Odor fantasma: por que há quem sinta cheiros que não estão por perto?
Um aroma adocicado, como o de flores, mas muito mais pessoal e inconfundível. É assim que descreve Marli Olivetti, 72, de São Paulo, o cheiro que sentia dentro de casa e parecia ser idêntico ao perfume de sua mãe, Oraci, falecida em 2018. "Passei um período difícil e durante ele que comecei a sentir esse cheiro sem explicação, mesmo com as janelas fechadas", conta.
Percepção muito diferente da de Joyce Castro, 53, também da capital paulista, que capta vez ou outra pelas narinas cheiros desagradáveis, de coisas estragadas, independentemente do ambiente onde esteja. "Mesmo em locais limpos e abertos", diz. Quando ela está com outras pessoas, até pergunta, para averiguar, se notam algo: "Respiram fundo e afirmam que não."
Parece estranho, mas distúrbios que afetam o olfato são comuns e, com a pandemia de covid-19, descobriu-se que a infecção pelo Sars-CoV-2, assim como resfriado, gripe e sinusite, pode provocar perda ou alteração desse sentido e do paladar. A consequência é a parosmia, uma distorção na receptação sensorial das moléculas das substâncias dispersas no ar que é inalado.
Odores fantasmas existem
Quando o odor não está presente, mas ainda assim é sentido, a disfunção olfativa, entretanto, é outra. Caracterizada por fantosmia, ela está mais para uma alucinação e pode atingir uma ou ambas as narinas. "Trata-se da percepção de odores fantasmas, que não existem e podem ser intermitentes ou constantes", informa Andy Vicente, otorrino do Hospital Cema, em São Paulo.
De acordo com o médico, geralmente os pacientes com essa condição descrevem cheiros de substâncias químicas e fumaça, de incêndio e cigarro, ou pútridos (de fezes, carniça, ovo podre), como relatou Joyce. Eventualmente, há quem sinta aromas agradáveis, mas se somem e reaparecem direto podem ser tão angustiantes e prejudiciais ao emocional quanto os ruins.
Sobre a origem desse fenômeno, pouco se sabe, mas Vicente explica que, como na parosmia, vírus e bactérias seriam potenciais desencadeadores de inflamações nos nervos (neurites), embora não os únicos. Ele aponta ainda presença de pólipos nasais, tumores, exposição contínua a tintas, solventes, álcool e drogas, doenças neurológicas e transtornos psiquiátricos.
Há também causas mentais, como deve ter sido o caso de Marli. "No luto, como os odores ficam registrados no inconsciente, a pessoa pode senti-los de novo devido a associações geradas por outros sentidos, como enxergar algo que remeta a uma memória", esclarece Wimer Bottura, psiquiatra pelo IPq-FMUSP (Instituto de Psiquiatria da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo).
Cérebro em curto-circuito
O sistema nervoso, quando acometido por AVC, epilepsia, esquizofrenia, depressão, Parkinson e Alzheimer, bipolaridade, sofre alterações, lesões e danos nos neurônios, inclusive os da área olfatória, localizada no córtex cerebral, informa Júlio Pereira, médico pela UFBA (Universidade Federal da Bahia) e neurocirurgião.
"Isso gera uma enorme confusão sensorial e que ainda atinge, pela proximidade, o sistema límbico, relacionado às emoções. Por isso, o cheiro pode despertar sensações diversas, como tristeza, perigo, mal-estar, ansiedade", esclarece Pereira. Em pacientes com histórico ou presença de depressão é ainda mais grave, a fantosmia pode induzir a pensamentos suicidas.
Marli conta que devido ao seu estado deprimido somado à fragrância doce que sentia com muita frequência, não tinha vontade de comer e emagreceu muito. A mudança no olfato também interferiu no paladar de Joyce, que relata ter sofrido no começo da fantosmia com náuseas intensas e que intensificavam problemas, como gastrite, estresse e enxaqueca.
Como recobrar o olfato
Com qualquer alteração olfativa é preciso consultar um médico e realizar exames específicos, para verificar se existem anormalidades na cavidade nasal, no cérebro ou no sistema nervoso. Quanto aos tratamentos, variam de acordo com o fator causal, o que pode incluir utilização de sprays salinos, anestésicos, medicamentos psicotrópicos, psicoterapia e, raramente, cirurgias.
No caso de Marli, a fantosmia desapareceu à medida que ela trabalhou a aceitação da morte de sua mãe. Segundo os especialistas, a recuperação do olfato é gradual, de meses a anos. Joyce diz que após parar de fumar e cuidar mais da higiene bucal, seu olfato melhorou, apesar de acreditar estar sob efeito da covid longa, quando os sintomas dela continuam pós-infecção.
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