Relação tóxica de amiga afetou minha saúde mental; o que fazer?
A relações públicas Bianca Santos estava na sala de aula quando percebeu que sua colega estava em um relacionamento abusivo. A amizade tinha um pouco mais de um ano, começou dentro de uma universidade particular de São Paulo, e tomou um rumo diferente quando a amiga começou a reclamar das chantagens emocionais que o namorado fazia.
Aos 20 anos, Bianca nunca tinha vivido uma situação tão complexa, mas acolheu a colega do jeito que acreditava ser o ideal. Aproximou-se, ouviu os relatos, ofereceu carinho e orientações, dizendo que era a hora de dar um ponto final naquela relação. Contudo, o ciclo continuou.
Nos relatos da amiga, o namorado sempre tinha o jogo psicológico na mão na hora de terminar: "Se você terminar, você não terá ninguém" ou "Eu comprei uma aliança de noivado. O que eu vou fazer com ela?". No dia a dia, o controle atingia as situações mais triviais como acompanhar as conversas com as amigas no WhatsApp e até ter crises ciúmes de memes que envolviam atores ou homens.
Mesmo dando suporte e orientação, Bianca viu a relação abusiva da amiga se tornar violenta e instável. Términos e retornos se tornaram rotina. Roxos começaram a surgir e situações como mensagens no meio da noite da amiga avisando que estava trancada na casa do namorado. A situação começou a afetar Bianca. O sentimento de medo pelo que poderia acontecer com a amiga e a incapacidade de ajudá-la a sair do relacionamento fez com que ela procurasse ajuda.
Comecei a ver que a situação estava fora do meu controle. Comecei a sentir ansiedade pelos riscos que ela estava correndo e o que eu podia fazer. Eu saía com meus amigos de noite, recebia mensagens dela e ficava com medo de acontecer algo. Bianca Santos
"Era angustiante. Até que entrei em uma rede social, procurei a mãe dela, começamos a conversar e eu consegui acompanhar de um outro ângulo. Sabendo que eu estava ali fazendo meu papel de amiga, mas que a responsabilidade não era minha", conta Bianca.
Após dois anos, o relacionamento finalmente chegou ao fim, a amiga conseguiu se recuperar da situação, mas para Bianca passar por aquele momento, foi um marco, que hoje ela usa nos próprios relacionamentos e dá atenção aos sinais de quando a relação sai do nível saudável.
Saúde mental de quem assiste de fora um relacionamento abusivo
- Os abusos emocionais ou psicológicos causam danos à autoestima e confiança, geram dependência emocional e, em muitos casos, financeira.
- O impacto do abuso pode ser algo que também afeta quem assiste a relação de fora.
- É comum que haja raiva ou furor para resolver a situação pela pessoa querida.
- Quem convive com quem está em um relacionamento abusivo também deve buscar assistência de saúde, para cuidar e diminuir a angústia, ansiedade ou impaciência diante da situação.
O papel do amigo é orientar para que a pessoa procure ajuda profissional para cuidar da sua saúde física e mental. O especialista pode ser uma oportunidade para que a pessoa entenda a gravidade da situação. Essa recomendação também pode aliviar o sentimento de impotência de quem está tentando ajudar. Andrea Feijó de Mello, médica psiquiatra, chefe do Serviço de Assistência e Pesquisa em Violência e Estresse Pós Traumático da Universidade Federal de São Paulo
- O processo de entendimento e fortalecimento da pessoa numa relação abusiva não tem o mesmo ritmo de entendimento de quem está fora da relação.
- Sair de uma relação em que ocorre abuso emocional ou físico pode levar tempo, até a pessoa se fortalecer e se desvincular das diferentes dependências que se criam como a emocional e a financeira, explica Fabiana Macena, conselheira do Conselho Regional de Psicologia de São Paulo.
- Fazer o acolhimento ao notar que algo não vai bem não é fácil e é uma zona fora do conforto da amizade, segundo Macena, mas o caminho seguro é levar a pessoa a ter o entendimento de que aquela situação e comportamento não é normal.
Um amigo que escuta um relato pode mostrar interesse e argumentar, com 'curiosidade', sobre situações que remetem a risco para a pessoa em situação de abuso, a fim de gerar o questionamento da própria. Por exemplo, 'Você não acha estranho essa resistência do Fulano com sua família?' ou 'Não é estranho proibir você de ver essa amiga que você conhece há tanto tempo?' ou 'Você adorava ir nesse lugar ou vestir essa roupa e não a vejo mais saindo ou usando. Está tudo bem?'. Fabiana Macena, conselheira do Conselho Regional de Psicologia de São Paulo
De amiga para mediadora de uma roda de conversas
A psicóloga Mônica Moura já esteve no papel de amiga que acompanhou e deu todo o suporte para uma mulher sair de um relacionamento abusivo. Mesmo com conhecimento técnico da profissão, ouvindo sobre o tema em conversas com outras amigas e pessoas próximas, a vulnerabilidade do momento era algo sentido por ela e pela amiga.
Ver alguém que você gosta em um relacionamento abusivo, inicialmente é desesperador para quem vê de fora aquela pessoa perdendo a própria identidade. Muitas vezes a família não nota. Quem nota é a amiga, que ouve algo sobre o relacionamento e vê que há algo errado. Mônica Moura
Para além do acolhimento e do aconselhamento, Mônica utilizou a situação com a amiga para estudar sobre desenvolvimentos femininos na área da psicologia e quis ajudar mais mulheres em relações tóxicas.
Há 7 anos ela criou Círculo De Amor e Cura, uma terapia comunitária para mulheres no Jardim Ângela, zona sul de São Paulo, totalmente gratuita. A primeira "paciente" da roda foi sua própria amiga, que vinha passando por um relacionamento abusivo e deu a volta por cima após as sessões em grupo.
"Todas as mulheres chegam por intermédio ou com o suporte de uma amiga. Na roda vamos além da orientação e da troca de experiências, falamos de assuntos associados às situações abusivas da sociedade em relação à mulher. Por isso, nossa conversa sempre traz pontos como autonomia, machismo e empoderamento", conta Mônica.
O grupo já tem sete anos. Começou com três pessoas e hoje atende cerca de 30 mulheres. Na pandemia, os encontros presenciais se expandiram para online e hoje as reuniões acontecem no espaço físico e virtual para atender mulheres de outras regiões de São Paulo e de outros estados.
Durante estes anos, Mônica encontrou diferentes histórias e mulheres que contaram com o apoio das amigas para superar o relacionamento abusivo e reforça que o segredo para lidar com a situação está em se colocar no lugar do outro.
Diante da nossa sociedade, estamos todos suscetíveis a ter relacionamentos com algum grau de toxicidade ou abuso. Então, devemos pensar, se eu estivesse nessa situação e eu não soubesse, como eu gostaria de ser acolhida? Por quem? E principalmente saber: ninguém sai de um relacionamento abusivo sozinha. Mônica Moura
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