Transplante haploidêntico: dois irmãos e uma medula 50% compatível
Até pouco tempo, os casos de transplantes de medula óssea ocorriam com doadores 100% compatíveis, que possuem a mesma tipagem de medula HLA (human leukocyte antigen), —chamado alogênico— e, em situações específicas, com a medula do próprio paciente —o autólogo.
Mas há cerca de 7 meses, Pietro Basso Correia, 7, passou por um transplante de medula óssea cujo doador foi seu irmão mais velho, Enzo, 11. O que difere o episódio é que a compatibilidade entre eles é de 50%.
O procedimento, chamado haploidêntico, foi realizado no Centro de TMO (Transplante de Medula Óssea) do Hospital do GRAACC (Grupo de Apoio ao Adolescente e à Criança com Câncer).
Entre as vantagens, explica Adriana Seber, hematologista, oncopediatra e coordenadora de TMO do Hospital do GRAACC, estão a agilidade na realização e o aumento das chances de cura, com resultados comparáveis ao de um procedimento com medula 100% compatível do banco de medula.
A quantidade de procedimentos desse tipo tem crescido. No GRAACC, em 2019, foram 15; em 2020, 24, em 2021, foram 35. No ano passado, dos 99 transplantes realizados, o hospital referência realizou 29 transplantes de medula com doadores 50% compatíveis.
Sintomas da leucemia começaram aos 3 anos
Pietro foi diagnosticado com LLA (leucemia linfoide aguda) em novembro de 2018, após frequente queixa de febre, dor na garganta, falta de apetite, fadiga e cansaço. Os primeiros sintomas começaram em setembro, quando ele tinha apenas 3 anos.
Sua mãe Aline Fernanda Machado, 42, assistente social, lembra que, apesar de trabalhar na área da saúde, demorou a desconfiar que pudesse ser algo mais grave. Comentando com um amigo neurologista os sintomas que seu filho caçula apresentava, inclusive um aspecto já amarelado, ele pediu para que ela mostrasse uma foto atual do menino.
Ao olhá-la, ele recomendou que o levasse rapidamente ao hospital, pois se não fosse leucemia podia ser um sangramento interno.
E, assim, foi a um hospital especializado em câncer infantil, onde Pietro foi internado e começou o tratamento. A última quimioterapia foi feita em 11 de dezembro de 2020 e durante todo o ano seguinte, ele passou por consultas e exames periódicos.
Câncer volta, e de forma agressiva
Porém, no início de 2022, ele começou a reclamar de dores nas costas e no pescoço. Aline recorda que já desconfiava que algo não ia bem. "Quando temos um filho leucêmico, percebemos que a cor da boca muda muito rapidamente, ficando descorada e retornando ao normal."
Em março, voltaram ao GRAACC para os exames de rotina e tiveram a notícia de que a leucemia havia voltado, de forma ainda mais agressiva.
Com o novo diagnóstico, foi imediatamente indicado o transplante de medula óssea.
"Pietro foi internado e já recebeu morfina tanta era a dor que sentia. Ficou 21 dias no hospital e voltou para as medicações e outros procedimentos. Fez ainda radioterapia para zerar, de fato, todas as células cancerígenas", conta a mãe.
Entra em cena o irmão mais velho
Enquanto o paciente é tratado, os familiares fazem os exames para compatibilidade e o hospital inicia a busca por compatíveis no Redome (Registro Nacional de Doadores Voluntários de Medula Óssea).
"Quando fomos fazer o exame de sangue, no laboratório, Enzo falou para mim assim: 'Mãe, acho que vou ser compatível com o Pietro'", ela lembra. Os resultados dos exames genéticos costumam demorar 20 dias.
Nesse período, o hospital chegou a identificar um possível doador em Portugal, porém a mãe lembra que os casos de covid-19 haviam aumentado, o que dificultaria os procedimentos.
A boa notícia foi a confirmação de que a medula do irmão era 50% compatível e, além disso, Pietro havia realizado todos os protocolos e estava pronto para receber a nova medula, assim, a equipe médica optou pelo transplante haploidêntico.
Como pais e mães são sempre 50% compatíveis, Aline também era, mas Enzo reunia melhores condições comparado a ela, primeiramente pela idade: "Os médicos falaram que por ele ser filho de mesmo pai e mesma mãe, mesmo gênero e tipo sanguíneo possuía os requisitos ideais para o sucesso do procedimento".
A mãe enfatiza que Enzo teve 100% de participação.
Foi de corpo e alma, até por conta do isolamento que precisou realizar, pois não podia pegar nenhuma infecção, cuidados na alimentação e até aulas online. Depois da doação, ele ficou cinco dias com dor intensa, mas no sexto dia já estava bem e recuperado.
O procedimento e a 'pega' da medula
Sob anestesia, a medula foi retirada por meio de uma agulha especial no dia 12 de maio pela manhã, e à tarde foi recebida pelo irmão em transfusão que levou 4 horas.
"Ele não teve nenhuma intercorrência, além das já esperadas, e a 'pega' da medula aconteceu no 17º dia após o transplante. Pietro comentou que suas costas haviam doído e percebi suas bochechas mais rosadas. Esses são alguns sinais que os próprios médicos comentam. Fomos para casa no dia seguinte, em um domingo, dia 29 de maio."
A 'pega' da medula é quando leucócitos e plaquetas atingem certo nível, sem transfusão, no organismo do transplantado.
Hoje, Pietro tem 100% da medula de seu irmão mais velho e não precisa mais tomar os imussupressores —medicamentos que evitam a rejeição.
A rotina ainda precisa de cuidados para impedir as infecções, como uso de máscaras, higienização quando chegam da rua e até banhos com água mineral. Após um período afastados, devido às precauções, os irmãos já convivem novamente na mesma casa.
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