonga-se 1 mm ao dia. Se é preciso crescer 3 cm, são 30 dias, e assim por diante", diz Nunes. Segundo ele, é possível acelerar ou não o processo. Depois de alongada a medida necessária, os fixadores externos são mantidos durante o mesmo período para proteger os ossos alongados. "Por exemplo, se alongou três meses, fica com o aparelho mais três meses", diz.

Fontes: Fabiano Nunes, ortopedista da BP (Beneficência Portuguesa); Guilherme P. Gaiarsa, presidente do comitê de reconstrução e alongamento ósseo da SBOT (Sociedade Brasileira de Ortopedia e Traumatologia), membro associado da LLRS (Limb Lenghtening and Reconstruction Society -USA) e sub-chefe da equipe de reconstrução e alongamento ósseo do Instituto de Ortopedia e Traumatologia do HC (Hospital das Clínicas) da FMUSP (Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo).